O setor de energia solar fotovoltaica no Brasil enfrentou um momento crítico quando o governo elevou o imposto de importação de módulos solares de 9,6% para 25%, em novembro de 2024.
A decisão, embora justificada pela proteção à indústria nacional, ameaçava inviabilizar dezenas de projetos de geração centralizada já em estágio avançado de desenvolvimento.
Empresas que haviam obtido outorgas da ANEEL, realizado estudos de viabilidade e até feito contribuições ao sistema de transmissão viram seus projetos à beira do colapso financeiro.
Mas a história não terminou aí. Em julho de 2025, o governo reconsiderou sua posição. A Portaria SECEX nº 411, publicada no Diário Oficial da União em 16 de julho de 2025, estabeleceu um mecanismo que oferece uma saída: as cotas de importação com alíquota reduzida de 9,6%.
Esse instrumento, resultado de intensas negociações entre o setor e o governo, representa uma solução pragmática que equilibra o incentivo à indústria nacional com a viabilidade econômica de grandes projetos.
Esta análise didática e aprofundada apresenta, passo a passo, como utilizar essas cotas, quais documentos são necessários e quais são os trâmites envolvidos.
Entendendo o contexto e as cotas
As cotas de importação são limites de volume (ou valor) de mercadorias que podem ser importadas com uma alíquota reduzida de imposto. No caso dos módulos solares, as cotas funcionam como um “teto orçamentário” que, uma vez esgotado, não permite novas importações com a alíquota reduzida.
A primeira cota, regulamentada pela Portaria SECEX nº 411, possui as seguintes características:
Por que apenas projetos acima de 5 MW?
A decisão governamental de limitar as cotas a projetos com potência superior a 5 MW reflete uma estratégia clara: proteger os investimentos de grande porte que já estavam em andamento. Projetos menores, especialmente de geração distribuída, continuam sujeitos à alíquota de 25%, o que incentiva a produção nacional de módulos para esses segmentos.
A Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), através de seu Grupo de Trabalho de Tributação e Logística, coordenado por Daniel Pansarella, foi fundamental para a reversão da decisão anterior. Pansarella, que também atua como presidente do conselho fiscal da Absolar, apresentou argumentos técnicos e econômicos que demonstraram como a revogação das cotas prejudicaria projetos que já haviam feito investimentos significativos baseados em expectativas regulatórias anteriores.
A negociação contou também com a participação de empresas do setor, como a Trinasolar, que reconheceram na solução das cotas uma forma de manter a viabilidade do mercado de geração centralizada nos próximos dois anos.
O processo prático: passo a passo
Etapa 1: verificar elegibilidade do projeto
Antes de iniciar qualquer procedimento, o empreendedor deve confirmar que seu projeto atende aos requisitos básicos:
Checklist de elegibilidade:
- ✓ Potência instalada superior a 5 MW
- ✓ Outorga válida da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)
- ✓ Projeto de geração centralizada (não se aplica a geração distribuída)
- ✓ Módulos fotovoltaicos montados (não apenas células solares)
- ✓ Código NCM 8541.43.00 (Ex 001)
Exemplo prático: usina solar XYZ
A Usina Solar XYZ é um projeto de geração centralizada com 50 MW de potência, localizado no estado de Minas Gerais. Obteve sua outorga da ANEEL em março de 2024, com número de processo ANEEL nº 48500.004567/2024-89, publicado no Diário Oficial da União em 15 de março de 2024. O projeto está em fase de construção e necessita importar 100 mil módulos solares de 500W cada, totalizando aproximadamente US$ 6,5 milhões (FOB). A empresa atende a todos os requisitos de elegibilidade.
Etapa 2: registrar a licença de importação (LI) no siscomex
O Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior) é o portal eletrônico do governo federal onde todas as operações de comércio exterior são registradas. O acesso é feito através do Portal Único de Comércio Exterior.
Procedimento:
- Acesse o Portal Único de Comércio Exterior (www.portalunico.gov.br)
- Autentique-se com certificado digital (e-CNPJ) ou gov.br
- Navegue até: Operações → Licenciamento de Importação → Solicitar
- Clique em “Nova Solicitação de LI”
- Preencha os dados básicos da operação (importador, fornecedor, incoterm, etc.)
Importante: A ordem de registro no Siscomex é fundamental. As LIs são analisadas por ordem de chegada, e uma vez esgotada a cota global, novas licenças não serão emitidas, mesmo que o pedido já esteja registrado.
Etapa 3: preencher corretamente a ficha de mercadoria
Este é o ponto crítico. O preenchimento incorreto da ficha de mercadoria pode resultar na rejeição da LI ou em sua análise fora da cota reduzida.
Campo “Especificação” (obrigatório):
Deve conter exatamente:
Ex 001 – Células fotovoltaicas montadas em módulos ou em painéis, para utilização em centrais geradoras com potência superior a 5 MW. Módulos fotovoltaicos monocristalinos, 500W, fabricante [nome do fabricante], modelo [modelo específico], quantidade [número de unidades].
Exemplo prático: preenchimento correto para usina solar XYZ
Campo Especificação:
Ex 001 – Células fotovoltaicas montadas em módulos ou em painéis, para utilização em centrais geradoras com potência superior a 5 MW. Módulos fotovoltaicos monocristalinos, 500W, fabricante Canadian Solar, modelo CS6L-500MS, quantidade 100.000 unidades, peso total 5.500 toneladas, valor FOB US$ 6.500.000,00.
Outros Campos Importantes:
- Quantidade: Deve estar em unidades (módulos) ou quilogramas (conforme NCM)
- Valor Unitário: Calcular corretamente para não exceder a cota máxima de US$ 8 milhões
- Peso Líquido: Informação técnica importante para desembaraço aduaneiro
- País de Origem: Informar o país fabricante (ex: China, Vietnã, Tailândia)
Etapa 4: preencher o campo “Informações Complementares”
Este campo é obrigatório e deve conter informações que identificam o empreendimento e o vínculo com a ANEEL.
Informações obrigatórias:
Nome do Empreendimento: [Nome exato conforme ANEEL]
Nome do Empreendedor: [Razão social da empresa]
Código Único de Empreendimento de Geração (CEG): [Número do CEG]
Número do Ato Administrativo ANEEL: [Número da outorga]
Data de Publicação no DOU: [Data da publicação]
Dossiê Siscomex (se aplicável): [Número do dossiê]
Exemplo prático: informações complementares para usina solar xyz
Nome do Empreendimento: Usina Solar XYZ
Nome do Empreendedor: XYZ Energia Solar S.A.
Código Único de Empreendimento de Geração (CEG): 48500.004567
Número do Ato Administrativo ANEEL: Portaria ANEEL nº 1.234/2024
Data de Publicação no DOU: 15 de março de 2024
Dossiê Siscomex: 2025.0001234
Etapa 5: anexar documentação complementar (se necessário)
Se o importador for diferente do empreendedor, é obrigatório anexar um contrato ou instrumento similar que comprove o vínculo entre as partes.
Documentos aceitos:
- Contrato de fornecimento ou compra de módulos
- Contrato de importação
- Procuração com poderes específicos
- Termo de responsabilidade
- Qualquer documento que comprove a relação comercial
Procedimento de anexação:
- No Siscomex, acesse o módulo de “Anexação Eletrônica de Documentos”
- Selecione o tipo de documento
- Faça upload do arquivo (PDF, JPG ou PNG)
- Anote o número do dossiê gerado
- Informe este número no campo “Informações Complementares” da LI
Exemplo prático: caso com importador diferente do empreendedor
Suponhamos que a Usina Solar XYZ contratou a empresa “Broker Importações Ltda.” para realizar a importação dos módulos. Neste caso:
- Empreendedor: XYZ Energia Solar S.A.
- Importador: Broker Importações Ltda.
Broker Importações deve anexar um contrato assinado com XYZ Energia Solar que comprove sua autorização para importar os módulos em nome do empreendimento. O contrato deve incluir:
- Identificação das partes
- Descrição dos módulos a serem importados
- Valor total
- Autorização explícita para realizar a importação
- Assinatura de ambas as partes
Etapa 6: submeter a LI e aguardar análise
Após preencher todos os campos obrigatórios e anexar os documentos necessários, o importador deve submeter a LI. O sistema gerará um número de protocolo e uma data de registro.
Prazos típicos:
- Análise formal: 5 a 10 dias úteis
- Análise com anuência de órgão (raro para módulos solares): até 30 dias úteis
- Emissão da LI: Imediata após aprovação
Status da LI:
O importador pode acompanhar o status da LI através do Siscomex:
- Registrada: LI foi registrada, aguardando análise
- Deferida: LI foi aprovada e pode ser utilizada para desembaraço
- Indeferida: LI foi rejeitada (requer correção e novo registro)
- Cancelada: LI foi cancelada (pode ser por solicitação do importador ou expiração)
Etapa 7: desembaraço aduaneiro e entrega da mercadoria
Após a emissão da LI, o importador pode proceder com o desembaraço aduaneiro. Este é um processo que envolve a Receita Federal e pode incluir:
- Apresentação de documentos aduaneiros
- Inspeção física ou documental da mercadoria
- Pagamento de impostos (imposto de importação, ICMS, PIS, COFINS)
- Liberação para entrega
Importante: O desembaraço aduaneiro não é responsabilidade da SECEX ou DECEX, mas da Receita Federal. O importador deve trabalhar com um despachante aduaneiro credenciado.
Parte 3: A alternativa Duimp (Declaração Única de Importação)
A Portaria SECEX nº 411 também permite o uso da Duimp (Declaração Única de Importação) como alternativa ao Siscomex LI tradicional. A Duimp é um documento eletrônico mais moderno que centraliza informações aduaneiras, administrativas e comerciais.
Quando usar Duimp?
A Duimp é especialmente útil para:
- Importadores com múltiplas operações frequentes
- Operações com maior volume de documentação
- Integração com sistemas ERP modernos
Procedimento Duimp:
- Acesse o Portal Único de Comércio Exterior
- Navegue até: Operações → LPCO (Licenças, Permissões, Certificados e Outros Documentos)
- Solicite uma nova licença para importação
- Preencha os dados no módulo LPCO
- Cadastre o produto no “Catálogo de Produtos” do Portal Único
- Anexe documentos subsidiários
- Submeta para análise
Os critérios de distribuição e requisitos de documentação são idênticos aos da LI tradicional.
Parte 4: limites, restrições e considerações importantes
Cada projeto tem direito a uma cota máxima inicial de US$ 8 milhões. Isso significa:
- Um importador pode obter múltiplas LIs para o mesmo projeto, desde que a soma não ultrapasse US$ 8 milhões
- Após atingir o limite, novas importações só são permitidas após o desembaraço aduaneiro das anteriores
- Cada nova concessão é limitada à quantidade já desembaraçada
Exemplo prático: gestão de múltiplas LIs
A usina solar XYZ precisa importar módulos em três etapas:
- Primeira LI: US$ 3 milhões (50 mil módulos) – Registrada em 20 de julho de 2025
- Segunda LI: US$ 3 milhões (50 mil módulos) – Registrada em 25 de julho de 2025
- Terceira LI: US$ 2 milhões (33.333 módulos) – Registrada em 30 de julho de 2025
Total: US$ 8 milhões (limite máximo atingido)
Após o desembaraço aduaneiro da primeira LI (digamos, em 15 de agosto de 2025), a empresa pode solicitar uma quarta LI de até US$ 3 milhões (correspondente à quantidade desembaraçada).
A fila de uso e a ordem de registro
A cota global é distribuída por ordem de registro no Siscomex. Isso cria uma “fila” de importadores. Uma vez esgotada a cota de US$ 717,41 milhões, o Decex não emitirá novas licenças.
Implicação prática:
Importadores que registrarem suas LIs tardiamente correm o risco de não conseguir acesso à cota reduzida. Por isso, a agilidade no registro é crucial.
Proibição de múltiplos empreendimentos por LI
A Portaria SECEX nº 411 proíbe explicitamente a inclusão de mais de um empreendimento em uma única LI. Isso significa:
- Cada LI deve referir-se a um único projeto
- Projetos diferentes requerem LIs diferentes
- Não é possível “agrupar” projetos para otimizar a cota
Parte 5: cronograma e planejamento
Prazos críticos
Recomendações de planejamento
Para projetos em estágio avançado:
- Imediato: Verificar elegibilidade e preparar documentação
- Semana 1-2: Registrar LI no Siscomex
- Semana 3-4: Acompanhar análise e aprovação
- Semana 5-6: Iniciar procedimentos de desembaraço aduaneiro
- Semana 7-12: Recebimento e instalação dos módulos
Para projetos em desenvolvimento:
- Considerar a existência das cotas no planejamento financeiro
- Antecipar a obtenção da outorga ANEEL para garantir elegibilidade
- Reservar tempo para negociações com fornecedores internacionais
Parte 6: erros comuns e como evitá-los
Erro 1: preenchimento incorreto da especificação
Problema: Omitir o “Ex 001” ou não mencionar que é para centrais geradoras acima de 5 MW.
Solução: Copiar exatamente a descrição fornecida na Portaria SECEX nº 411.
Erro 2 falta de informações complementares
Problema: Não informar o CEG ou o número da outorga ANEEL.
Solução: Consultar a ANEEL para obter o número exato da outorga e o CEG.
Erro 3: documentação incompleta
Problema: Não anexar contrato quando importador ≠ empreendedor.
Solução: Sempre anexar documentação de vínculo quando aplicável.
Erro 4: exceder o limite de US$ 8 Milhões
Problema: Registrar LIs que, somadas, ultrapassam US$ 8 milhões.
Solução: Calcular cuidadosamente o valor FOB e distribuir em múltiplas LIs se necessário.
Erro 5: atrasar o registro
Problema: Registrar a LI quando a cota já está próxima do esgotamento.
Solução: Registrar assim que a documentação estiver pronta.
Conclusão: a viabilidade recuperada
As cotas de importação para módulos solares representam mais do que um simples instrumento fiscal.
Elas simbolizam um reconhecimento governamental de que a política industrial não pode ser implementada de forma desconectada da realidade dos investimentos já realizados.
A negociação que resultou na Portaria SECEX nº 411 demonstrou que o diálogo entre setor privado e governo é possível e produtivo.
Para os empreendedores com projetos de geração centralizada acima de 5 MW, as cotas oferecem uma janela de oportunidade de dois anos (até julho de 2027) para importar módulos com alíquota reduzida. O processo, embora detalhado, é claro e acessível para quem se preparar adequadamente.
O papel de entidades como a Absolar, através de seu Grupo de Trabalho de Tributação e Logística, foi fundamental para construir essa solução. Lideranças como a de Daniel Pansarella demonstraram que a defesa técnica e econômica dos interesses do setor é mais eficaz que a simples contestação política.
Para aqueles que planejam utilizar as cotas, a recomendação é simples: não procrastine. A ordem de registro no Siscomex é determinante, e a cota global, embora generosa, é finita.
Referências e documentos oficiais
- Portaria SECEX nº 411, de 15 de julho de 2025 – Estabelece critérios para alocação de cota para importação (Diário Oficial da União, 16/07/2025)
- Resolução GECEX nº 757, de 10 de julho de 2025 – Altera alíquota de imposto de importação para módulos fotovoltaicos
- A QQ Portal Único de Comércio Exterior – www.portalunico.gov.br
- Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) – www.aneel.gov.br
- Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) – www.absolar.org.br
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