Com o avanço acelerado das fontes renováveis no Brasil, os limites da infraestrutura elétrica passaram a ocupar o centro do debate setorial.
Gargalos na transmissão, aumento do curtailment, eventos climáticos extremos e incertezas regulatórias colocam pressão sobre um segmento que deixou de ser apenas “meio” para se tornar peça estratégica da transição energética.
Para entender como a transmissão pode responder a esse novo cenário — e quais ajustes técnicos, regulatórios e institucionais são urgentes — o Canal Solar entrevistou Juan Collado, country manager da Redinter no Brasil.
Na conversa, o executivo analisa os desafios operacionais do sistema, avalia os impactos da nova legislação elétrica, discute o papel do armazenamento como ativo de transmissão e aponta as oportunidades que se desenham para o setor a partir de 2026.
Como o setor de transmissão pode contribuir para reduzir restrições e gargalos do sistema em um cenário de forte crescimento das energias renováveis?
Não há transição energética sem uma rede de transmissão robusta e resiliente. A expansão segura das fontes renováveis exige uma visão integrada do sistema elétrico, com reforço da estabilidade da rede e incorporação de soluções flexíveis, como compensadores síncronos, STATCOM e armazenamento, capazes de lidar com a intermitência da geração.
O segmento de transmissão é o player com vocação natural para implantação de sistemas de armazenamento. Precisa-se de quase nenhum aprimoramento regulatório, podem ser instaladas rapidamente e oferecem múltiplas soluções para os problemas da rede.
Nesse sentido, aqui o Governo precisaria ampliar seu olhar para além do que está sendo proposto no Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP). A transmissão não apenas conecta a geração de energia renovável, como garante confiabilidade e estabilidade ao sistema.
Quais são os principais desafios para operar e expandir linhas de transmissão no Brasil hoje?
As mudanças climáticas já são um desafio operacional concreto para a transmissão. Aqui, vale destacar o aumento da densidade e intensidade de descargas atmosféricas, o aumento da velocidade e intensidade dos ventos (em algumas regiões críticas da América Latina, sobretudo o Brasil), além de chuvas torrenciais e concentradas.
Mudanças climáticas impõem nova camada de incerteza ao planejamento energético do Brasil
Investimentos em tecnologias, sensoriamento de ativos, predição e estudos do tempo vêm dando resultados importantes, porém, são soluções custosas, que ainda carecem de uma visão da regulação por incentivos que reconheça o investimento realizado.
Em síntese, operar ativos de transmissão nesse cenário tem um custo que precisa ser discutido de forma transparente.
Além disso, a avaliação de desempenho da rede, com expansão tempestiva, é necessária para que a integração entre os centros de geração e os centros de maior carga ocorra de maneira satisfatória.
Hoje é comum termos equipamentos operando em cenário de estresse, o que aumenta o tempo e frequência de paradas para manutenção. Maiores e mais frequentes paradas podem contribuir negativamente para o aumento do curtailment. Nesse sentido, é importante aprofundar a compreensão sobre o modo de operação destas máquinas.
Em termos de expansão, entendemos ser bastante desafiador conciliar o tempo de implantação de projetos de geração e de carga – como data centers – com o tempo de implantação de ativos de transmissão.
A nova metodologia das “Temporadas de Acesso” trazidas pelo Decreto nº 12.722/25, por um lado, institui procedimento competitivo para o (escasso) acesso atualmente disponível, por outro, pode oferecer inputs relevantes para a EPE planejar as próximas expansões.
Por fim, o licenciamento ambiental de linhas de transmissão e o tempo hoje incorrido pelos órgãos ambientais para tanto podem se mostrar incompatíveis para atender a demanda e o ritmo de crescimento da malha.
A Redinter enfrenta esses desafios com engenharia otimizada, infraestrutura moderna e processos robustos. Nosso compromisso é garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica e contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país por meio de operações seguras e sustentáveis, alinhadas à transição energética.
Como a empresa tem se preparado para temas como mudança climática, eventos extremos e resiliência da rede?
A resiliência da rede começa com dados, tecnologia e antecipação. No Brasil, a Redinter atua por meio da Argo Energia, transmissora detentora de 9 concessões, espalhadas em 10 estados do Brasil nas regiões Nordeste e Norte – mais a sede administrativa e o Centro de Operação do Sistema, que ficam em São Paulo –, operando e mantendo 34 subestações e mais de 4.200 quilômetros de linhas.
Para fazer frente aos desafios climáticos da atualidade, a Argo Energia tem se preparado, principalmente, de duas formas: em primeiro lugar, estudando como a ação do tempo impacta a saúde dos ativos de transmissão, diminuindo sua vida útil e sua performance. Podemos citar regiões com alto índice de poluição ambiental, que geram também alta corrosividade nos ativos.
Preparar-se para eventos extremos é hoje uma decisão estratégica, não apenas técnica. Por meio da Argo, investimos muito em projetos e desenvolvimento de tecnologias, como o uso da inteligência artificial, criação de gêmeos digitais e desenvolvimento de sistemas para realizar análises preditivas.
Ainda, vem investindo em sistemas de monitoramento e estudo de impacto dos efeitos do clima sob seus ativos, como por exemplo, a aquisição de estações meteorológicas, permitindo visão ampliada sobre o contexto climático onde os ativos de transmissão estão instalados.
A Redinter, como empresa comprometida com um futuro energético limpo e seguro, opera com foco claro em disponibilidade, eficiência e digitalização e adota tecnologias de ponta e uma cultura de melhoria contínua para garantir a confiabilidade mesmo em cenários climáticos adversos, apoiando as metas nacionais de neutralidade de carbono.
De que forma a Redinter avalia o ambiente competitivo dos próximos leilões de transmissão?
Nossa avaliação é de que o modelo de leilões de transmissão em curso no Brasil é claramente vencedor, na medida em que vem, ao longo dos anos, permitindo entregar aos consumidores a expansão contratada pela ANEEL com custos definidos em processos competitivos.
A ANEEL, ao longo dos anos, também fez seu papel ao buscar continuamente o aprimoramento das regras do certame, o que levou a uma filtragem natural de aventureiros. Ainda há casos de projetos que não saem do papel e desembocam em caducidade de concessões, porém, o que é possível observar, quando se olha em perspectiva, é um processo de longo prazo marcado por amadurecimento.
Os desafios recentes vividos no Brasil – expansão acelerada dos projetos renováveis, boom de data centers, necessidade de implementação de mais compensadores síncronos, necessidade de licenciamentos ambientais tempestivos, discussão quanto à prorrogação ou relicitação das concessões vincendas – tendem a demandar dos players análises e estudos muito bem-feitos quanto à decisão de participar ou não de leilões. Para os próximos leilões, esperamos certames competitivos.
Como a Redinter avalia os principais pontos da MP elétrica?
A Lei nº 15.269/25 fortalece a previsibilidade do sistema e a disciplina na expansão do setor, trazendo uma série de alterações em áreas-chave do setor elétrico brasileiro, como a abertura de mercado e a criação de teto para a CDE. Também relevante é o maior rigor dado pela Lei quanto às hipóteses de ressarcimento por cortes de geração.
Não haverá ressarcimento quando houver risco à confiabilidade elétrica da operação, sempre que os documentos de acesso dos geradores indicarem a possibilidade de restrições e em caso de operação em desconformidade com os requisitos técnicos mínimos para conexão à Rede Básica do SIN.
A Lei abre caminho para a implantação de sistemas de armazenamento como ativos de transmissão, dando competência à ANEEL e permitindo enquadramento dos projetos de armazenamento no REIDI, o que seria um benefício grande para o setor como um todo, dada a maturidade do segmento de transmissão do ponto de vista de licenciamento, de financiamento, de operação etc.
Existem pontos que podem gerar insegurança jurídica ou afetar a previsibilidade?
A MP convertida em Lei ainda carece de algumas regulamentações infralegais. Sob a ótica da transmissão, é importante que as tecnologias de armazenamento stand alone possam ser contratadas igualmente pela transmissão, alargando-se a proposta trazida pelo Ministério de Minas e Energia na última consulta pública sobre o LRCAP para baterias. A regulamentação será decisiva para transformar o novo marco legal em oportunidades concretas.
Quais mudanças regulatórias seriam mais urgentes para garantir segurança operacional e financeira?
Sob a ótica operativa, é urgente o avanço normativo e regulatório quanto ao reconhecimento tarifário pelos investimentos realizados a fim de mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Ainda na ótica operativa, deve-se revisitar as periodicidades das franquias para manutenção de alguns equipamentos, como por exemplo os compensadores síncronos.
Já sob a ótica financeira, é absolutamente imprescindível que, na regulamentação da relicitação das concessões de transmissão, seja reconhecido pela ANEEL que haverá, ao fim das concessões que firmaram contratos até 2019, indenização por ativos não amortizados.
Um entendimento que eventualmente divirja deste cenário gera insegurança jurídica – considerando o disposto no contrato de concessão – e instabilidade regulatória – pois o ativo foi modelado seguindo as disposições do Manual de Controle Patrimonial –, além de passar uma mensagem extremamente preocupante ao mercado.
A Redinter vê riscos de atrasos ou encarecimento devido à MP?
Nosso entendimento é que a Lei nº 15.269/25 inaugura um segundo “dia do perdão”, pois permite que usinas ainda sem CUST possam pedir a revogação de suas outorgas à ANEEL, sem penalidades, desde que o façam até 24/12 desse ano. Trata-se de medida que tenderá a deixar a expansão da oferta mais aderente à realidade atual do mercado e da demanda.
Ainda, com a possibilidade de revogação “espontânea” sem penalidades, espera-se que sejam evitadas mais judicializações de agentes de geração, que para não pagarem os encargos mensais e rescisórios devidos, optam por recorrer ao Judiciário.
Que oportunidades a Redinter identifica no Brasil para 2026 em diante?
Sem dúvida alguma, os leilões de transmissão ainda serão o carro-chefe para expansão da transmissão no ano que vem. No entanto, a participação nos certames envolve uma série de questões, como a aderência e a sinergia com os atuais ativos sob gestão, a eficiência esperada e os objetivos da companhia. Por isso, as decisões sobre participar ou não de cada leilão levam em conta aspectos técnicos e estratégicos.
De todo modo, a licitação de compensadores síncronos é interessante pois se trata de obras que são basicamente a instalação do equipamento (sem necessidade de novas linhas, subestações, seccionamentos etc.). A possibilidade de ofertas em lotes separados pode garantir uma atratividade interessante nos certames. Também é esperada a retomada de algumas obras que podem vir a ser declaradas caducas e relicitadas.
Por fim, o segmento de transmissão passa por um ciclo de consolidações (vide a aquisição dos ativos da Equatorial Transmissão pela Verene, da Mantiqueira pela State Grid, o interesse da EDP em reciclar seus ativos de transmissão, dentre outros movimentos), e 2026 deve seguir oferecendo oportunidades nesse sentido.
Por fim, temos a expectativa de que em 2026 a ANEEL avance na atribuição de baterias como reforços aos sistemas de transmissão. No âmbito econômico, 2026 é o ano de preparação para a reforma tributária que se iniciará em 2027, o que demandará ajustes internos em termos de sistemas e processos.
ONS/EPE estão alinhados com as necessidades das transmissoras? O que precisa evoluir?
A “corrida do ouro” deixou claro que a expansão da oferta não estava olhando para a demanda. Permitiu-se que muito mais geração fosse construída e ofertada à rede do que a necessidade de demanda. As novas “Temporadas de Acesso” são medida importante no sentido de reconhecer que o acesso à transmissão se tornou um bem escasso.
As regras para aporte de garantias financeiras para projetos ainda no papel também oferecem mais segurança e previsibilidade. Ainda, é histórico o descasamento do processo de autorização ou expansão da rede, com as datas de necessidade indicadas pela EPE e ONS.
Um planejamento verdadeiramente integrado entre geração, transmissão e consumo é essencial para um sistema eficiente e resiliente.
Como a Redinter se posiciona em relação à inovação tecnológica?
Montamos um portifólio de PDI que tem por preocupação principal responder aos desafios das mudanças climáticas e resiliência do grid, além de buscar soluções tecnologicamente otimizadas para a operação dos ativos.
Exemplos do primeiro caso são os projetos de P&D Isoladores – que desenvolveu um sistema inteligente para identificar como a sujidade se deposita nos equipamentos e, assim, indicar o momento ideal para realização de manutenções preventivas – e Corrosividade Ambiental – que utiliza redes neurais e inteligência artificial para selecionar materiais resistentes à corrosão e estabelecer rotinas de manutenções corretivas, preventivas ou preditivas.
Exemplos do segundo caso são o projeto de P&D do robô de subestações – que usa um robô autônomo embarcado com 5G para realizar inspeções em subestações – e o P&D Vivo – que usa inteligência artificial nos comandos de voz trocados entre Centro de Operações e ONS.
Por fim, a área de inovação, por meio do seu Programa de Ideias, vem fomentando inovação em processos internos da Argo Energia, por meio da realização de automações, criação de agentes de IA e uso de POCs para testar soluções.
O que podemos esperar da Redinter em 2026 com a expansão institucional?
A companhia segue realizando suas análises em novas oportunidades sempre motivadas pela sinergia de ativos e com melhor retorno ao acionista dentro de suas expectativas.
Em 2026, fortaleceremos nossa presença institucional participando ativamente de discussões técnicas e regulatórias e eventos do setor. Ampliaremos nosso diálogo com autoridades e parceiros estratégicos, ao mesmo tempo em que impulsionamos a digitalização, a eficiência e a preparação para novos ciclos de investimento.
Nosso propósito permanece claro: transportar energia, conectar vidas e ser o parceiro estratégico que o Brasil precisa para um futuro energético limpo, seguro e sustentável.
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