As declarações da presidente da ABEEólica, Elbia Gannoum, exibidas na reportagem do Jornal Nacional de 18 de setembro, soaram como um atalho perigoso no debate sobre os problemas do sistema elétrico brasileiro.
Ao insinuar que a GD (geração distribuída), os telhados solares instalados por famílias e empresas, teria papel relevante nos recentes desafios operativos, desloca-se a responsabilidade de onde ela realmente está: na falta de planejamento, nos gargalos de transmissão e nas amarras contratuais que engessam o setor.
Não é nos painéis solares domésticos que reside o nó estrutural. O que paralisa as renováveis no Brasil é um sistema que corta energia limpa por incapacidade de escoá-la.
O próprio ONS (Operador Nacional do Sistema) já projetou que, até 2029, até 96% dos desligamentos de usinas solares e eólicas decorrerão de sobreoferta e limitações da rede — não de qualquer impacto da geração distribuída. Esse dado, divulgado pela imprensa especializada, deveria estar no centro da discussão.
A transmissão é o primeiro gargalo. A expansão da rede não acompanhou o ritmo avassalador das renováveis no Nordeste, criando um funil para levar essa energia até os grandes centros de consumo. O governo reconhece isso ao anunciar leilões bilionários, como o previsto para 31 de outubro, estimado em até R$ 8 bilhões, justamente para aliviar os estrangulamentos.
O segundo entrave é a rigidez contratual. Térmicas inflexíveis, obrigadas a gerar mesmo quando não são economicamente necessárias, ocupam espaço que poderia ser das renováveis. Tanto é verdade que o próprio MME (Ministério de Minas e Energia) vem editando mecanismos para flexibilizar a operação dessas usinas.
Por fim, há a ausência de instrumentos modernos de integração: baterias em escala, sinais tarifários por horário, programas de resposta da demanda. Sem isso, o sol do meio-dia precisa ser cortado e, ao entardecer, o sistema aciona fontes mais caras. Culpar o consumidor que investiu no seu telhado é ignorar o atraso do país em soluções que o mundo já testa e expande.
O caminho para corrigir o problema é claro: acelerar obras de transmissão, flexibilizar os lastros inflexíveis, escalar armazenamento e integrar de fato a micro e minigeração distribuída ao planejamento e à operação do sistema.
A geração distribuída não é ameaça — é ativo estratégico para reduzir custos, aumentar a segurança elétrica e acelerar a descarbonização. Atacar os telhados solares é um desserviço ao debate público. As famílias e empresas que investiram em energia limpa com recursos próprios estão ajudando o país a se modernizar.
O que falta não é restringir esses consumidores, mas coragem institucional para enfrentar os verdadeiros passivos: a rede que não cresceu no tempo certo, as regras que ainda protegem a ineficiência e a ausência de políticas ousadas para armazenamento e flexibilidade.
O Brasil não pode desperdiçar a oportunidade de integrar suas renováveis. E muito menos pode aceitar que se desvie o foco para culpar quem, na prática, já está fazendo sua parte pela transição energética.
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Respostas de 3
Prezados, bom dia! A polêmica técnica para resolver o problema do Curtailment continua. Solução através da expansão das linhas de transmissão não é nada trivial, exige grandes investimentos e é preciso que o governo o faça já. O absurdo do corte da geração de fontes renováveis e a limitação da produção de pequenos sistemas solares, tipo residenciais, impedem a sua expansão e de investimento, contraria o que vem acontecendo no mundo com menos capacidade potencial de tais fontes. Mais uma vez, desculpem-me da redundância, a solução se encontra na armazenagem de energia via baterias. Em termos de qualidade atende amplamente as exigências técnicas, sobretudo para cargas sensíveis, como são as de cunho eminentemente eletrônicas.
Sempre o mesmo problema, quando dependemos da ação do Estado Brasileiro para organizar e estruturar algo, visando melhorias para a sociedade, acabamos esbarrando sempre na mesma incompetência que a anos assolam esse país. O absurdo ter energia de sobra e não ter estrutura preparada para levar a população uma fonte renovável e sabidamente com um menor custo para o cidadão e menor impacto ao meio ambiente. E nítida a irresponsabilidade do governo com temas importantes para o país e em vez de assumir sua incompetência, querem inverter a lógica e dizer que a solução está se tornando um problema…
Falta de planejamento e vício de sempre achar um bode expiatório. Lamentável partindo de uma especialista!