Desafios do armazenamento em termos de política tributária

Setor precisa de definições legais e/ou regulatórias para atrair mais investimentos
Desafios do armazenamento em termos de política tributária
Segunda edição do Energy Talks realizada no Rio de Janeiro (RJ). Imagem: Daniel Durão/Reprodução

Com colaboração de Marvin Menezes e Rafaela Rocha*

No dia 26 de abril de 2024 ocorreu a segunda edição do Energy Talks, evento promovido pelo TAGD Advogados com o objetivo de proporcionar debates sobre os temas mais atuais do setor elétrico. 

Dentre os painéis que discutiram problemas e desafios contemporâneos ao mercado de energia elétrica e de gás, um deles tratou especificamente da atividade de armazenamento de energia, com viés na análise dos desafios regulatórios e tributários, que figuram como um entrave ao desenvolvimento dessa nova fronteira ligada ao setor de energia.

Compuseram o painel o Dr. Ricardo Lavorato Tili, diretor da ANEEL, com mais de 25 anos de experiência no setor elétrico, que se debruçou sobre os desafios da regulação; e o Dr. Daniel Durão de Andrade, advogado e sócio fundador do TAGD Advogados, que tratou sobre os desafios no campo tributário.

Embora possa consistir em prática facilitadora da integração da geração por fontes renováveis ao nosso sistema elétrico, reduzindo os riscos que a sua intermitência traz consigo, a implantação de sistemas de armazenamento de energia ainda é incipiente no país. E uma das causas está justamente na ausência de definições legais e/ou regulatórias para essa atividade no que tange à integração ao sistema, o que dificulta a atração dos investimentos necessários.

Mesmo que já tenha sido externalizado o interesse de parte relevante de investidores em dar início a projetos de armazenamento de energia elétrica que se integrem à rede no país, a indefinição quanto às condições mínimas para a sua efetivação causa insegurança e acaba por repelir ou adiar – indeterminadamente – a esperada concretização.

Na opinião do diretor da ANEEL Ricardo Tili, essa indefinição, entretanto, não deve consistir em obstáculo para o desenvolvimento dos projetos. Segundo ele, a ANEEL não oferece e nem oferecerá resistência a iniciativas relacionadas aos sistemas de armazenamento de energia no Brasil, havendo, pelo contrário, todo o interesse e disposição para o desenho de soluções integradoras, especialmente no formato de projetos-piloto.

Ocorre que se o empreendedor pode contar até mesmo com a cooperação do Regulador para dar início aos investimentos direcionados a essa tecnologia, por outro lado, há óbices de cunho econômico-financeiro que podem se mostrar, ao menos por enquanto, ainda intransponíveis.

Daí que o propósito do presente artigo é consolidar as discussões ocorridas no evento especificamente quanto à parte tributária, notadamente sobre quais os desafios que serão enfrentados em termos de política tributária a fim de incentivar o uso de sistemas de armazenamento de energia no Brasil.

Diferentemente dos países cuja matriz energética atual demanda enormes esforços de descarbonização, justificando o uso mais intensivo de sistemas de armazenamento de energia, no caso brasileiro a utilização desses sistemas tem como maior impacto e contribuição garantir flexibilidade e segurança de suprimento de energia, especialmente diante da participação expressiva da geração de energia a partir de fontes como a solar e a eólica em nossa matriz, que tiveram crescimento substancial nos últimos anos.

O próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ressalta a elevada variabilidade e difícil previsibilidade dessas fontes de energia. A situação futura ensejará uma crescente necessidade de flexibilidade a fim de assegurar a igualdade entre geração e carga, evitando, inclusive, o desperdício de geração.

Nesse contexto, os sistemas de armazenamento poderão certamente desempenhar essa função, de modo que cabe não só à ANEEL, mas também aos decisores e legisladores de política tributária atentarem para essa questão.

Mais especificamente abordando os sistemas de armazenamento de energia (BESS – Battery Energy Storage System ou SAEB – Sistema de Armazenamento de Energia em Baterias), que funcionam como mediadores entre as fontes de energia intermitentes e as cargas variáveis, tem-se a possibilidade de estocar e disponibilizar a energia no local e no momento desejado; isto é a energia gerada em um momento pode ser usada em outro momento por meio do armazenamento. 

O BESS pode se incorporar a outras soluções que vão além da estrutura de geração interna e armazenamento energético, como o acoplamento com módulos alternativos de captação de energia, como as fotovoltaicas e as turbinas eólicas.

A Coordenação Geral de Tributação (COSIT) da Receita Federal já teve a oportunidade de avaliar a classificação fiscal do BESS de íon de lítio, assim, decidindo na Solução de Consulta nº 98.178, de 18.5.2020:

“Código NCM: 8507.60.00

Mercadoria: Sistema de armazenamento de energia elétrica em baterias de íon de lítio (BESS – Battery Energy Storage Systems), montado em container de 40 pés, constituído por equipamento conversor de energia, acumuladores elétricos (baterias), sistema de gerenciamento de baterias, sistema de gestão da energia e componentes adicionais para climatização, sensores e sistema de segurança.”

Ocorre que o BESS, hoje, comparado aos ativos de geração, notadamente solar e eólico, não possui tratamento fiscal similar, sendo muito mais onerosa do ponto de vista tributário a aquisição de ativos de armazenamento.

Exemplificativamente, destacamos que as alíquotas do Imposto de Importação – II e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI para o BESS são, respectivamente, 18% e 11,25%, ao passo que ativos de geração de energia solar e eólica não são tributados ou possuem reduzida tributação. Vale ainda lembrar que o Convênio CONFAZ ICMS nº 101/1997 isenta do ICMS as operações com equipamentos e componentes para o aproveitamento das energias solar e eólica, não englobando ativos de armazenamento.

Adicionalmente, não há clareza ainda sobre a aplicabilidade do benefício do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infra-Estrutura – REIDI a projetos específicos de armazenamento de energia, ainda que acoplados ou associados a projetos de geração de energia.

Estudos econômicos apontam, inclusive, que a carga tributária incidente sobre ativos de armazenamento comparado com ativos de geração pode ser de até 10 vezes superior, o que representa um desincentivo ao investimento.¹

Ainda, o ambiente de incerteza atual decorrente da aprovação da Emenda Constitucional nº 132, que promoveu a Reforma da Tributação sobre o consumo, introduzindo o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, em substituição do IPI, ISS, ICMS e PIS/COFINS, contribui para a postergação de decisões de investimentos, uma vez que projetos dessa natureza devem ser analisados a médio e longo prazo.

Ponto favorável é que a própria EC nº 132 especificou que a Lei Complementar disporá sobre a desoneração do IBS e da CBS da aquisição de bens de capital, mediante crédito integral e imediato, diferimento ou redução da alíquota em 100%.

Inclusive, o Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 enviado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo no dia 25.4.2024 mantém a sistemática do REIDI para o IBS e CBS, o que pode impulsionar os investimentos no armazenamento de energia, caso a esses projetos o benefício se aplique.

É, portanto, fundamental que não só a regulação avance quanto ao armazenamento de energia no Brasil, de maneira a possibilitar aos agentes que tenham maior previsibilidade quanto aos limites e possibilidades de atuação, bem como que a tributação seja equacionada a fim de que seja incentivado o investimento em ativos de armazenamento, de modo a contribuir para uma melhor eficiência do sistema elétrico brasileiro.

¹https://www.ecotx.com.br/a-necessidade-de-se-investir-em-armazenamento-de-energia-no-brasil/; https://www.absolar.org.br/absolar-e-sede-mg-debatem-desafios-e-oportunidades-dos-sistemas-de-armazenamento-de-energia-para-o-estado/ e https://cela.com.br/publicacoes/revolucionando-o-setor-eletrico-desbloqueando-o-potencial-transformador-dos-sistemas-de-armazenamento-de-energia/

*Marvin Menezes é sócio e Rafaela Rocha é coordenadora da área de Energia do TAGD Advogados

As opiniões e informações expressas são de exclusiva responsabilidade do autor e não obrigatoriamente representam a posição oficial do Canal Solar.

Imagem de Daniel Durão de Andrade
Daniel Durão de Andrade
Sócio e responsável pela área de Tributário do TAGD Advogados.

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