A abertura total do mercado livre de energia para todos os consumidores já tem data definida. Mas uma dúvida persiste no setor: as distribuidoras estarão estruturadas para absorver a migração de milhões de unidades consumidoras a partir de novembro de 2027?
Para Ricardo Brandão, diretor de regulação da ABRADEE (Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica), o prazo colocado na Lei 15.269/25 poderia ser maior, mas ele garante que as empresas de distribuição estarão preparadas para lidar com a abertura de mercado nos prazos definidos pela lei.
A entidade defende que a transição seja gradual, com o objetivo de reduzir impactos sobre os consumidores que permanecerão no ambiente regulado. Para a associação, a migração segura da baixa tensão depende da definição de regras claras para o tratamento dos contratos legados, um dos pontos sensíveis para o setor.
A mudança representa uma inflexão relevante no modelo de negócio das distribuidoras, que passarão a operar essencialmente como gestoras da infraestrutura de rede, incluindo a integração e o gerenciamento dos recursos energéticos distribuídos conectados ao sistema de distribuição.
“Isso exige uma revisão do modelo tarifário para garantir que a remuneração pelo serviço de fio seja suficiente e sustentável para cobrir os custos operacionais e os investimentos necessários para modernizar e expandir a rede, garantindo a qualidade e confiabilidade do fornecimento”, reforça Brandão.
Segundo Brandão, ao menos uma preocupação relevante foi endereçada com a aprovação da reforma do setor elétrico: o rateio dos custos de sobrecontratação de energia será custeado entre consumidores livres e regulados.
A visão, porém, não é unânime entre os agentes do mercado livre. Para Franklin Miguel, CEO da Electra Energia, há risco de concentração de mercado devido à atuação de grupos econômicos verticalizados, presentes tanto na distribuição quanto na comercialização. “O poder de mercado das distribuidoras é crítico para a instituição de um mercado de varejo”, afirma.
Segundo ele, a percepção do consumidor agrava o problema. Muitos não distinguem claramente as funções de distribuição e comercialização, o que pode induzir escolhas baseadas na associação direta entre a distribuidora local e a comercializadora do mesmo grupo econômico. “Tais condutas impedem o consumidor final de fazer a melhor escolha com base no produto e condições ofertados pelo mercado concorrente.”
Para garantir neutralidade e isonomia concorrencial, Miguel defende uma separação plena entre o negócio regulado e o varejo livre. Isso inclui proibir o uso de nome, marca e identidade visual compartilhados; impedir o uso comum de mão de obra, sistemas e infraestrutura; e vedar o acesso privilegiado a dados dos consumidores.
Outro ponto sensível da transição é a proteção ao pequeno consumidor em um ambiente de contratação livre, sobretudo em temas como transparência, comparação de ofertas e riscos contratuais. Para Miguel, experiências recentes mostram que o país tem capacidade de promover grandes transformações com comunicação adequada.
“Basta lembrar da abertura do mercado de telefonia, onde tivemos campanhas massivas para esclarecer a possibilidade de escolha da operadora. Tivemos da mesma forma campanhas para esclarecer e incentivar o uso do PIX. A adoção dos genéricos farmacêuticos também foi precedida de campanhas exitosas”, lembra o executivo.
A atratividade econômica da migração para a baixa tensão também está em debate. Durante anos, o discurso comercial se apoiou na economia média de 35% para consumidores que optam pelo mercado livre. Com o fim dos descontos para energia incentivada, essa conta tende a mudar.
Na avaliação de Guilherme Ávila, CEO da Tradener, o apelo financeiro vai depender do comportamento futuro da tarifa regulada, pressionada pela necessidade de manter a confiabilidade do sistema com a contratação de termelétricas.
“Talvez realmente não exista mais aquela economia enorme. Mas existem outros benefícios de estar no Mercado Livre além do preço: previsibilidade de custos, flexibilidade contratual, ausência de tarifa de ultrapassagem, formas diferenciadas de pagamento. Coisas que a tarifa regulada não oferece. No limite, imagine que não haja benefício de preço nenhum. Aí o consumidor vai escolher entre uma compra engessada da distribuidora ou um contrato flexível no Mercado Livre, pelo mesmo preço. Para muitos, isso já é vantagem”, afirma.
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