Um evento realizado nesta terça-feira (25), em São Paulo (SP), reuniu representantes da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída) e pesquisadores para discutir alguns dos temas mais sensíveis do setor elétrico.
Entre eles, a valoração dos custos e benefícios da MMGD (micro e minigeração distribuída), prevista na Lei 14.300/2022, em um momento de rápida expansão da modalidade no país.
O debate foi moderado pelo diretor da ANEEL, Gentil Nogueira, e contou com a participação de José Marangon, conselheiro consultivo da ABGD; Carlos Café, vice-presidente da ABGD; e Dorel Ramos, diretor-geral da MRTS Consultoria e Engenharia.
As discussões se concentraram em três eixos principais:
- Como medir, de forma justa, técnica e comunicável, os custos e benefícios da GD;
- O papel do armazenamento em baterias como solução para desafios operacionais da rede;
- A necessidade de sinais de preço mais sofisticados e previsíveis para orientar investidores, distribuidoras e consumidores.
Equilíbrio entre complexidade e simplicidade
Logo na abertura, Nogueira destacou que a valoração da GD será um dos maiores desafios de seu mandato na Agência. Ele lembrou que a Lei 14.300 exige que a ANEEL estabeleça critérios para mensurar custos e benefícios da modalidade, e que esse processo precisa chegar à Agência em um “nível de maturidade adequado” para que seja possível transformar estudos técnicos em regras aplicáveis.
Um ponto central da fala do diretor da ANEEL foi o equilíbrio entre profundidade técnica e simplicidade regulatória. Segundo ele, se a análise for excessivamente detalhada, com muitas variações por alimentador, região ou perfil de carga, o resultado pode ser impraticável do ponto de vista tarifário e incompreensível para a sociedade.
Por outro lado, simplificações exageradas também geram distorções e abrem espaço para questionamentos e judicialização. A grande questão, resumiu Gentil, é “qual nível de complexidade eu aceito como razoável para entregar algo economicamente viável, comunicável para a sociedade e com pouca margem para ser contestado”.
Valoração da GD segue atrasada
A regulamentação da valoração da GD, prevista originalmente para ser concluída pela ANEEL em até 18 meses após a publicação da Lei 14.300/2022, em 7 de janeiro de 2023, segue atrasada e se tornou um dos pontos mais sensíveis do debate regulatório.
O prazo legal não foi cumprido porque o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) demorou quase dois anos para publicar as diretrizes que orientaram a metodologia, empurrando o cronograma da Agência.
Agora, a ANEEL avalia alternativas para acelerar o processo, mas reconhece que se trata de uma tarefa complexa, que exige amplo debate técnico, múltiplas consultas públicas e cuidado redobrado para não gerar distorções tarifárias, especialmente em um cenário de quase quatro milhões de sistemas de GD já conectados à rede.

Evento discutiu temas sensíveis do setor elétrico nacional. Foto: Canal Solar
Efeito da penetração da GD na rede
Marangon, por sua vez, apresentou durante o evento um estudo realizado pela ABGD, feito com base de dados da ANEEL ao longo de cerca de dez anos, que reúne informações detalhadas de dezenas de milhares de alimentadores e milhões de trechos de rede em baixa e média tensão.
A partir dessa base, ele explica que a equipe técnica do estudo selecionou alimentadores típicos, representativos de uma fatia relevante do sistema de distribuição, e simulou diferentes níveis de penetração de GD.
Marangon propôs uma classificação operacional em baixa, média e alta penetração, destacando que:
- Em baixa penetração, a GD tende a beneficiar a rede, reduzindo perdas e aliviando carregamentos;
- Em média penetração, os benefícios líquidos começam a diminuir;
- Na alta penetração, surgem restrições e problemas operacionais que exigem ações adicionais (reforços de rede, soluções de controle de tensão, armazenamento, entre outros).
O profissional ainda criticou leituras que apresentam apenas o “pior caso”, enfatizando que a maioria das redes ainda não está em situação crítica e que é preciso olhar o quadro estatístico completo, e não só casos extremos.
Armazenamento e agregador de carga
Um dos pontos de convergência do painel foi a visão de que o armazenamento em baterias (BESS) pode ser peça central para viabilizar altos níveis de penetração de GD sem comprometer a qualidade do fornecimento.
Dorel Ramos destacou que baterias podem mitigar problemas de fluxo reverso e sobretensão; reduzir perdas em determinados horários; e também permitir que a energia gerada em momentos de excesso seja deslocada para horários de maior demanda.
Ele lembrou que, em um primeiro momento, as próprias distribuidoras podem usar o armazenamento como alternativa de expansão da rede, incorporando baterias à base de remuneração regulatória, desde que os investimentos sejam reconhecidos como “prudentes” pela ANEEL.
Outro ponto relevante foi a figura do agregador de carga – uma espécie de “mini-operador” que reúne pequenos consumidores, geradores e recursos distribuídos (incluindo baterias e microrredes) para fornecer resposta da demanda e serviços ancilares.
Segundo Ramos, essa figura já é consolidada em mercados internacionais e poderia ser decisiva no Brasil para integrar pequenos agentes à operação do sistema, tanto em nível de distribuição quanto de transmissão.
Planejamento, transmissão e risco de investimentos ociosos
O debate também focou no planejamento de longo prazo da transmissão e da expansão dos sistemas de geração própria de energia. Marangon chamou atenção para o risco de o país investir pesadamente em transmissão sem incorporar adequadamente o efeito da GD no planejamento, o que poderia levar a ativos subutilizados no futuro se a modalidade e o armazenamento avançarem mais rápido do que o previsto.
Na outra ponta, Sumara Ticom, diretoria de Planejamento do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), lembrou que o problema atual do sistema é de potência, sobretudo noturna, e que a transmissão continua sendo essencial para garantir segurança de suprimento, especialmente para trazer energia do Nordeste para o Sudeste à noite, quando a solar não está disponível.
Entre os participantes do evento, houve consenso que a GD, o armazenamento e a transmissão não são excludentes, mas exigem planejamento integrado para evitar tanto gasto desnecessário quanto risco de insuficiência de potência.
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