O viés do otimismo — tendência sistemática de superestimar a probabilidade de eventos positivos e subestimar riscos e custos futuros — é uma das distorções cognitivas mais persistentes no processo decisório humano. No setor elétrico, seu efeito é amplificado pela natureza de longo prazo dos investimentos e pela elevada complexidade técnica das decisões, que envolvem variáveis interdependentes e altamente incertas, como hidrologia, evolução tecnológica e dinâmica de preços de combustíveis.
A literatura de economia comportamental (Kahneman, Tversky, Sunstein) demonstra que o otimismo não é mero desvio individual, mas uma predisposição psicológica enraizada, reforçada por pressões sociais e institucionais.
No ambiente regulatório, essa predisposição pode gerar consequências sistêmicas: planos de expansão que ignoram contingências críticas; modelagens tarifárias baseadas em séries históricas excessivamente benevolentes; ou políticas de incentivo fundadas na crença de que a curva de aprendizado tecnológico compensará rapidamente os custos e riscos presentes.
Tomemos, por exemplo, a recorrente expectativa de quedas estruturais nos custos de tecnologias emergentes, como armazenamento em larga escala. Embora evidências empíricas confirmem a existência de curvas de aprendizado, a confiança desmedida nessas reduções leva, muitas vezes, a decisões que postergam investimentos robustos ou criam dependência crônica de subsídios transitórios — que, na prática, tendem a se perpetuar por pressões políticas e setoriais.
Na precificação tarifária, o otimismo regulatório pode assumir a forma de projeções hidrológicas ancoradas em períodos atipicamente favoráveis, resultando em tarifas artificialmente reduzidas no curto prazo. Quando a realidade do sistema expõe a variabilidade climática e a insuficiência de reservas, o ajuste se materializa em choques tarifários abruptos, desestabilizando consumidores e investidores.
Sob a ótica da Análise Econômica do Direito, esse comportamento cria externalidades intertemporais negativas: benefícios concentrados no presente e custos socializados no futuro, corroendo a previsibilidade — ativo central para a atração de capital no setor elétrico.
O papel ideal do regulador, nesse contexto, não se limita a corrigir falhas de mercado. Ele deve também atuar como contrapeso às falhas cognitivas e institucionais, incorporando mecanismos de precificação de risco, testes de estresse regulatórios e exigência de cenários conservadores como linha de base para a tomada de decisão.
Contudo, a teoria regulatória contemporânea reconhece que reguladores não operam no vácuo: estão sujeitos a incentivos políticos, à pressão da opinião pública e, em muitos casos, à chamada captura cognitiva, na qual passam a adotar, de forma quase imperceptível, as mesmas premissas e expectativas otimistas dos agentes regulados.
Esse fenômeno é agravado por um ambiente em que a prudência é frequentemente interpretada como “excesso de cautela” ou “falta de visão”. Metas ambiciosas de descarbonização ou anúncios de tarifas reduzidas geram retornos reputacionais imediatos para autoridades e formuladores de políticas, mesmo quando carecem de lastro técnico-financeiro sólido.
O resultado é um ciclo de decisões desequilibradas: investidores alocam capital com base em projeções de alta rentabilidade, governos assumem compromissos de expansão acelerada, e o sistema, inevitavelmente, enfrenta custos imprevistos e riscos de suprimento no médio e longo prazo.
A superação dessa armadilha exige reformas institucionais que favoreçam a racionalidade intertemporal. Isso inclui:
- Revisões regulatórias periódicas ancoradas em dados observados, e não apenas em projeções;
- Transparência na comunicação de riscos, tornando explícitas as margens de incerteza;
- Estruturas de incentivo que recompensem decisões prudentes, inclusive em detrimento de metas de curto prazo;
- Mecanismos de hedge regulatório, que internalizem, nos contratos e tarifas, o custo esperado de eventos adversos plausíveis.
Enquanto persistirem crenças não fundamentadas de que a tecnologia resolverá, de forma espontânea e no prazo desejado, gargalos estruturais como a intermitência das renováveis ou a expansão da transmissão, o setor elétrico continuará exposto a decisões que não resistem ao teste do tempo. A questão, portanto, não é apenas técnica, mas profundamente institucional e comportamental.
Estamos preparados para aceitar decisões regulatórias menos populares, mas mais robustas? Como criar um desenho institucional que preserve espaço para a inovação, sem sucumbir à ilusão de controle?
E, sobretudo, estaremos dispostos a internalizar, desde já, o custo político de dizer que o futuro pode ser menos brilhante do que gostaríamos?
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