A aprovação da Medida Provisória 1.304/2025 na última quinta-feira (30) representou um marco para o setor de armazenamento de energia no Brasil. O texto final, relatado pelo senador Eduardo Braga, trouxe dispositivos que ampliam a inserção das baterias na matriz elétrica, reconhecendo sua relevância para a segurança, a flexibilidade e a eficiência do sistema.
Para Fábio Lima, diretor-executivo da ABSAE (Associação Brasileira de Armazenamento e Serviços em Energia), o resultado das discussões no Congresso é “uma vitória para o setor”, mesmo com pontos que ainda dependem de regulamentação e aperfeiçoamento.
Em entrevista ao Canal Solar, o executivo destacou a inclusão dos sistemas de armazenamento no REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura), a criação de uma subclasse com renúncia fiscal de até R$ 1 bilhão por exercício e o reconhecimento da aplicação transversal das baterias, desde a geração até o consumo.
Segundo ele, embora a MP ainda exija análise detalhada e normas complementares, a sinalização do Legislativo representa um avanço decisivo rumo à consolidação do armazenamento como peça-chave da transição energética e da modernização da rede elétrica brasileira.

Fábio, na visão da ABSAE, qual a avaliação sobre o texto final da Medida Provisória 1.304, especialmente no que diz respeito ao armazenamento de energia?
O relator, senador Eduardo Braga, demonstrou ter compreendido que o armazenamento tem um papel fundamental para os desafios do setor elétrico hoje, em suas diversas aplicações – desde o consumidor até a geração em grande escala. De forma geral, consideramos bastante positiva essa sinalização sobre a importância do armazenamento.
O texto é extenso e há vários pontos interconectados, então ainda estamos aprofundando com os nossos associados uma análise detalhada, ponto a ponto, sobre os dispositivos com os quais concordamos ou não.
Analisando o texto final, há dois pontos que chamam atenção. O primeiro é o REIDI. O formato definido ficou adequado? E o tema do conteúdo local, que estava em discussão, acabou sendo retirado?
A ABSAE sempre defendeu a inclusão dos sistemas de armazenamento no REIDI, em suas diversas formas. Já há caminhos para que algumas aplicações participem do programa como ele existe hoje. O REIDI é uma suspensão, com efeito de alíquota zero do PIS e da COFINS, aplicável tanto à nacionalização quanto à importação de equipamentos a partir de projetos.
Entendemos que o REIDI, a priori, não tem relação direta com conteúdo nacional. A lógica atual do programa está ligada à importância do projeto como infraestrutura estratégica para o país. A ABSAE é agnóstica em relação a políticas de importação, incentivos ou desincentivos à nacionalização, até o momento, não trabalhamos com essa pauta.
Mas era importante que não houvesse essa exigência de conteúdo local neste momento, para evitar sobrecustos?
Temos associados com diferentes níveis de fabricação nacional de sistemas de armazenamento e outros que trabalham com importação. Então não atuamos diretamente nessa questão, o mercado já apresenta soluções em diferentes estágios de produção.
Outro ponto é o benefício de R$ 1 bilhão por exercício dentro do REIDI, como um sublimite. Como isso vai funcionar?
O REIDI é um benefício fiscal que precisa ter previsão orçamentária. A solução encontrada foi criar, no PLV, uma subclasse dentro do REIDI específica para sistemas de armazenamento.
Essa subclasse terá uma renúncia fiscal acompanhada pelo Ministério de Minas e Energia, limitada a R$ 1 bilhão por exercício entre 2026 e 2030. Esse valor, porém, só será efetivado se estiver previsto na Lei Orçamentária Anual. Ou seja, o Congresso definirá o montante exato, até o limite de R$ 1 bilhão, na discussão do orçamento.
A aplicação começa 90 dias após a publicação da lei?
O artigo 24 define as regras de produção de efeitos. De modo geral, a vigência é imediata na data da publicação, salvo exceções especificadas. O artigo que trata do REIDI entra em vigor a partir da publicação da lei, mas depende de regulamentação. O Poder Executivo ainda precisa disciplinar esse dispositivo e assegurar a previsão orçamentária.
Caso essa regulamentação não saia até o leilão de baterias, os agentes poderiam se beneficiar do REIDI?
Não há relação direta com o leilão. A ABSAE entende que a legislação vigente já permitiria aplicar o REIDI a projetos de armazenamento, desde que haja ajustes na regulamentação das portarias em vigor.
De toda forma, acreditamos que essa regulamentação deve sair antes da realização do leilão e antes da efetiva aquisição dos equipamentos pelos empreendedores vencedores.
Ou seja, os agentes poderiam participar do leilão e, depois, solicitar o benefício quando sair a regulamentação?
Sim. Ainda é conjectura em relação ao cronograma, mas é possível realizar o leilão independentemente desse dispositivo.
Durante as negociações da MP, houve algum ponto que a ABSAE defende e acabou ficando de fora?
A ABSAE acompanhou ativamente os debates sobre esse marco do armazenamento. Ainda que não seja um marco legal no sentido estrito, há avanços importantes. Dois pontos, porém, merecem destaque.
O primeiro é a figura do agregador de recursos energéticos distribuídos, que seria um avanço relevante. Entendemos que o próximo passo do armazenamento é junto ao consumidor, prestando serviços ao sistema, inclusive por meio de agregadores, o que permitiria maior controle e despachabilidade.
O segundo ponto é a definição de parâmetros específicos para as tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição (TUST/TUSD). A competência ficou com a ANEEL, e confiamos na aplicação adequada, mas seria importante que a legislação já trouxesse diretrizes mais claras, considerando os benefícios que o armazenamento traz à rede.
Como funcionaria esse agregador?
O agregador de recursos energéticos distribuídos é uma figura que já existe em diversos mercados. Ele atua como intermediário entre os recursos, normalmente instalados em unidades consumidoras, e o operador do sistema.
Isso permite, por exemplo, que vários sistemas de baterias de pequeno porte atuem de forma conjunta, como uma “usina virtual”, oferecendo serviços de resposta da demanda, flexibilidade ou serviços ancilares ao sistema elétrico.
A MP também trata da forma como o armazenamento será utilizado, se junto ao gerador, na transmissão, ou no consumo?
Sim. A MP reconhece a transversalidade do armazenamento. Ele pode ser aplicado na transmissão, na distribuição, na geração, no consumo e até na comercialização.
Há duas formas principais de aplicação: contratação centralizada em leilões – seja na transmissão, seja na geração, como reserva de capacidade; ou operação pelo próprio empreendedor ou consumidor, que pode usar o armazenamento para controle, flexibilidade, despachabilidade, redução de cortes de geração e participação em mecanismos competitivos.
As distribuidoras também podem utilizar sistemas de armazenamento dentro de suas concessões quando o investimento for adequado à necessidade local.
Desde as primeiras versões da MP, essa visão transversal foi mantida, e o ponto mais relevante é justamente o reconhecimento legal dessa característica. O armazenamento é um ativo múltiplo, que presta diversos serviços ao sistema elétrico: está presente na reserva de capacidade, na transmissão, na distribuição e na gestão do consumo. É uma ferramenta essencial para a flexibilidade e a modernização do sistema diante da expansão das fontes distribuídas.
Podemos dizer que foi uma vitória para o setor?
Sim, é uma vitória. A legislação é extensa e complexa, ainda demanda análise detalhada, mas o reconhecimento da importância do armazenamento é, sem dúvida, um avanço significativo para o setor elétrico.
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