O Brasil ainda é um mercado em desenvolvimento no que se refere à geração de energia a partir de painéis solares, apesar de já produzir 23,2% (59.002MW)¹ da matriz energética total do país, que contabiliza 253.990MW¹.
Desde 2018, esse mercado cresce de forma muito rápida, a uma taxa média de 85% ao ano nos primeiros 5 anos (2018 a 2022) e 73% ao ano considerando todo o período até 2024, mostrando, entretanto, uma desaceleração nos últimos 2 anos.
Nesse período, os picos mais acentuados de crescimento ocorreram de 2018 a 2020, com máxima de 260% em 2019 para a GD (geração distribuída).
Essa taxa elevada de crescimento movimenta um mercado totalmente novo e atrai investimentos e mão de obra de vários outros setores, e, talvez devido à evolução muito rápida, grande parte dos projetos e instalações pecaram e ainda pecam em um aspecto essencial para sistemas elétricos: a segurança.
Está claro que o ritmo de crescimento acelerado dos últimos anos não privilegiou atenção às questões básicas associadas à segurança, principalmente em se tratando de sistemas de corrente contínua, grande desconhecido do público em geral. O foco estava no potencial econômico de um mercado praticamente virgem no Brasil.
Esse enorme potencial de crescimento e o apelo quase que irresistível da geração de energia elétrica a partir do sol, com a promessa de expressiva redução do custo da energia e a uma certa independência das concessionárias, levou muitos profissionais advindos de áreas diversas a se aventurarem de forma massiva nesse novo mercado.
Hoje, apesar da insegurança das usinas, é relativamente corriqueiro entre os melhores profissionais do setor, mas não entre os usuários, o fato de que sistemas fotovoltaicos possuem vários riscos e que, principalmente, podem produzir arcos elétricos vigorosos e mais difíceis de extinguir do que os arcos elétricos em corrente alternada.
Mas por que ainda continuam a projetar e construir usinas solares inseguras e que não podem ser desligadas?
Quando falamos de arco elétrico estamos falando de plasma, que pode atingir temperaturas extremamente altas, entre 3.000°C e 20.000°C, a depender da intensidade da corrente circulante e dos níveis de tensão elétrica.
Só para efeitos de comparação, a temperatura na superfície do Sol atinge 5.500°C². O que se pode afirmar com certeza é que o poder destrutivo do arco elétrico é real e pode vaporizar metais em questão de milissegundos.
Apesar do conhecimento sobre os riscos das instalações fotovoltaicas entre os bons profissionais do mercado, muitos não sabem que o arco elétrico não pode ser interrompido com o uso de água (piora a situação) ou extintores de incêndio e que a única forma de extinguir o arco é interrompendo o circuito, cessando então a corrente elétrica que o alimenta.
Esse detalhe crucial não é do conhecimento geral do público consumidor, e talvez esse desconhecimento seja o ponto de maior risco, quando associado ao fato de que não é possível desligar ou reduzir a tensão gerada de uma grande parte das inúmeras plantas instaladas nos últimos anos³, porque foram concebidas sem um sistema de desligamento.
Exagerando para alertar, é como pilotar uma super moto sem capacete ou macacão especial, pilotar um caça sem paraquedas ou dirigir um carro de fórmula 1 sem cinto de segurança ou mais simplesmente, fazer uma instalação elétrica CA sem usar disjuntores.
Esses exemplos, deixam claro que: ao não usar o mínimo de equipamentos de segurança, quem instala uma usina solar está se submetendo a um grande risco e ainda colocando em risco os profissionais que farão a manutenção, operação e eventualmente até os bombeiros em caso de uma emergência.
A inocência é a mãe de todas as virtudes, mas a ignorância e a imprudência podem ser as causas de um acidente com graves consequências. A velha máxima “depois da onça morta todo mundo é caçador” infelizmente vale para esse caso também.
Temos o mau hábito de só buscar as melhores soluções depois que o problema acontece e sempre tem alguém para dizer que conhecia a solução, mas nada fez antes. Infelizmente, nesse caso o custo pode ser altíssimo e pode inclusive superar a perda de 100% do investimento, pois além da usina, pode haver perda parcial ou total do imóvel onde o sistema foi instalado, devido à inexistência de sistemas de contenção do arco elétrico, e o pior: pode causar mortes.
E lembrando, apesar de hoje o AFCI (Arc fault circuit interrupter ou Interruptor de circuito por falha de arco) ser item obrigatório nos inversores, não é a solução para todos as situações, ele atua como um dispositivo auxiliar para detecção e interrupção de arcos em série somente.
Sua função é detectar o arco e mandar um comando para o Inversor desligar a carga, mas esse dispositivo não consegue desligar a alta tensão nos painéis, ou seja, todo o circuito permanece energizado até a entrada do Inversor.
A corrente que a carga drena dos painéis é interrompida e isso é muito bom, mas não é suficiente nos casos em que há uma falha de isolação antes do Inversor e nem mesmo quando o arco é paralelo ou em relação à terra.
Nesses casos continuará a haver corrente no circuito dos painéis e o arco elétrico persistirá, não havendo nada que o AFCI possa fazer.
Para arcos à terra é necessária outra solução: o GFCI, também previsto na ABNT 17193. Para arcos em paralelo, nem o AFCI e nem o GFCI são aplicáveis. Somente os RSDs, sigla de Rapid Shutdown, ou sistemas de desligamento rápido, podem reduzir as tensões e eliminar o arco em todas as suas ocorrências e modos de falha.
A falha no sistema solar pode ser só o estopim de uma situação ainda mais grave, a depender das condições de segurança de onde vier a acontecer, como no caso extremo da Boate Kiss em Janeiro de 2013, quando uma sequência de falhas e circunstâncias potencializaram um incêndio iniciado por um simples sinalizador, gerando a enorme tragédia que muitos ainda lamentam.
Tragédia que poderia ter sido evitada se houvesse um sistema de prevenção adequado e um plano de emergência eficiente.
O caso da boate Kiss é um exemplo trágico de como a negligência pode ser fatal. E no mercado solar observamos um paralelo perigoso, pois não houve um movimento proporcional ao crescimento do setor no sentido de reduzir os conhecidos riscos associados às altas tensões elétricas geradas nas usinas (que podem atingir mais de 1.000 volts) e ao grande risco do arco elétrico durante a operação e manutenção dos sistemas.
Diante desse cenário, não há dúvidas em afirmar que continuamos a negligenciar perigosamente esse terrível risco. Isso para nos restringirmos aos riscos elétricos, sem falar em outros aspectos da segurança.
Uma prova desse descompasso entre a abertura do mercado e a regulamentação está no fato de que a primeira norma específica para o setor, a ABNT 16690, começou a ser elaborada em 2014, entrou em consulta nacional em 2019 e somente foi publicada em 27 de março de 2020, quando o mercado de geração distribuída já havia crescido mais de 600%.
A ABNT NBR 16690, baseada na IEC 62548-1, trata dos requisitos para projeto, instalação e operação de sistemas fotovoltaicos conectados à rede elétrica, incluindo aspectos de proteção e teria sido muito bem vinda e talvez mitigado mais riscos se tivesse sido publicada bem antes.
O que agrava esse entendimento de despreocupação com a segurança é que bem antes da publicação da NBR 16690, já existiam regulamentações obrigatórias e normas técnicas brasileiras que tratavam de segurança em instalações elétricas, como a NR10 do Ministério do Trabalho e a NBR 5410 da ABNT que falam explicitamente da necessidade de desenergização, ou redução das tensões para níveis seguros, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Além das normas nacionais, já existiam soluções de prevenção na Europa, Ásia e, especificamente nos Estados Unidos, desde 1984, o artigo 690 da NEC – National Eletctrical Code (Código nacional de eletricidade) estabeleceu os primeiros requisitos de segurança para instalações fotovoltaicas.
A NEC é uma norma americana equivalente a nossa NBR 5410, no sentido de ser a principal referência para instalações elétricas seguras e é revisada a cada três anos.
Em 2011, bem antes da explosão do mercado solar no Brasil, foi incluída no artigo 690.12 a obrigatoriedade do sistema de desligamento rápido, e nos anos seguintes, 2014, 2017, 2020 e 2023 foram adicionadas e ampliadas especificações e requisitos desse sistema, tais como a definição de limites de tensão e tempo para desligamento.
Em 2020 foi incluída a especificação para desligamento de módulos, reduzindo drasticamente as tensões no arranjo e minimizando o risco de choque elétrico para as equipes de bombeiros e manutenção.
Afinal, se não é possível desligar totalmente as usinas durante o dia, é obrigatório reduzir as tensões para níveis seguros como explicitamente determina a NR 10.
Então, se já havia regulamentação desde o início do mercado, o que faltava para as instalações no Brasil serem mais seguras e permitirem o controle do arco e a prevenção de choques? Será que faltava tecnologia para implementar o que as normas já pediam?
A resposta é não, não faltava. Fora do Brasil essas soluções de segurança como o Rapid Shutdown já são fabricadas desde 2014, assim como os inversores e painéis solares.
O fato inconteste no caso das usinas solares é que, seja por conveniência, desconhecimento ou negligência, importamos para o Brasil apenas o suficiente para gerar energia a partir do sol, nada mais.
O mercado ignorou e ignora totalmente os riscos e segue esperando que as tragédias aconteçam para talvez mudarem de ideia como nos mostra a história no caso da Boate Kiss, das Barragens de Mariana e Brumadinho, todas estas tragédias precedidas por inúmeros alertas.
Não há dados públicos oficiais consolidados a respeito dos incidentes e acidentes, mas os profissionais, distribuidores, revendedores e especialistas no assunto convivem com vários relatos de incêndios com grande perda material e até mortes. É possível entender, por motivos óbvios, que não é do interesse do mercado trazer publicidade para a realidade dos riscos.
São mais de três milhões de usinas em operação na Geração Distribuída, operando com tensões elevadas e continuamente sujeitas a falhas. Mas a solução para tornar o sistema totalmente seguro existe e a decisão de aplicá-la cabe ao mercado, profissionais, distribuidores e usuários.
Os Bombeiros são os principais interessados na segurança porque conhecem os riscos, além dos usuários, mas estes, em sua maioria, ignoram o que têm sobre o seu telhado.
Responsáveis por atender às emergências, que com o crescimento do mercado inevitavelmente aumentaram, os bombeiros tomaram a inciativa de criar regulamentos para as instalações fotovoltaicas, buscando soluções que venham a permitir a redução do choque elétrico e do arco elétrico.
Assim, existem regulamentações emitidas em Minas Gerais, IT 30 de 2022, Mato Grosso, NTCB 49 de 2022, Goiás, NT 20 de 2022, Brasília NT 48 de 2024, além do Rio Grande do Sul que publicou uma minuta para consulta pública em Abril de 2024 e São Paulo que publicou um parecer técnico de número CCB-003/800/24 em junho de 2024.
O fato novo é que em 04 de Fevereiro de 2025 o assunto segurança passou a chamar mais a atenção do mercado após a publicação da norma técnica ABNT NBR 17193 que foca na segurança das instalações fotovoltaicas em edificações (incêndio e choque elétrico) e que trouxe finalmente a obrigatoriedade do uso de medidas para desligar as usinas como o Rapid Shutdown (RSD) ou Desligamento Rápido e o AFCI, este último já tornado obrigatório pelo INMETRO desde 2024.
Com o RSD é possível interromper o arco elétrico de forma segura impedindo o avanço de qualquer foco de incêndio. Este é um dispositivo indispensável nas instalações solares e não deveríamos ter construído tantas usinas sem essa medida de segurança.
Com o RSD também é possível reduzir as tensões no arranjo fotovoltaico para permitir a limpeza dos painéis ou manutenção do sistema com segurança.
Falta agora a próxima etapa: Conscientização e aplicação imediata em todos os novos projetos das medidas de segurança estabelecidas na ABNT NBR 17193, que vão além do RSD e do AFCI.
Essa etapa vai depender em muito da cobrança de órgãos de fiscalização que aprovam as novas usinas. A responsabilidade técnica também é um fator que pode contribuir para o aumento da adoção da nova norma, uma vez que em caso de acidentes causados por falta de medidas de segurança previstas em norma técnica, pode haver responsabilização civil e criminal do responsável pelo projeto.
Essa mesma responsabilidade se estende também ao imenso desafio de tornar seguras todas as usinas já instaladas nos últimos 7 anos de mercado. Afinal, à medida que as instalações envelhecem, os riscos de perda de isolação e a ocorrência de arco elétrico só aumentam.
Ainda há tempo de reverter esse enorme risco já presente em mais de 3 milhões de usinas de Geração Distribuída no Brasil. Com a nova norma ABNT 17193, temos a oportunidade de iniciar um tempo de maior segurança, e esperamos que todos — fabricantes, distribuidores e profissionais do setor — se engajem no esclarecimento e na conscientização do público em geral.
Sem segurança pode não haver economia, pode não haver retorno do investimento e infelizmente, o projeto de independência energética pode terminar em um incêndio incontrolável.
Em um próximo artigo que será publicado em breve, vamos abordar as diferentes tecnologias de RSD existentes, suas vantagens e desvantagens e como fazer a melhor escolha para aumentar a segurança das usinas solares.
¹ Dados ABSOLAR de Julho de 2025
² No núcleo do Solar as temperaturas são inimagináveis, podendo chegar a 15,7milhões de graus Celsius.
³ Dados ABSOLAR de Julho de 2025 – 3.696.824 usinas de GD em operação no Brasil.
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Uma resposta
A geração de energia elétrica através da energia solar tem tem outra situação grave, quando essa éconversão for de forma otimizada ok, o problema é que o mundo todo tá criando outros espaços de forma desenfreada e sem critério de uso desse espaço, e todo mundo também em especial os meios de comunicação afirmando e reafirmando que e só a pecuária é a agricultura que causando desmatamento, e afirman e reafirman que a energia solar é limpa.