A AIR 0004/2018 (Análise de Impacto Regulatório) está em Audiência Pública desde o início do ano e trata da revisão das regras das micro e mini geração distribuídas.
Este processo pode impactar de forma negativa o payback dos sistemas fotovoltaicos instalados na rede de distribuição. Mas você sabe exatamente o que pode mudar?
As mudanças na REN 482 (Resolução Normativa n.º 482/2012) propostas pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) impactam o sistema de compensação de energia elétrica, aplicado às UCs (unidades consumidoras) que possuem um sistema de micro ou mini geração distribuída.
No modelo atual, a energia injetada na rede é compensada em todas as componentes da tarifa. Ou seja, a compensação ocorre em 100%, 1 kWh injetado na rede de distribuição compensa 1 kWh consumido pela unidade consumidora.
A AIR 0004/2018 propõe alternativas a este modelo, nos quais a compensação da energia injetada pode chegar a uma proporção em que somente 37% da energia injetada poderá ser compensada.
Vale ressaltar que as propostas de alteração se aplicam somente à parcela de energia injetada na rede (excedente da energia gerada, não consumida pela unidade consumidora no momento da geração). A energia gerada e consumida instantaneamente na unidade consumidora não sofre nenhuma alteração.
Para entender as alterações e seus impactos, é necessário que façamos uma breve revisão de como funciona o sistema de tarifação. Cada kWh consumido da rede é valorado de duas formas: TE (tarifa de energia) e TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição).
A TE corresponde a parte paga pelo produto propriamente dito, a energia. A TUSD, por sua vez, corresponde aos valores que pagamos pelo transporte de energia desde as fontes geradoras até a unidade consumidora.
Os valores pagos na TUSD são utilizados para custear a manutenção e operação das redes de transmissão e distribuição, além de remunerar as empresas que tem a concessão destas redes.
A TE e a TUSD são subdivididas em partes, como mostrado na figura abaixo. Os números mostrados na figura representam os percentuais médios nacionais do peso de cada parcela no preço final da tarifa.
A proposta da AIR 0004/2018 foi dividida em seis alternativas, cada uma excluindo a compensação de uma componente tarifária. A Alternativa 0 por exemplo, corresponde ao modelo adotado atualmente, onde a energia injetada é compensada em todas as componentes.
Já a Alternativa 1, consiste em excluir a componente TUSD – Fio B da compensação. Deste modo, como a componente da TUSD – Fio B corresponde a cerca de 28% da tarifa de energia, excluindo-a da compensação, somente 72% da energia injetada na rede seria compensada.
Ou seja, se uma micro ou mini geração tivesse injetado 100 kWh na rede em um determinado mês, teria direito de compensar somente 72 kWh da energia consumida da rede.
Já a Alternativa 2, exclui as componentes TUSD – Fio B e TUSD – Fio A da compensação. Deste modo, como a componente da TUSD – Fio B corresponde a cerca de 28% da tarifa de energia e TUSD – Fio A corresponde a cerca de 6%, excluindo-as da compensação, somente 66% da energia injetada na rede seria compensada.
Ou seja, se uma micro ou mini geração tivesse injetado 100 kWh na rede em um determinado mês, teria direito de compensar somente 66 kWh da energia consumida da rede. A tabela abaixo resume cada uma das alternativas.
Como exemplo, utilizemos um caso prático de uma unidade consumidora que tem uma tarifa de R$ 0,50 cada kWh e que possui uma microgeração fotovoltaica. Desta forma, cada parcela da tarifa é mostrada abaixo.
Em um dado mês essa unidade consumidora consumiu 3.840 kWh e injetou 3.080 kWh.
Os impostos e despesas com taxa de iluminação serão desprezados para simplificar a análise (no próximo artigo faremos uma análise mais detalhada, que irá incluir tudo).
A ANEEL já sinalizou em seu webinar realizado em janeiro deste ano e também em outras ocasiões, uma tendência de alteração da compensação de energia diferente para os geradores junto à carga e os geradores remotos (que geram energia para ser compensada em outras localidades), sendo que nos dois casos a alteração ocorreria de forma gradual, de acordo com os chamados gatilhos.
Para a geração junto à carga, o modelo permaneceria na Alternativa 0 (modelo atual) até que a potência instalada de micro e mini geradores atinja o gatilho de 3,4 GW. Ao atingir esse patamar, valeria a Alternativa 1 como regra de compensação.
Para a geração remota, o modelo permaneceria na Alternativa 0 até o gatilho de 1,25 GW de potência instalada. Segundo as previsões da agência, esse patamar seria alcançado em 2022, e neste caso o sistema de compensação seria o da Alternativa 1, permanecendo nesse modelo até que um segundo gatilho, nesse caso de 2,13 GW de potência fosse atingido.
Segundo a agência, a previsão é de que este segundo gatilho ocorra em meados de 2024, e valerá o modelo proposto na Alternativa 3.
Com relação aos micro e mini geradores já instalados, a ANEEL sinalizou as seguintes propostas:
- Geradores conectados à rede antes da publicação das novas regras que deve ocorrer no final deste ano de 2019, permanecerão na Alternativa 0 por 25 anos contados a partir da data de ativação;
- Geradores conectados à rede depois da publicação das novas regras, mas antes dos gatilhos de potência mencionados acima, permanecerão na Alternativa 0 por 10 anos contados a partir da data de ativação;
- Geradores conectados à rede após os gatilhos já entram nas regras novas.
Vale ressaltar que nada está decidido ainda, e a Audiência Pública da ANEEL estará recebendo as contribuições até o dia 19 de abril deste ano, há tempo para se organizar e construir os argumentos em prol do setor.