A proposta de cronograma original, que antes previa a universalização para 2027, agora projeta que todos os consumidores poderão escolher seu fornecedor até 2028, conforme aprovado pelo Congresso Nacional na MP 1.304, sancionada pelo Governo Federal.
Esse marco, segundo a ABRACEEL (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia) representa a consolidação de três décadas de desenvolvimento do ACL (Ambiente de Contratação Livre), devendo ampliar a concorrência, a diversidade de produtos e o potencial de redução de custos ao consumidor.
Mas, enquanto o avanço institucional é celebrado, a segurança do mercado permanece como um ponto sensível. O recente pedido de recuperação judicial da comercializadora Gold Energia, um ano após o início de sua crise financeira, embora evento pontual gera impactos e chama a atenção, mais uma vez, para fragilidades estruturais.
Relatos de especialistas mencionam passivos significativos provocados pela exposição da empresa, evidenciando que o atual arcabouço ainda não impede que falhas individuais afetem o conjunto do mercado.
A própria CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) reconhece que, embora tenha havido avanços com o monitoramento prudencial, persistem desafios relevantes para a abertura do varejo, sobretudo diante da entrada futura de milhões de novos consumidores.
Maior rigor no acompanhamento do mercado
É nesse contexto que a Aneel abriu, em novembro, a Consulta Pública 39, com prazo de contribuições até 22 de dezembro, voltada ao aprimoramento das regras de monitoramento após o chamado “período sombra”, quando foram testados os procedimentos de avaliação de risco, exposição e alavancagem das empresas.
A agência propõe incluir métricas formais de risco de crédito, aprimorar o fator de alavancagem e criar instrumentos adicionais de acompanhamento contínuo das operações, medidas essas que tendem a influenciar diretamente a atuação de comercializadores e varejistas.
Entre os especialistas ouvidos pelo Canal Solar, há apoio à iniciativa, mas também ressalvas importantes.
Ricardo Lima, ex-conselheiro da CCEE e consultor da Tempo Presente, considera a consulta pública um passo positivo, capaz de introduzir evoluções que o mercado evitou por anos, como a declaração de preço e o acompanhamento sistemático das exposições.
Mas ele alerta que os instrumentos propostos ainda são insuficientes para lidar com riscos de grande impacto. “A pena máxima é proibir registro de contratos. Eu posso ter deixado um buraco de centenas de milhões e só me impedem de registrar novos contratos. É uma penalidade muito suave”, contesta.
Lima também critica a ausência de exigências de aporte prévio de garantias e limites operacionais. Para ele, o modelo atual — que divulga preços ex-ante, mas registra contratos ex-post — abre brechas para manipulações e exposições perigosas, sobretudo em um ambiente em que podem surgir milhões de novos consumidores após a abertura completa.
“Se eu tenho uma exposição muito grande, eu tenho que chamar garantias. Depois da contabilização, é tarde demais”, afirma. Ele lembra que tentativas anteriores de adotar mecanismos mais robustos foram barradas por resistência dos próprios agentes, preocupados com custos de transação.
José Antonio Sorge, sócio da comercializadora Ágora Energia, vê, por sua vez, a CP 39 de forma amplamente positiva. Para ele, o período sombra demonstrou que os agentes estão comprometidos com a segurança do mercado e que o aprimoramento das métricas de risco é um avanço esperado e necessário.
Ainda assim, adota postura cautelosa. Embora enxergue evolução e maturidade, reconhece que o setor ainda convive com vulnerabilidades que exigirão ajustes contínuos e engajamento amplo nas discussões da ANEEL.
Com a abertura total do mercado se aproximando e as memórias ainda recentes da crise da Gold, o setor elétrico entra em uma fase decisiva. Ou seja, expandir a competitividade sem perder a confiança na solidez das regras. A consulta pública, nesse sentido, torna-se um espaço crítico para definir como o país pretende equilibrar inovação, liberdade de escolha e proteção sistêmica.
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