A Agenda Regulatória da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para o biênio 2026–2027, que reúne 91 ações estruturantes, foi recebida de forma bastante positiva por representantes do setor elétrico e da defesa do consumidor, ainda que cada liderança destaque no documento prioridades mais alinhadas aos seus objetivos programáticos.
De acordo com as fontes ouvidas pelo Canal Solar, a proposta da Agência está bem calibrada frente aos desafios recentes do sistema, como os impactos climáticos, a expansão acelerada das renováveis e a abertura do mercado.
O consenso está no diagnóstico de que a ANEEL organiza, de forma sistemática, os temas mais urgentes da regulação, mesmo que cada entidade destaque caminhos diferentes dentro desse mesmo conjunto.
Sintonia
Na avaliação de Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, a ANEEL acertou ao estruturar a agenda em torno de temas que hoje concentram os maiores riscos técnicos e econômicos do setor.
Ele chama atenção para o tratamento dado a eventos climáticos extremos, armazenamento, curtailment, eletromobilidade e abertura de mercado, observando que a agência mostrou estar bastante sintonizada ao alinhar sua agenda às mudanças trazidas pelas leis mais recentes do setor elétrico.
Para o presidente do Acende Brasil, o mérito da proposta está em antecipar problemas que já produzem efeitos práticos, como os cortes de geração renovável e a pressão sobre a confiabilidade do sistema.
Sales também destaca a importância de a ANEEL enfrentar o debate sobre riscos financeiros sistêmicos, sobretudo em um contexto de maior complexidade operacional e de exposição crescente a oscilações de preço e de oferta.
“Norte claro”
Já Mário Menel, da Abiape (Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia), lê a agenda a partir da ótica da eficiência econômica e da previsibilidade para os investidores.
Para ele, o conjunto de ações cria um “norte claro” para o setor, especialmente ao priorizar temas como sinal locacional de preço, curtailment e armazenamento.
Menel entende que esses pontos são decisivos para mitigar riscos de judicialização, reduzir incertezas contratuais e dar mais racionalidade à expansão do parque gerador.
Na análise do dirigente, a ANEEL acerta ao colocar essas discussões no centro da agenda justamente em um momento em que o sistema enfrenta sobras estruturais de energia em alguns períodos e gargalos de transmissão em outros.
Para ele, enfrentar esses temas com regras claras é essencial para preservar a atratividade dos investimentos e a sustentabilidade do mercado.
Menel também chama atenção para o fato de que parte dos desafios regulatórios ultrapassa a alçada direta da ANEEL, exigindo interação constante com o Congresso Nacional e com o MME (Ministério de Minas e Energia).
A agenda, nesse sentido, funciona como um instrumento de organização institucional, permitindo que o setor antecipe debates que, mais cedo ou mais tarde, terão impacto legislativo e econômico relevante.
Qualidade do serviço
Sob a ótica do consumidor, Luís Eduardo Barata, presidente da FNCE (Frente Nacional dos Consumidores de Energia, enfatiza outro conjunto de prioridades.
Embora também veja a agenda como positiva e necessária, o executivo direciona seu foco para temas ligados à qualidade do serviço, resiliência das redes, perdas, formação de preços e modernização da medição para a abertura do mercado.
Para Barata, a agenda só cumprirá plenamente seu papel se resultar em ganhos concretos para o usuário final, especialmente na redução de interrupções, no aumento da transparência tarifária e na garantia de que a abertura do mercado livre não gera assimetrias prejudiciais aos consumidores de menor porte.
Ele também observa que a modernização dos sistemas de medição é condição indispensável para que a abertura do mercado residencial ocorra de forma segura e equilibrada.
Na sua leitura, a ANEEL acerta ao incluir esse tema de forma explícita no planejamento regulatório, mas o desafio será transformar diretrizes em resultados efetivos na ponta do sistema, onde o consumidor sente diretamente os efeitos da regulação.
Apesar dos diferentes recortes, há pontos de sintonia claros nas análises dos três executivos. Todos reconhecem que a agenda enfrenta temas que se tornaram inevitáveis no atual estágio do setor: curtilment, armazenamento, resiliência climática, abertura de mercado e formação de preços.
Também há convergência na percepção de que o setor vive um momento de transição estrutural, no qual a regulação precisa evoluir com rapidez para acompanhar a entrada massiva de fontes renováveis, a digitalização das redes e a mudança no perfil dos consumidores. O que muda entre as leituras são os ângulos de prioridade.
Ao organizar 91 ações em eixos temáticos, a Agência sinaliza que pretende tratar, de forma simultânea, questões técnicas, econômicas e sociais do setor elétrico.
O desafio, agora, será transformar esse planejamento em decisões regulatórias capazes de equilibrar interesses distintos sem perder de vista o objetivo final que é garantir segurança do sistema, modicidade tarifária e sustentabilidade de longo prazo.
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