A sanção da Lei 15.269/2025, resultante da MP 1304/2025, inaugura um novo ciclo para o armazenamento de energia no Brasil. Depois de anos de indefinição regulatória, o setor passa a operar com um conceito legal próprio e com atribuições claras para a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Para o mercado, trata-se de um movimento positivo: as baterias deixam de ser tratadas como “geradores” e passam a ocupar um espaço autônomo dentro da estrutura regulatória.
“O armazenamento passa a ter conceito legal e clareza regulatória. Ele está previsto na lei como atividade paralela à geração, transmissão, distribuição e comercialização”, disse Fábio Lima, diretor executivo da ABSAE (Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia).
Segundo ele, a própria redação da nova lei estabelece que qualquer agente, incluindo consumidores, poderá instalar sistemas e se conectar à rede, cabendo à Agência definir as regras.
A mudança toca em um ponto sensível: a forma como as baterias são tarifadas. Até agora, a ANEEL tratava o armazenamento como a soma de dois papéis (gerador e consumidor), o que resultava na cobrança da chamada “dupla incidência”.
A nova lei não proíbe explicitamente o mecanismo, mas cria as bases para superá-lo. “O armazenamento é uma configuração própria e tem que ter tarifa adequada, não simplesmente a soma das tarifas de um gerador com um consumidor”, diz Lima.
Outro avanço estruturante é o reconhecimento da bateria como ferramenta de acesso à rede. O regulador poderá exigir capacidade, flexibilidade ou despachabilidade como condição de conexão, algo que deve redefinir tanto a expansão da geração quanto o planejamento da distribuição. “A ANEEL vai poder definir mínimos de armazenamento quando houver impacto na rede, seja de geração ou de consumo”, explica.
A lei também reconfigura a política de reserva de capacidade, criando um mecanismo competitivo para remunerar sistemas capazes de oferecer potência, flexibilidade e resposta rápida. Lima avalia que esse ponto pode abrir um mercado amplo para o armazenamento. “Um gerador renovável que hoje sofre curtailment poderá operar sistemas co-localizados e, além de reduzir cortes, ser remunerado no mecanismo competitivo. Isso pode financiar os projetos”, disse.
Do lado dos incentivos, o REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) foi preservado após risco de veto. “O orçamento previsto de R$ 1 bilhão por ano dá segurança ao empreendedor, e o REIDI ficou bastante amplo, praticamente para qualquer tipo de projeto com armazenamento”, afirma.
A lei prevê duas rotas para contratar armazenamento: via transmissão ou via reserva de capacidade. “Na transmissão você tem uma localização definida e um horizonte de planejamento mais longo, o que pode retardar a contratação. Na reserva de capacidade, o leilão pode ser realizado nos próximos meses, com entrada em operação em 2028”, explica Lima.
Diante do déficit de potência já apontado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema) e pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a avaliação da ABSAE é que o país precisará das duas soluções. “O consumidor será beneficiado por ambas”, destaca o executivo.
A polêmica do rateio da capacidade: geradores pagando sozinhos
Se o marco regulatório é visto como conquista, o modelo de contratação de baterias como reserva de capacidade virou o principal foco de crítica da associação. A lei determina que, ao contrário das demais fontes, o custo dos sistemas BESS será pago exclusivamente pelos geradores.
Para Lima, o desenho é “anti-isonômico”. Ele argumenta que não há razão técnica para distinguir o armazenamento em baterias de outras soluções que beneficiam o consumidor.
“O consumidor paga por térmicas a gás, carvão, PCH, biomassa, porque ele é beneficiado pela segurança e resiliência do sistema. Por que não participaria do rateio dos sistemas de armazenamento, que também lhe trazem flexibilidade, redução do desperdício e de encargos?”, questiona.
O impacto tarifário indireto, diz ele, recairá sobre o próprio consumidor. “Jogando esse encargo para o gerador, ele volta para o consumidor”, afirma Lima.
Segundo estudos contratados pela ABSAE, o armazenamento pode ser 26% a 33% mais econômico do que novas térmicas a gás para fins de flexibilidade.
A falta de parâmetros claros para definir quais geradores pagarão o encargo é outro ponto crítico. “Se a intenção era incluir os geradores no rateio, a lei deveria ter dado mais critérios. Qual é o critério? Perfil de carga, garantia física, fator de capacidade, despachabilidade? É muito amplo e gera insegurança”, diz o executivo.
Apesar do ruído, Lima afirma que o modelo não deve travar o leilão de reserva de capacidade hoje em consulta pública. Ele lembra que o país já realizou leilões antes de regulamentar o rateio, como em 2021, e só definiu as regras às vésperas da entrada em operação. “Não há motivo para interromper os leilões em andamento. As regras podem ser regulamentadas depois”, arremata.
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