A ABSAE (Associação Brasileira de Armazenamento de Energia), em parceria com a Aurora Research, encomendou um estudo para comparar os custos de atendimento da reserva de capacidade por meio de usinas térmicas a gás em ciclo aberto e sistemas de baterias.
Segundo o levantamento, o Brasil precisará de aproximadamente 47 GW até 2045 para suprir a demanda de potência. Nesse cenário, considerando os custos das duas tecnologias para o atendimento dessa demanda, os sistemas de bateria teriam um custo inferior entre R$ 3,5 e R$ 4,6 bilhões aos das termelétricas a gás de ciclo aberto.
Para entender mais sobre o contexto do mercado de armazenamento de energia, entrevistamos Markus Vlasits, presidente da ABSAE. Confira os principais trechos da entrevista.
Qual foi o objetivo principal deste estudo?
Markus: Claro. Antes de entrar no estudo, vale contextualizar. O sistema elétrico brasileiro vai enfrentar nos próximos anos dois problemas: o déficit de potência para atender às pontas de demanda à noite e, ao mesmo tempo, o excesso de geração renovável no meio do dia. Isso acontece porque a micro e minigeração solar injeta muito ao longo da tarde, criando a famosa “curva do pato”. Já vimos inclusive episódios críticos, como no Dia dos Pais, quando o ONS quase perdeu o controle da operação.
O objetivo do estudo foi identificar qual a solução de menor custo global para esse déficit de potência. Para simplificar, não incluímos benefícios indiretos das baterias, como recuperação de energia vertida ou serviços ancilares. Mesmo assim, a conclusão foi clara: as baterias oferecem custo global significativamente menor do que as termelétricas de ciclo aberto, que são as mais flexíveis e, portanto, as que usamos para comparação.
Então, em números, o que vocês projetaram?
O déficit estimado é de 47 GW até 2045 — um pouco acima dos 38 GW que a EPE prevê até 2034. Quando comparamos, vimos que, mesmo sem contabilizar benefícios adicionais, as baterias (BESS, com 4 horas de autonomia) são muito mais competitivas do que as térmicas. A diferença é brutal.
Isso não surpreende: térmicas exigem combustível e infraestrutura, enquanto baterias só demandam investimento inicial. Com a queda expressiva nos preços das baterias nos últimos anos, o resultado era esperado.
Quanto o custo das baterias já caiu?
Nos últimos dez anos, os custos caíram cerca de 50%, e seguimos em tendência de redução. Hoje, o CAPEX está entre R$ 1.000 e R$ 1.400 por kWh de capacidade. Nossa previsão é de que, em até cinco anos, esse valor caia abaixo de R$ 1.000 por kWh, mesmo mantendo a carga tributária atual – que, aliás, é altíssima.
Qual é a carga tributária incidente sobre as baterias?
Se você importa um sistema turnkey, completo, a carga chega a 70%. Produzindo e integrando localmente, cai para 55%. Ainda assim, é muito mais pesado do que em outras tecnologias do setor, como eólica e solar, que sempre tiveram tratamento diferenciado. Parece que o armazenamento é tributado como artigo de luxo — quase como se fosse um “charuto cubano”.
Vocês também mapearam o potencial de armazenamento no Brasil. Qual é o número?
Hoje temos menos de 1 GWh instalado, algo insignificante frente aos 200 GWh de novos projetos previstos globalmente só em 2025. No Brasil, nosso estudo indica potencial de 72 GWh até 2034, com investimentos próximos a R$ 80 bilhões.
Esse mercado se divide em três segmentos:
- 40% em reserva de capacidade e serviços ao sistema – dependente de leilões e políticas públicas;
- 40% em projetos de consumidores comerciais e industriais, e futuramente também residenciais;
- 20% em aplicações off-grid, para localidades isoladas, mineração e até eletrificação rural.
Falando em políticas públicas, como está a regulamentação da ANEEL sobre armazenamento?
Avançou bastante, mas ainda há pontos críticos. O mais sensível é a tarifa de uso da rede (TUSD/TUST). A ANEEL chegou a propor que sistemas de armazenamento autônomos pagassem como consumidores, o que não faz sentido. Recentemente, recuaram e sugeriram cobrança dupla: uma para carregamento e outra para descarregamento. Isso é ultrapassado e já abandonado em países como a Alemanha há mais de 20 anos.
Defendemos algo simples: se a bateria tem outorga de geração, que pague tarifa de geração. Caso contrário, o custo será repassado à sociedade via encargos. E veja a contradição: térmicas de gás, que participam dos leilões, não pagam equivalente pelo uso de gasodutos. Já as baterias, que são modernas e limpas, seriam penalizadas. É incoerente.
Outro ponto levantado no setor é a dependência das baterias de íons de lítio e da China. Esse gargalo preocupa?
É uma questão válida. Mas precisamos diferenciar. Hoje, no armazenamento estacionário, quase não se usam baterias de níquel, manganês e cobalto (NMC), que dependem de minerais críticos como cobalto do Congo. Predomina o lítio-ferro-fosfato (LFP), muito menos problemático em termos de materiais.
Além disso, alternativas estão em desenvolvimento, como baterias de sódio, que já têm custo por célula menor, embora ainda precisem evoluir em densidade energética. Há também tecnologias de fluxo. Ou seja, não estamos condenados ao lítio.
Há quem defenda o hidrogênio como alternativa ao armazenamento em baterias. Como o senhor vê essa questão?
No caso do hidrogênio, acreditamos que ele fará mais sentido em aplicações como aviação, navegação marítima e setores industriais de difícil descarbonização. Para armazenamento estacionário, o round-trip efficiency é baixo (cerca de 40%), contra 85% a 95% das baterias. Por isso, as baterias se mostram mais adequadas para o equilíbrio diário do sistema.
Para encerrar, quer deixar uma mensagem final?
Sim. Precisamos olhar com urgência para os leilões de reserva de capacidade. O MME abriu consultas para leilões térmicos de gás, óleo e até carvão. Pensar em contratar tecnologias do século XIX e XX, em pleno século XXI, no ano da COP30, é um contrassenso. Temos geração recorde de renováveis e altos índices de vertimento. Contratar térmicas seria trágico. O Brasil precisa de leilões específicos para baterias.
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