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Desafios da onda de calor: potencializando a resiliência com geração distribuída de energia

Aumento médio da temperatura e suas oscilações acabam por aumentar a demanda de energia apresentando picos de potência

Autor: 29 de dezembro de 2023janeiro 3rd, 2024Opinião
7 minutos de leitura
Desafios da onda de calor: potencializando a resiliência com geração distribuída de energia

Imagem: Freepik

Artigo publicado originalmente na 20ª edição da Revista Canal Solar

As ondas de calor que vivenciamos no período de 12 a 18 de novembro de 2023 tendem a ser mais frequentes e com maiores intensidades em função das mudanças climáticas que já estão em curso.

Estudos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) apontam que com o aumento da temperatura do planeta, eventos extremos como aumento de temperatura além de outros relacionados com as variáveis climáticas tendem a se agravar. 

O aumento médio da temperatura e suas oscilações acabam por aumentar a demanda de energia apresentando picos de potência. O gráfico da figura 1 apresenta a relação entre aumento da temperatura e aumento na demanda do sistema observando o histórico disponível no sítio do ONS. 

Dependendo da temperatura média do dia, o aumento de um grau durante o dia provoca ou não aumento da carga elétrica. Para temperaturas médias baixas, o aumento de um grau pode representar diminuição da carga elétrica muito comum nos países do hemisfério norte. 

No caso brasileiro, com temperaturas médias de 23 a 25 graus, o aumento de 2 graus corresponde a um aumento de 2.1 % na carga do sistema na região Sudeste. Esta relação é explicada pelas cargas de refrigeração e climatização que são mais críticas no início da tarde quando a incidência do sol é mais forte. 

Esta relação observada no histórico tende a aumentar pois cada vez mais o consumidor vai procurar minimizar o desconforto devido ao calor. 

 Variação da carga em função da variação da temperatura. Fonte: MC&E para PEE 2050 Estado de São Paulo em consulta pública

O gráfico mostra também que para períodos com temperaturas iniciais médias em torno de 17 a 19 graus, a variação positiva de 2 graus provoca um pico na carga bem menor podendo ser até negativa para temperaturas mais baixas. Isto mostra a não linearidade da resposta da carga com a variação de temperatura que deve ser considerada. 

Voltando ao período de altas temperaturas observadas em novembro, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, por exemplo, onde está concentrada a maior carga do sistema elétrico brasileiro foram observados picos de demanda basicamente em torno das 14 horas, em especial na quinta-feira (dia 16 de novembro de 2023) que chegou a 61.482 MW. 

Neste mês, poderíamos ter tido problemas de potência no SIN (Sistema Interligado Nacional). A figura 2 apresenta as curvas de carga dos quatro dias úteis da semana e da quarta-feira que foi um feriado. 

Carga global e geração da MMGD. Fonte: Dados do ONS

No mesmo gráfico da figura 2, em amarelo, está também a curva de geração da MMGD (micro e minigeração distribuída) que nesta semana praticamente não houve nuvens nesta região. No momento de demanda máxima tivemos um total de geração distribuída de 7.338 MW que aliviou o pico de demanda conforme mostrado no gráfico da Figura 3 onde é plotada a curva de carga líquida. 

Carga líquida considerando a GD. Fonte: Dados do ONS

Graças a dois fatores não tivemos problemas de falta de potência e consequente alteração na frequência do sistema: os reservatórios das hidrelétricas do sudeste que estavam com níveis satisfatórios e a geração distribuída. 

Verifica-se que o pico de demanda sem a GD (geração distribuída) ocorreria no dia 14 às 14 horas com o valor de 61.482 MW. Considerando a GD, o pico passou a ser de 54.144 MW às 14 horas do mesmo dia. Houve, portanto, uma diminuição na ponta do SIN de 7,34 GW devido à GD, ou seja, 11,8%. 

Isto demonstra que o benefício da GD não é desprezível até no deslocamento de geração térmica, ou seja, muitas térmicas contratadas poderiam não ser necessárias. 

É claro que a ponta não é coberta só pela GD e térmicas foram acionadas, mas é importante salientar que além deste benefício conjunto ao SIN, ela está situada muito próximo à carga aliviando as redes de transmissão e distribuição nestes horários. Este alívio minimiza o investimento em expansão das redes tornando o sistema mais eficiente. 

Dado que a GD é predominantemente de fonte solar, existe a preocupação quanto à diminuição da geração em períodos com nuvens e com precipitação. No entanto, com a diminuição da incidência solar nesses períodos, a carga de climatização e refrigeração diminui também, ou seja, existe uma correlação positiva minimizando o pico de potência. 

Na audiência pública do aprimoramento da REN 482/12 em 2019 (AIR 1/19), a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) utilizou nos cálculos dos benefícios da GD a métrica ELCC (Equivalent Load Carrying Capacity) que identifica a contribuição da fonte energética para a confiabilidade do sistema quando há um incremento de carga. 

Foi observado que a fonte solar no Brasil tem um ELCC maior que nos EUA devido ao horário da ponta do sistema. A contribuição da GD no Brasil tem uma característica peculiar não observada em países de clima mais frio. 

Infelizmente, naquele mesmo ano, a ANEEL após várias discussões lança a CP 25/19 onde abandona todo o trabalho realizado e impõe todo o custo do fio e encargos livres da compensação de energia apenas a TE.

O efeito positivo da GD medido através do ELCC tende a diminuir com o aumento da penetração por não ser uma fonte despachável. A figura 4 mostra a nova curva caso o nível de penetração de GD solar dobrasse do valor atual e a carga se mantivesse nos patamares da semana do dia 13. 

Observa-se a ponta se deslocando ao horário das 20 horas e com um formato próximo à curva do pato (vide a curva da quarta-feira). Importante mencionar que existe uma preocupação real para a operação do sistema com a rampa a partir das 16 horas mas que deverá ser efetiva a partir de índices de penetração de GD muito maiores que em outros países.

Carga Líquida dobrando a capacidade da GD

Quando o aumento da penetração chegar a níveis altos, podemos utilizar soluções como o armazenamento a baterias para melhorar o ELCC e a rampa da curva do pato, que inclusive já é uma realidade fora do Brasil.

Finalmente, é importante que o MME (Ministério de Minas e Energia) e a ANEEL estabeleçam de forma célere as diretrizes e a regulação tarifária observando os custos e benefícios da GD (geração distribuída) conforme determinado pela Lei 14300/22. 

Seria interessante usar os conceitos trazidos na AIR 1/19 e atualizá-los buscando resolver o impasse atual. A generalização utilizada aqui traz apenas um alerta para não criminalizar a GD, mas é necessário que no momento de quantificar os ganhos sejam considerados os efeitos particulares nos alimentadores, ou seja, nas redes de média tensão.


As opiniões e informações expressas são de exclusiva responsabilidade do autor e não obrigatoriamente representam a posição oficial do Canal Solar.

José Wanderley Marangon Lima

José Wanderley Marangon Lima

Conselheiro do INEL. Diretoria de Recursos Energéticos Distribuidos da ABGD. Professor titular voluntário da UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá). Diretor presidente da MC&E (Marangon Consultoria & Engenharia. Atuou na Eletrobras, onde participou e coordenou estudos de operação e planejamento de Sistemas Elétricos. Também trabalhou na ANEEL como assessor de diretor. Esteve no Ministério de Minas e Energia como integrante do grupo que elaborou o Novo Modelo Elétrico Brasileiro.

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