A recomendação da área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) para que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) avalie a possibilidade de intervir na concessão da Enel São Paulo (SP) reacendeu o debate sobre os limites regulatórios e a governança das distribuidoras de energia no país.
Embora o documento do TCU ressalte a “recorrência de eventos” e uma “degradação sistêmica da qualidade” nos últimos anos, dois especialistas ouvidos pelo Canal Solar avaliam que, apesar da gravidade do cenário, a intervenção é um caminho juridicamente complexo, politicamente delicado e, na prática, de baixa probabilidade de ser adotado.
A instrução técnica da unidade de AudElétrica (Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear), enviada ao ministro relator Augusto Nardes, indica que a Enel SP não teria comprovado a regularização definitiva das falhas que levaram a sucessivos apagões desde 2023.
Entre os pontos destacados estão a falta de evidências de correções estruturais, a repetição de problemas críticos e a ineficácia de medidas punitivas aplicadas pela ANEEL ao longo dos últimos anos .
A avaliação é de que as ações emergenciais apresentadas pela distribuidora entre 2024 e 2025, embora tenham trazido melhorias, não seriam suficientes para demonstrar estabilidade durante o período úmido, quando historicamente ocorrem as falhas mais graves .
A suspensão prolongada do fornecimento de energia após vendavais, registrados em 2023 e 2024 com ventos superiores a 100 km/h, fez o assunto ganhar repercussão política e levou à abertura de um processo de apuração que pode resultar até mesmo na caducidade da concessão.
Porém, como a própria ANEEL destacou ao TCU, a comprovação definitiva das melhorias exigirá acompanhar o desempenho da Enel SP durante todo o ciclo chuvoso, motivo pelo qual a agência propôs estender o monitoramento até março de 2026 .
Para Luís Priolli, sócio na área de energia do Vitalino Advogados, a recomendação do TCU chega num momento em que a ANEEL já está diante de uma tarefa extremamente complexa que é a de decidir, até o fim de 2026, se aceita ou não o pedido de renovação da concessão, que vence em 2028. “A intervenção consumiria de quatro a seis meses apenas de estudos, e isso inviabilizaria na prática a análise da renovação no prazo previsto”, aponta, argumentando que a medida, ainda que tecnicamente possível, tenderia a ser inócua frente ao calendário regulatório.
O impacto político é outro ponto levantado por Priolli. Em meio à proximidade das eleições gerais de 2026, qualquer movimento mais drástico envolvendo a maior distribuidora do país poderia ser interpretado como interferência ou instrumento eleitoral.
Além disso, lembra que uma intervenção depende de decreto presidencial e que eventuais atrasos no relatório do interventor — que deve ser entregue em até 180 dias — podem gerar o retorno automático da concessão à empresa, além de abrir espaço para pedidos de indenização. “É um ambiente de altíssimo risco”, classifica.
Urias Martiniano Neto, advogado especializado na área de energia, lenbra que a legislação atual — especialmente a Lei 12.767/2012 — ampliou o escopo legal para que a ANEEL avalie intervenções não só por questões econômico-financeiras, mas também por problemas operacionais e de prestação inadequada do serviço.
Mesmo assim, ele classifica a possibilidade de uma intervenção na Enel SP como um precedente extremamente novo e de grande impacto, tanto regulatório quanto internacional. “Uma intervenção teria repercussões fortes na percepção de risco por parte do mercado”,entende .
Urias também destaca que a aplicação dessa medida exigiria uma justificativa robusta e um processo administrativo minucioso, o que contrasta com as limitações de pessoal e agenda da ANEEL. Para ele, mais do que uma ação drástica, a recomendação do TCU funciona como alerta institucional. “É uma sinalização importante, mas não acredito que a intervenção vá ocorrer. O setor precisa de uma solução estruturada, construída com ANEEL, Ministério de Minas e Energia (MME), TCU, governo estadual e a própria empresa”, indica .
O advogado também concorda que é contraditório pensar em intervir e, ao mesmo tempo, manter aberta a possibilidade de renovação da concessão. “As duas coisas não combinam. Antes de qualquer passo extremo, é preciso entender se a empresa é capaz de operar a maior área de distribuição do país”, diz.
Ambos os especialistas convergem na avaliação de que a recomendação do TCU cria pressão sobre o setor, mas não implica obrigatoriedade de intervenção. O tribunal pede apenas que a ANEEL estude o instrumento, avalie riscos e deixe registrado se a medida faz sentido no contexto atual, inclusive para fins de futuros precedentes regulatórios .
Enquanto isso, a Enel SP afirma ter cumprido integralmente o Plano de Recuperação apresentado em 2024 e sustenta que houve melhora significativa em indicadores de atendimento, sobretudo no tempo médio de restabelecimento e nas ocorrências de longa duração, com reduções de 50% e 90%, respectivamente, desde 2023.
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