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Fake power é crime de estelionato e prejudica o mercado

Comercialização de módulos com potência falsa tornou-se grande problema no mercado
Fake power é crime de estelionato e prejudica o mercado
Fator que contribui para a presença de módulos falsos é o preço muito abaixo do mercado. Foto: Canal Solar

A crescente presença de módulos fotovoltaicos conhecidos como “fake power” – que não entregam a potência esperada conforme estipulado no datasheet – vem causando grande preocupação entre profissionais do setor de energia solar. 

Fontes ouvidas pelo Canal Solar relatam que um fator que contribui para o aumento da presença destes módulos no mercado é que o preço destes painéis é bem abaixo do praticado no mercado, o que resulta em uma alternativa “atrativa”.

Porém, a economia inicial poderá ser uma grande fonte de dor de cabeça no futuro já que os projetos que usarem este tipo de módulo terão um desempenho ruim, resultando em prejuízos a longo prazo. Sem falar no descrédito que recairá sobre a empresa que oferta esse tipo de produto, e até eventualmente, sobre o mercado solar como um todo.

O que é fake power? 

Para falar em linguagem simples, por exemplo: o produto é comercializado com uma etiqueta de 550 W, mas na verdade é um módulo de 500 W. 

Um ponto a destacar é que, embora esses módulos tenham passado pelos processos de certificação do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), os testes de avaliação são feitos em poucas amostras destes produtos, comumente chamadas de “golden samples” (da tradução livre: amostras de ouro – uma alusão ao fato de serem amostras especiais, feitas somente para passar nos testes de certificação) e o problema de qualidade real só se revela na operação da usina, que utilizará módulos da linha de produção em massa, que não foram testados.

Este cenário, contudo, não é algo que ocorre somente hoje. O assunto já foi discutido no artigo “Como saber se um módulo fotovoltaico é verdadeiro?”, publicado pelo professor Marcelo Villalva na 16ª edição da Revista Canal Solar.

Crime de estelionato

De acordo com Thiago Bao Ribeiro, advogado especializado no setor de energia solar e sócio do escritório Bao Ribeiro Advogados, a comercialização e instalação de produtos fake power é considerado crime de estelionato, uma vez que o consumidor é enganado com informações falsas do produto, induzido a erro na oferta do módulo. 

O crime de estelionato está previsto no Decreto-Lei No 2.848, de 7 DE dezembro O DE 1940, com pena de reclusão de um a cinco anos.

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Além disso, ele explica que não só o distribuidor como também o integrador são responsáveis pelo fornecimento do produto ou serviços.

Segundo ele, o integrador é completamente responsável por todos os danos causados pelo equipamento instalado. Essa responsabilidade também pode ser estendida ao distribuidor, caso ele participe da fraude contra o consumidor.

“Sendo assim, o consumidor poderá exigir a reparação de ambos, não apenas de quem vendeu o equipamento. O consumidor deve guardar a proposta e a nota fiscal de compra, para que tenha provas do fornecimento inadequado”, comentou ele. 

No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, Bao Ribeiro explica que quem se sentir lesado deve seguir os seguintes passos: fazer um boletim de ocorrências na polícia civil; reclamar nos órgãos de proteção do consumidor e exigir reparação pelo dano. 

O consumidor, segundo ele, tem três opções de solução para esses problemas:

  • Exigir a troca do módulo, sem custo adicional e reparação dos prejuízos. No caso, a perda da geração de energia;
  • Solicitar a retirada do equipamento e devolução imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízos de eventuais perdas e danos;
  • Requerer o abatimento proporcional no preço.

Caso real

Ao Canal Solar, Bao Ribeiro comentou que seu escritório atuou, recentemente, em uma situação como essa: o consumidor adquiriu um inversor de uma marca de qualidade, mas o integrador instalou um inversor de marca de qualidade inferior. 

Apesar de não ser um exemplo que necessariamente trata de módulos fotovoltaicos, o caso materializa os riscos aos quais profissionais e consumidores estão expostos no mercado nacional. 

O integrador colou a sua logomarca sobre a marca do inversor e não informou ao consumidor sobre a diferença entre os equipamentos. “Ele descobriu a fraude, porque o inversor superaqueceu e derreteu a etiqueta da logo do integrador”, revelou o advogado.  

O advogado conta que, em razão disso, enviou uma notificação extrajudicial solicitando a troca do equipamento e reparação pelos danos causados. 

“O equipamento queimou e o cliente ficou 30 dias sem gerar energia. Combinamos uma indenização para não levar o caso aos órgãos de defesa do consumidor. Essas negociações são permitidas pela legislação civil”, disse ele. 

Consequências para o mercado 

Uma das empresas do setor de energia solar que vem se manifestando de forma contrária à prática da comercialização de módulos fakes no mercado é a Ecori

Ao Canal Solar, a empresa destacou que avalia o movimento que vem ocorrendo no país com um olhar de decepção em relação ao empresariado. 

“Muitas empresas concorrentes que, supostamente tínhamos como idôneas, caíram no erro de importar módulos de potência falsa e péssima qualidade como se tivessem se rendido à tentação de serem competitivos no mercado contra os importadores que já vinham praticando essa ilegalidade há anos”, disse Leandro Martins, presidente da Ecori. 

Segundo cálculos da empresa, estima-se que hoje cerca de 70% dos módulos vendidos hoje na mini e microgeração distribuída são de potência falsa, além das células, de péssima qualidade, como caixas de junção, cabos, conectores, silicone, alumínio e vidro.

Martins destaca ainda que como a maioria desses sistemas fotovoltaicos são vendidos com um “oversize” DC considerável, com a performance sendo impactada mais provavelmente em um prazo maior que a garantia de mão de obra oferecida de praxe”, disse ele.  

“O futuro próximo deste milhares de sistemas instalados é, sem dúvida, sistemas sem performance e que colocam as instalações em risco de incêndio por infiltrações decorrentes da má qualidade de todo material utilizado”, disse. 

Como não cair em golpes? 

De acordo com Martins, existe apenas uma mensagem aos integradores: para que desconfiem de preços baixos e procurem trabalhar com marcas de grande porte e que são conhecidas no mercado nacional há anos. 

“Em breve, esperamos que os contraventores que importam e distribuem estes módulos sofram consequências pesadíssimas em forma de multas, perdimentos e até lacração dos armazéns que estiverem movimentando este tipo de mercadoria. Estamos trabalhando neste sentido para melhorar nosso setor que vem sofrendo em diversas frentes”, comentou ele. 

Por fim, o profissional ressalta que quem paga a conta pelos módulos fakes é toda a cadeia fotovoltaica nacional, uma vez que na distribuição as empresas que trabalham honestamente estão enfrentando concorrência desleal e ilegal. 

Já os integradores viram vítimas da concorrência na ponta que oferecem este tipo de módulo, enquanto os clientes finais (que não possuem conhecimento sobre o assunto) adquirem produtos que colocam em risco a sua própria segurança.

“No final de tudo, esperamos que os importadores paguem a conta conforme falado anteriormente, repondo módulos para os integradores de potência real e qualidade, pagando multas e perdendo grandes volumes de mercadorias, para que assim possamos banir este tipo de produto do nosso mercado”, reforçou Martins. 

Prática tem crescido  

Também em entrevista ao Canal Solar, Ricardo Seixas, gerente de vendas da Jinko Solar no Brasil, destaca que a comercialização de módulos falsos no país tem criado uma subversão nos preços praticados e prejudicado principalmente o consumidor, que acaba sendo enganado e não recebe aquilo que comprou. 

“Um problema muito grande que enfrentamos é a falta de barreiras e controle de qualidade em nosso setor no país. Este tipo de equipamento abrange quesitos de eficiência e segurança que precisam ser seguidos e praticados”, disse o profissional. 

“Enquanto isso não acontece, temos que contar com a seleção do mercado, que com certeza deve melhorar ao passo que a consequência do emprego de módulos não conformes vai ocorrendo”, ressaltou Seixas. 

Para ele é preciso uma mobilização mais abrangente e uma atuação pessoal mais responsável por parte dos atores do setor de energia solar para coibir esse tipo de ação, uma vez que a principal consequência no macro cenário é o enfraquecimento do próprio setor.  

“A indústria é enfraquecida com uma competição desleal, os agentes locais do mercado como distribuidores e integradores, que terão que se responsabilizar em algum momento pelas escolhas e perdem a confiança e credibilidade de seus clientes; e finalmente o consumidor final, que acaba sendo lesado dentro de um investimento tão importante em economia e sustentabilidade”, comentou. 

O profissional disse ainda que algo importante de se ressaltar é o fato de que um investimento inicial relativamente mais baixo pode não representar uma economia real. 

“Isso que precisa ser entendido. Integrador está vendendo rentabilidade além de sustentabilidade, e a rentabilidade de algo que não entrega o esperado é muito menor. A antiga máxima nunca coube tão bem: o barato vai sair caro”, reforçou.

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Henrique Hein
Atuou no Correio Popular e na Rádio Trianon. Possui experiência em produção de podcast, programas de rádio, entrevistas e elaboração de reportagens. Acompanha o setor solar desde 2020.

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