A aprovação da Lei 15.269/2025, que abre o mercado livre de energia para todos os consumidores brasileiros, tem sido celebrada como um marco histórico. Mas, ao contrário do que se propaga, não estamos diante de uma revolução energética, e sim de uma mudança meramente comercial.
O discurso de “era da escolha” soa sedutor, mas esconde o fato de que o verdadeiro beneficiário será o grande produtor de energia, que agora poderá abocanhar parcelas ainda maiores de mercado.
O consumidor, por sua vez, não se tornará protagonista, mas alvo de estratégias comerciais sofisticadas, desenhadas para capturar sua atenção e fidelidade em contratos que pouco ou nada alteram a realidade estrutural do setor elétrico brasileiro.
É preciso deixar claro: a abertura do mercado livre não trará redes elétricas inteligentes, não fortalecerá a resiliência da infraestrutura e tampouco garantirá segurança energética em tempos de crise. A chamada “inteligência” estará voltada apenas para negociações comerciais, algoritmos de precificação e plataformas digitais que transformam a energia em mais um produto de prateleira.
O que o Brasil realmente precisa é de smart grids, redes capazes de se adaptar a eventos extremos, integrar diferentes fontes de geração e oferecer estabilidade diante de apagões cada vez mais recorrentes.
Os números falam por si. Em 2023, o Brasil registrou mais de 180 ocorrências de interrupções de energia em larga escala, afetando milhões de consumidores em diferentes regiões. Em 2025, com eventos climáticos cada vez mais severos, a vulnerabilidade da rede elétrica se tornou evidente.
Não é a possibilidade de escolher entre fornecedor A ou B que vai impedir que uma enchente em Santa Catarina ou uma onda de calor no Sudeste provoque apagões. O que garante segurança energética é a capacidade de gerar energia junto aos locais de consumo: residências, comércios, indústrias, fazendas rurais, hospitais, escolas e prédios públicos.
A verdadeira modernização do setor elétrico brasileiro passa pela democratização da geração distribuída. Painéis solares em telhados, pequenas centrais hidrelétricas comunitárias, sistemas de armazenamento em baterias locais e cooperativas energéticas são exemplos de soluções que descentralizam o poder e fortalecem comunidades.
Isso não é apenas uma evolução tecnológica, mas um momento de inflexão para o país. Em tempos de crise climática, quem puder gerar energia em bairros, vilas ou cidades estará garantindo não só economia, mas sobrevivência e autonomia.
O mercado livre, como está sendo desenhado, não promove essa revolução. Ele apenas transfere o monopólio das distribuidoras para um oligopólio de grandes comercializadoras e geradoras, que continuarão ditando as regras.
O consumidor, ao invés de conquistar liberdade, será pressionado a navegar em contratos complexos, sem que sua conta de luz reflita melhorias reais na infraestrutura. A promessa de economia de R$ 17,8 bilhões ao ano para o Grupo B, citada em estudos, ignora que esse valor não se traduz em investimentos em redes resilientes, mas em margens de negociação que beneficiam empresas.
O Brasil não precisa de uma “era da escolha energética” baseada em marketing. Precisa de uma era da segurança energética, construída sobre pilares de descentralização, sustentabilidade e resiliência.
A energia deve ser tratada como bem público essencial, não como mercadoria sujeita às mesmas lógicas de telecomunicações ou serviços financeiros. A cada apagão, a cada desastre climático, fica evidente que o caminho não é abrir mercado, mas fortalecer comunidades.
Encerramos 2025 diante de uma encruzilhada. Podemos seguir acreditando na falácia da modernização comercial ou podemos assumir o desafio de construir um sistema elétrico verdadeiramente inteligente, capaz de resistir às tempestades do futuro.
A escolha que realmente importa não é entre fornecedores, mas entre modelos de sociedade. E eu acredito que o Brasil só será moderno quando cada cidadão, cada bairro e cada comunidade puder gerar e compartilhar sua própria energia, garantindo que o bem comum prevaleça sobre o interesse comercial.
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