O setor elétrico brasileiro está diante de uma encruzilhada estratégica. Em 2026, dois movimentos regulatórios podem redefinir o futuro da matriz elétrica: o leilão de potência, previsto para março, e o primeiro leilão de armazenamento em baterias (BESS), em tese programado para abril. Embora ambos tenham objetivos complementares, a forma como são conduzidos pode acelerar — ou atrasar — a modernização do sistema.
O MME (Ministério de Minas e Energia) definiu diretrizes para os LRCAP (Leilões de Reserva de Capacidade) de 2026, com foco em garantir potência firme ao SIN.
Serão contratadas usinas termelétricas a gás natural, carvão mineral e óleo combustível, além de ampliações hidrelétricas. A justificativa é clara: assegurar estabilidade diante da expansão das fontes intermitentes, como solar e eólica. Ocorrendo tudo dentro dos cronogramas esperados, em abril de 2026 ocorrerá o primeiro leilão de sistemas BESS no Brasil.
A Portaria nº 878/2025 estabeleceu requisitos técnicos rigorosos: potência mínima de 30 MW, capacidade de entrega por 4 horas diárias, eficiência mínima de 85% e tecnologia grid-forming obrigatória. Os contratos terão duração de 10 anos, com início de suprimento em agosto de 2028.
Essa iniciativa é histórica. Ao permitir a inserção de baterias no SIN, o Brasil dá um passo para reduzir a dependência de térmicas em horários críticos, aumentar a flexibilidade operacional e viabilizar maior integração das renováveis.
No entanto, cabe lembrar que esse risco da “sequência” da potência antes do armazenamento pode resultar em um esvaziamento arriscado. Ao realizar primeiro o leilão de potência, o governo pode reduzir o apetite pelo leilão de armazenamento.
Isso porque, ao contratar termelétricas para garantir potência firme, cria-se uma sensação de segurança que pode postergar investimentos em soluções mais modernas e limpas.
Além disso, a proximidade das datas e a falta de regulamentação completa — como regras para tarifas de uso do fio e remuneração por serviços ancilares — aumentam a incerteza. O resultado pode ser um leilão de armazenamento esvaziado, comprometendo a competitividade e elevando custos futuros.
Para o Leilão de Reserva de Capacidade (LRCap) de março de 2026, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) concluiu em 14 de novembro de 2025 o cadastramento de projetos que totalizam mais de 12,5 GW de potência. Esse valor representa a quantidade de energia que foi habilitada, mas não o montante que será necessariamente contratada nos leilões.
A grande reflexão que fica é a expectativa da quantidade de energia/potência que poderia ser contratada para o leilão de armazenamento. Fica então o questionamento. Temos tempo hábil para impulsionar o crescimento da solução de BESS?
A experiência global mostra que a adoção de BESS pode ser rápida quando há incentivos claros e regulação estável:
- Estados Unidos: Entre 2010 e 2018, o custo das baterias caiu 85%, impulsionado por políticas como créditos fiscais e programas federais. Hoje, os EUA têm mais de 33 GW de capacidade instalada, com projetos que levam em média 19 meses do início da construção até a operação comercial. Os mais rápidos conseguem em 14 meses, enquanto os mais lentos chegam a 28 meses. Tive a oportunidade em 2024 de conhecer empresas que atuam em BESS no Texas e fiquei impressionado como o modelo de armazenamento é utilizado de forma estratégica para escoar energia em momentos de necessidade com sinais econômicos ao investidor;
- China: Lidera a corrida global, com expansão acelerada para integrar renováveis variáveis. Em 2025, mais da metade dos novos sistemas BESS instalados no mundo estavam na China, refletindo políticas agressivas e metas claras de descarbonização.
- Europa: A capacidade deve crescer seis vezes até 2029, chegando a 400 GWh. Apesar do avanço, a adoção tem sido mais lenta que nos EUA e China, devido à redução de subsídios e desafios regulatórios. Ainda assim, países como Alemanha e Reino Unido já operam projetos de grande porte, com destaque para sistemas acoplados a parques eólicos.
No Brasil fica evidente que o País continuará expandindo fontes intermitentes. Solar e eólica já representam mais de 23% da matriz elétrica e podem chegar a quase 50% até 2031. Essa característica é irreversível, dada a abundância de recursos naturais e a competitividade dessas tecnologias.
Sem a inserção célere e relevante do armazenamento no SIN, problemas de confiabilidade e flexibilidade poderão surgir, especialmente em momentos de alta geração renovável e baixa demanda.
Um fato novo trouxe ainda mais complexidade à coordenação entre os leilões. A Lei nº 15.269/25, sancionada em 24/11/2025, modernizou o marco regulatório do setor elétrico brasileiro.
Entre os principais pontos, destaca-se a aguardada regulamentação da atividade de armazenamento de energia elétrica, incluindo:
- (i) atribuição à ANEEL para regular e fiscalizar sistemas de armazenamento, com regras de remuneração e acesso quando conectados ao SIN ou a sistemas isolados;
- (ii) criação de mecanismos para fomentar baterias (BESS), como a possibilidade de redução a zero do Imposto de Importação e inclusão no REIDI, com limite anual de renúncia fiscal de R$ 1 bilhão entre 2026 e 2030.
Apesar do otimismo, o rateio de encargos gerou preocupação entre investidores. Para sistemas BESS, os custos específicos serão rateados apenas entre geradores, evitando repasse direto ao consumidor final, que também se beneficia de um sistema mais flexível.
Como a Lei define essa diretriz, não há margem para que o leilão de armazenamento adote formato distinto quanto ao rateio de encargos.
Qual a solução? Postergar o leilão ou manter o cronograma?
A Lei nº 15.269/25 cria um ambiente regulatório favorável, mas sua implementação exige ajustes finos para evitar um leilão esvaziado — o pior cenário possível.
Se o Brasil pretende liderar a transição energética na América Latina, não pode adotar soluções que resolvam o presente às custas do futuro.
O desafio vai além de contratar potência ou armazenamento: é necessário desenhar uma estratégia integrada que valorize inovação, assegure previsibilidade e mantenha a atratividade para investidores.
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