MP 1.304/2025 pode provocar corrida por subsídios antes do novo teto da CDE

MP propõe limitar o crescimento da CDE, revogar a exigência de contratação compulsória de termelétricas e criar novas diretrizes para a comercialização de gás no país
Foto: Canva

A edição da Medida Provisória 1.304/2025, publicada na última sexta-feira (11), reacendeu o debate sobre a sustentabilidade dos subsídios no setor elétrico. Ao limitar o crescimento da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e alterar diretrizes para a contratação de novas usinas, a MP tenta conter distorções criadas pela derrubada dos vetos à lei das eólicas offshore – mas pode, na prática, incentivar uma “corrida do ouro” por novos incentivos antes que o teto entre em vigor.

A MP propõe limitar o crescimento da CDE – fundo que financia políticas públicas e subsídios no setor elétrico –, revogar a exigência de contratação compulsória de termelétricas e criar novas diretrizes para a comercialização de gás no país.

Segundo o texto, a CDE de 2026 funcionará como referência para os anos seguintes. Caso haja insuficiência de recursos, será criado o ECR (Encargo de Complemento de Recursos), pago pelos próprios beneficiários da CDE, com exceção de programas como a Tarifa Social, Luz para Todos, Conta de Consumo de Combustíveis, remuneração da CCEE e aquisição de energia por distribuidoras que atendem capitais ainda não conectadas ao SIN em dezembro de 2019. 

Se for necessário acionar o ECR já em 2027, os beneficiários arcarão com 50% da insuficiência de recursos. A partir de 2028, o encargo será integral (100%).

Agentes do setor alertam, no entanto, que a definição de um teto com base em um valor futuro (e não retroativo) pode acelerar o movimento de criação de novos subsídios antes do congelamento da CDE. 

Nesta terça-feira (15), a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou o orçamento da CDE para 2025, no valor de R$ 49,2 bilhões, representando um aumento de 32,4% em relação a 2024.

Para Edvaldo Santana, ex-diretor da ANEEL, a escolha de não usar os valores de 2024 como referência acelera o aumento da CDE. “Entre janeiro e junho de 2025, a conta passou de R$ 43 bilhões para quase R$ 50 bilhões. Sabendo que a partir de 2027 a CDE estará limitada ao ano anterior, é possível que esse teto vá para R$ 65 ou R$ 70 bilhões, valor que só deveria ser atingido por volta de 2030”, avaliou.

A ABRACE, associação que representa grandes consumidores industriais de energia, projeta que, mesmo sem novas despesas, a CDE pode alcançar R$ 55 bilhões em 2026. “A partir de 2027, com o risco de pagamento do ECR, há incentivo para acelerar a tramitação de propostas que criam novos subsídios. Isso pode elevar ainda mais o teto da CDE, desencadeando uma espécie de ‘corrida do ouro’ por benefícios”, alertou a entidade.

Frederico Boschin, diretor executivo da Noale Energia e advogado especialista no setor elétrico, compartilha da preocupação. Segundo ele, o governo não adotou o valor de 2024 como referência devido à criação da nova Tarifa Social, instituída pela MP 1.300/2025. O impacto financeiro dessa política só será totalmente conhecido em 2026.

“Além disso, o texto é contraditório: propõe travar o valor da CDE, mas cria um encargo para cobrir eventuais faltas de recursos. A CDE virou uma conta corrente onde se joga toda a bagunça do setor”, criticou Boschin. “Falta tecnicismo. Tanto a MP 1.300 quanto a MP 1.304 são respostas populistas, equivocadas e não técnicas para problemas estruturais”, completou.

Já para a ABRADEE, que representa as distribuidoras de energia, a limitação da CDE é positiva. “A diretriz de que eventuais excessos acima do teto sejam arcados pelos próprios beneficiários, sem repasse aos demais consumidores, reforça a justiça tarifária e a responsabilidade na alocação de custos”, afirmou em nota.

Novas regras para contratação de energia

A MP 1.304 também revoga a obrigatoriedade de contratação de 8 GW em termelétricas inflexíveis a gás natural – exigência estabelecida pela Lei nº 14.182/2021, que tratou da privatização da Eletrobras – e elimina a reserva de 50% da demanda dos leilões A-5 e A-6 para hidrelétricas de até 50 MW.

Em substituição, a MP propõe a contratação de 4,9 GW em pequenas hidrelétricas, ao preço-teto do Leilão A-6 de 2019 corrigido pelo IPCA (R$ 397,56/MWh), com prazo de suprimento de 25 anos. A contratação será realizada a partir do primeiro semestre de 2026, com início de fornecimento entre 2032 e 2034. Segundo a ABRACE, essa mudança pode gerar uma economia de R$ 110 bilhões em custos com termelétricas ao longo dos próximos anos.

Charles Lenzi, presidente da ABRAGEL – associação que representa 75% das PCHs em operação no país –, destacou que a MP reforça a importância das PCHs como fonte limpa, renovável, de baixo custo e com capacidade de despacho. “A instituição de uma programação de leilões para PCHs, fonte 100% nacional, confirma o papel estratégico dessa geração para o país”, disse.

Boschin também considera positiva a contratação de PCHs, que geram energia de forma distribuída e impulsionam o desenvolvimento local. No entanto, ele ressalta que a maioria das PCHs não tem capacidade de armazenamento de energia, o que compromete seu papel como reserva de capacidade.

Santana, ex-diretor da Aneel, também critica a proposta. Para ele, trata-se de um erro grave. “Essas usinas não são despachadas pelo ONS. Vamos aumentar a inflexibilidade da oferta, quando o próprio ONS já projeta perda de potência crescente entre 2027 e 2029. Ou seja, vamos contratar como reserva usinas que precisam de reserva”, afirmou.

A ABRADEE, por outro lado, considera que a MP corrige distorções criadas pela derrubada dos vetos no marco das eólicas offshore. “Ao restabelecer o protagonismo do planejamento energético e condicionar novas contratações a critérios técnicos, a MP contribui para a previsibilidade e o equilíbrio do setor”, concluiu a entidade.

Novas regras para comercialização do gás natural

A ABRACE Energia disse que reconhece a importância da MP ao propor medidas para viabilizar a comercialização do gás natural da União por meio da PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.

A MP tem como principal mérito permitir que a PPSA acesse às infraestruturas de escoamento e processamento de gás, por meio de condições e valores definidos pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética). 

Para a ABRACE, essa medida viabiliza a comercialização do gás da União de forma mais ágil, enquanto se aguarda a regulação definitiva da ANP (Agência Nacional do Petróleo). No entanto, a ABRACE aponta que a solução proposta é limitada à PPSA e não se estende a outros agentes do setor, o que mantém barreiras à concorrência e à abertura efetiva do mercado.

Além disso, a entidade destaca preocupações quanto à possível sobreposição regulatória entre o CNPE e a ANP, sugerindo que as decisões do CNPE sejam transitórias. Outro ponto crítico é o risco de criação de subsídios cruzados no transporte do gás da União, que pode onerar os demais consumidores. 

Por fim, há o temor de que a manutenção da Petrobras como revendedora do gás da União perpetue sua posição dominante e dificulte a entrada de novos ofertantes, o que contraria os princípios de um mercado competitivo e dinâmico.

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Wagner Freire
Wagner Freire é jornalista graduado pela FMU. Atuou como repórter no Jornal da Energia, Canal Energia e Agência Estado. Cobre o setor elétrico desde 2011. Possui experiência na cobertura de eventos, como leilões de energia, convenções, palestras, feiras, congressos e seminários.

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