Sem transmissão não há transição energética

Embora pouco visível, a transmissão de energia é peça-chave da transição energética e enfrenta desafios
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Foto: Freepik

A transmissão de energia é um dos pilares invisíveis — mas absolutamente essencial — da transição energética. Nesta coluna, já abordamos inúmeras vezes os desafios operacionais da distribuição e geração de energia e os gargalos da integração das fontes renováveis intermitentes.

Imagine o setor elétrico como um time de futebol, onde cada uma das fontes (solar, eólica, hídrica, biomassa e térmica), espalhadas por diferentes parte do campo, com diferentes funções (atributos energéticos) precisam se organizar e interagir ativamente. 

Seria o esquema tático, alguns mais conservadores (hidrotérmicos), outros mais arrojados (renováveis). Sem uma rede de transmissão robusta e muito bem coordenada, esse jogo não se desenvolve e a energia não chega aos espectadores certos — ou melhor, às casas, indústrias e cidades que precisam dela.

Em um cenário de transição energética, a transmissão é crucial, justamente porque muitas usinas solares e eólicas estão localizadas em áreas remotas, longe dos grandes centros consumidores. 

A transmissão permite, portanto, a integração adequada destas fontes e levar essa energia limpa até onde ela é necessária.

Para além disso, uma rede bem planejada e estruturada ajuda a equilibrar oferta e demanda (compatibilizando critérios de segurança e estabilidade do sistema), evitando apagões e desperdícios (o chamado curtailment). Isso é ainda mais importante com fontes intermitentes como o sol e o vento.

Sem capacidade de transmissão, muitos projetos de energia renovável ficam engavetados. É atual problema maior do nosso SIN.

No Brasil, esse tema é especialmente relevante: cerca de 90% do território já está interligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), uma das maiores redes de transmissão do mundo. Isso coloca o país em posição estratégica para liderar uma transição energética justa, segura e inclusiva.

O curtailment tem sua disposição regulatória dada pela REN ANEEL 1.030/2022, que estabeleceu três condições para restrição da geração: 

  • Indisponibilidade externa, como gargalos originados pela Rede Básica e Demais Instalações de Transmissão (DITs);
  • Atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica, como a preservação da rede de transmissão; e
  • Razão energética, no cenário de descasamento entre a oferta e demanda de energia elétrica.

Em 2025, o problema do curtailment no Brasil continuou a crescer, refletindo o descompasso entre a expansão acelerada das fontes renováveis e a infraestrutura elétrica disponível para integrá-las ao sistema. Segundo a ePowerBay, mais de 129 GWh de energia solar foram desperdiçados apenas em janeiro de 2025, concentrados em subestações como Janaúba 3 (77,5 GWh), Jaíba (31,9 GWh) e Sol do Sertão (20 GWh) — todas em Minas Gerais.

Como solução para este problema, países investem em planejamento e novas tecnologias, visando essencialmente a eficiência e a redução de perdas. Linhas modernas e bem planejadas reduzem perdas de energia no caminho, tornando o sistema mais eficiente e sustentável.

Falando em novas tecnologias, dois exemplos emblemáticos de infraestrutura de transmissão de altíssima tensão estão moldando a transição energética global. Na China, redes com tecnologia UHV (Ultra-High Voltage) são agora amplamente executadas dentro de um contexto de um “super grid” nacional, com destaque para a linha Changji–Guquan, que detém o recorde mundial: transmite 12 GW de energia em corrente contínua (UHVDC) a 1.100 kV, por uma distância de 3.293 km. 

Essas linhas conectam regiões remotas, ricas em energia renovável (como o noroeste), aos grandes centros urbanos no leste do país. A rede chinesa já conta com 31 linhas UHV em operação, combinando tecnologias de corrente alternada (UHVAC) e contínua (UHVDC), permitindo uma integração massiva de fontes renováveis e redução significativa de perdas na transmissão.

Na Alemanha, o Projeto SuedLink é um dos maiores projetos de transmissão subterrânea em corrente contínua da Europa. Com 580 km de extensão e capacidade de 2 GW, ele conecta o norte da Alemanha (onde há grande geração eólica) ao sul industrializado, onde há maior demanda. 

Utiliza tecnologia HVDC ±525 kV com cabos de cobre de alta capacidade e isolamento em XLPE, garantindo eficiência e confiabilidade. Além de reduzir perdas, o SuedLink é essencial para integrar mais energia renovável à rede alemã e cumprir metas climáticas.

Assim, fica um pouco mais claro entender que a infraestrutura de transmissão desempenha um papel crucial na jornada global de descarbonização e atingimento de metas de energias limpas; seja pelo aumento de investimentos, seja pelo maior planejamento no processo de integração de fontes renováveis. 

As opiniões e informações expressas são de exclusiva responsabilidade do autor e não obrigatoriamente representam a posição oficial do Canal Solar.

Foto de Frederico Boschin
Frederico Boschin
Advogado formado pela UFRGS (2002). Especialista em Energias Renováveis pela PUCRS (2018), possui titulação de Mestre em Direito Econômico pela Universidade de Lisboa (2010) e MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2007). Atua profissionalmente na estruturação legal e regulatória de projetos de geração de energia por fontes renováveis (Eólica, Biomassa, CGHs e PCHs e Solar PV).

Uma resposta

  1. na área rural com apenas um fio de 110V é transferida energia e o neutro é aterrado no local.

    pode ser transferida a energia eólica com apenas um fio ?

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