A transmissão de energia é um dos pilares invisíveis — mas absolutamente essencial — da transição energética. Nesta coluna, já abordamos inúmeras vezes os desafios operacionais da distribuição e geração de energia e os gargalos da integração das fontes renováveis intermitentes.
Imagine o setor elétrico como um time de futebol, onde cada uma das fontes (solar, eólica, hídrica, biomassa e térmica), espalhadas por diferentes parte do campo, com diferentes funções (atributos energéticos) precisam se organizar e interagir ativamente.
Seria o esquema tático, alguns mais conservadores (hidrotérmicos), outros mais arrojados (renováveis). Sem uma rede de transmissão robusta e muito bem coordenada, esse jogo não se desenvolve e a energia não chega aos espectadores certos — ou melhor, às casas, indústrias e cidades que precisam dela.
Em um cenário de transição energética, a transmissão é crucial, justamente porque muitas usinas solares e eólicas estão localizadas em áreas remotas, longe dos grandes centros consumidores.
A transmissão permite, portanto, a integração adequada destas fontes e levar essa energia limpa até onde ela é necessária.
Para além disso, uma rede bem planejada e estruturada ajuda a equilibrar oferta e demanda (compatibilizando critérios de segurança e estabilidade do sistema), evitando apagões e desperdícios (o chamado curtailment). Isso é ainda mais importante com fontes intermitentes como o sol e o vento.
Sem capacidade de transmissão, muitos projetos de energia renovável ficam engavetados. É atual problema maior do nosso SIN.
No Brasil, esse tema é especialmente relevante: cerca de 90% do território já está interligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), uma das maiores redes de transmissão do mundo. Isso coloca o país em posição estratégica para liderar uma transição energética justa, segura e inclusiva.
O curtailment tem sua disposição regulatória dada pela REN ANEEL 1.030/2022, que estabeleceu três condições para restrição da geração:
- Indisponibilidade externa, como gargalos originados pela Rede Básica e Demais Instalações de Transmissão (DITs);
- Atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica, como a preservação da rede de transmissão; e
- Razão energética, no cenário de descasamento entre a oferta e demanda de energia elétrica.
Em 2025, o problema do curtailment no Brasil continuou a crescer, refletindo o descompasso entre a expansão acelerada das fontes renováveis e a infraestrutura elétrica disponível para integrá-las ao sistema. Segundo a ePowerBay, mais de 129 GWh de energia solar foram desperdiçados apenas em janeiro de 2025, concentrados em subestações como Janaúba 3 (77,5 GWh), Jaíba (31,9 GWh) e Sol do Sertão (20 GWh) — todas em Minas Gerais.
Como solução para este problema, países investem em planejamento e novas tecnologias, visando essencialmente a eficiência e a redução de perdas. Linhas modernas e bem planejadas reduzem perdas de energia no caminho, tornando o sistema mais eficiente e sustentável.
Falando em novas tecnologias, dois exemplos emblemáticos de infraestrutura de transmissão de altíssima tensão estão moldando a transição energética global. Na China, redes com tecnologia UHV (Ultra-High Voltage) são agora amplamente executadas dentro de um contexto de um “super grid” nacional, com destaque para a linha Changji–Guquan, que detém o recorde mundial: transmite 12 GW de energia em corrente contínua (UHVDC) a 1.100 kV, por uma distância de 3.293 km.
Essas linhas conectam regiões remotas, ricas em energia renovável (como o noroeste), aos grandes centros urbanos no leste do país. A rede chinesa já conta com 31 linhas UHV em operação, combinando tecnologias de corrente alternada (UHVAC) e contínua (UHVDC), permitindo uma integração massiva de fontes renováveis e redução significativa de perdas na transmissão.
Na Alemanha, o Projeto SuedLink é um dos maiores projetos de transmissão subterrânea em corrente contínua da Europa. Com 580 km de extensão e capacidade de 2 GW, ele conecta o norte da Alemanha (onde há grande geração eólica) ao sul industrializado, onde há maior demanda.
Utiliza tecnologia HVDC ±525 kV com cabos de cobre de alta capacidade e isolamento em XLPE, garantindo eficiência e confiabilidade. Além de reduzir perdas, o SuedLink é essencial para integrar mais energia renovável à rede alemã e cumprir metas climáticas.
Assim, fica um pouco mais claro entender que a infraestrutura de transmissão desempenha um papel crucial na jornada global de descarbonização e atingimento de metas de energias limpas; seja pelo aumento de investimentos, seja pelo maior planejamento no processo de integração de fontes renováveis.
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Uma resposta
na área rural com apenas um fio de 110V é transferida energia e o neutro é aterrado no local.
pode ser transferida a energia eólica com apenas um fio ?