O Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025, derivado da Medida Provisória 1.304/2025, recebeu avaliação positiva entre os entrevistados pelo Canal Solar, ainda que seu conteúdo não tenha agradado plenamente a todos os agentes do setor elétrico.
A proposta reúne um conjunto amplo de medidas: revisão de subsídios, criação de novos encargos, abertura do mercado livre, contratação de usinas hidrelétricas e termelétricas, novas regras para autoprodução, ressarcimento aos geradores por curtailment, incentivos ao armazenamento de energia, ampliação das funções da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e definição das condições para acesso e comercialização do gás natural da União, entre outros pontos.
Para o advogado Urias Martiniano G. Neto, especialista em regulação do setor elétrico, o texto final da MP não agradou a todos, mas representa avanços concretos. “Sempre haverá incômodos entre determinadas classes de agentes. Uma reforma nunca vai agradar a todos de forma plena. Existem pontos que poderiam ter sido melhor debatidos e discutidos, mas chegamos a um momento crítico do modelo setorial e da estrutura jurídica. Precisamos revisá-los e realocar adequadamente os custos, porque, no fim do dia, quem paga é o consumidor”, avaliou Neto.
O especialista destacou como ponto positivo a definição do desconto no fio. “Às vezes a gente se prende ao que não saiu como o esperado, mas esse ponto foi muito bem definido. A redação respeita o desconto para os geradores, tanto na geração quanto no consumo, garantindo segurança jurídica às operações de compra e venda de energia elétrica. Outro ganho foi a abertura de mercado. Há pontos de atenção sobre o preço de referência, mas, no geral, é um avanço importante. O setor precisava de uma reforma. Talvez não tenhamos avançado em tudo o que era desejado, mas evoluímos em várias frentes”, disse.
O PLV determina que novos consumidores que migrarem para o mercado livre não terão direito aos descontos nas tarifas de transmissão e distribuição. No entanto, os atuais consumidores livres poderão continuar negociando energia incentivada. O texto também estabelece que todos os consumidores conectados em baixa tensão poderão migrar para o mercado livre até 2028.
Para Silla Motta, CEO da consultoria Dona Lamparina e profissional com mais de 27 anos de experiência no setor, o momento é delicado: “Na minha opinião, estamos à beira de um colapso, algo que vem sendo anunciado pelo próprio Operador Nacional do Sistema”, alertou.
Ainda assim, ela vê aspectos positivos no texto.“De modo geral, a MP 1.304 trouxe avanços, principalmente na abertura do mercado livre e na preservação dos direitos da geração distribuída. Muitas vezes a GD é tratada como vilã do setor, e eu discordo totalmente disso. Ela contribui para aliviar o sistema e reduzir investimentos em redes de transmissão e distribuição – desde que o consumidor tenha um sinal de preço correto”, pontuou.
A MP originalmente previa uma cobrança de R$ 20,00 para cada 100 kW compensados em sistemas de micro e minigeração, mas esse ponto foi retirado antes da votação na Câmara dos Deputados.
“A GD é vista injustamente como um problema. No Reino Unido, por exemplo, empresas como a Octopus integram geração fotovoltaica, bombas de calor, veículos elétricos e sistemas de climatização, gerenciando tudo isso de forma inteligente. O resultado é flexibilidade e eficiência, com sinal de preço adequado. É isso que deveríamos buscar: menos intervenção, menos regulação excessiva e mais liberdade de mercado. O consumidor com GD deveria poder comercializar seus excedentes, seja com distribuidoras, comercializadoras ou outros consumidores, como já acontece em países que adotam o modelo peer to peer. A GD não é o problema; é parte da solução. O que falta é uma regulação estruturante que garanta energia barata, tarifa justa e liberdade de escolha, tanto para quem gera quanto para quem consome”, completou Motta.
Para Pedro Henrique Dante, sócio do Lefosse Advogados, o destaque da reforma está nos dispositivos voltados ao armazenamento de energia. O PLV cria uma subcategoria no REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) para incluir baterias, com benefícios limitados a R$ 1 bilhão por ano entre 2026 e 2030. O regime suspende a cobrança de PIS e COFINS sobre nacionalização e importação de equipamentos.
“Ainda não tem o detalhamento que todo mundo esperava, mas a criação da figura do armazenamento, do agente autônomo, dá uma segurança muito grande, especialmente para investidores estrangeiros. Certamente é o próximo passo, dado o crescimento das fontes renováveis. O armazenamento não vem para ser ‘a solução’, mas para ser um mecanismo de segurança para a próxima fase do setor”, afirmou Dante.
Um dos pontos mais controversos é a renovação de contratos de termelétricas a carvão, medida vista por muitos agentes como contrária aos objetivos da transição energética.
“Pelo tamanho do Brasil e pela complexidade do nosso sistema, a gente consegue conviver com todas as fontes de energia. Quando olhamos a transição energética, realmente a contratação compulsória de carvão parece não fazer sentido. Mas, considerando que o país precisa de energia firme, de potência, e de gás, eu acho que o governo tomou decisões dentro dessa diretriz. E,lógico, nesse lobby e conflito de interesses, algumas fontes acabam tendo mais apelo no Congresso. Infelizmente, no Brasil, as decisões nem sempre são técnicas – muitas vezes são políticas”, avaliou Dante.
Na mesma linha, Alexei Vivan, presidente da ABCE (Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica), também considera a medida questionável. “Entendemos que toda contratação obrigatória é ruim, e toda contratação inflexível também, porque tira do operador a capacidade de despachar o que tem melhor custo-benefício.”
Vivan destaca ainda os impactos financeiros das medidas. “Os principais pontos negativos são justamente essas contratações inflexíveis, especialmente as de carvão, que encarecem a conta. Além disso, a MP exclui do limite da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) vários itens que não deveriam ser excluídos. Outro ponto é a indenização por curtailment em casos de confiabilidade – algo que hoje só ocorre por razões de indisponibilidade externa. Essa mudança beneficia investidores de usinas eólicas e solares centralizadas, que têm enfrentado prejuízos bilionários, mas, ao mesmo tempo, tende a encarecer a conta do consumidor, que já arca com muitos subsídios”, avaliou.
O PLV cria um teto para a CDE, encargo que subsidia políticas públicas do setor, com base nos valores de 2025 – cerca de R$ 50 bilhões. Quem ultrapassar esse limite deverá arcar com um novo encargo. No entanto, o texto exclui diversas rubricas, como a Tarifa Social e o programa Luz para Todos, o que tende a manter o crescimento da CDE nos próximos anos.
Todo o conteúdo do Canal Solar é resguardado pela lei de direitos autorais, e fica expressamente proibida a reprodução parcial ou total deste site em qualquer meio. Caso tenha interesse em colaborar ou reutilizar parte do nosso material, solicitamos que entre em contato através do e-mail: redacao@canalsolar.com.br.