O Brasil está diante de uma decisão que pode definir o ritmo de adoção do armazenamento de energia nas próximas décadas. A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) avançou na regulamentação dos SAEs (Sistemas de Armazenamento de Energia Elétrica), mas o modelo de tarifação proposto ameaça transformar uma oportunidade estratégica em um freio para a inovação.
A proposta para SAEs autônomos — aqueles que não estão vinculados a uma usina geradora — prevê a cobrança de duas tarifas pelo uso da rede: uma na entrada (carga) e outra na saída (injeção). Tecnicamente, a agência argumenta que se tratam de serviços distintos. Na prática, porém, o setor enxerga algo mais preocupante: uma dupla tarifação que onera desnecessariamente um agente que não é nem consumidor final nem gerador convencional.
Ao olhar para fora, a diferença é gritante. Nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Austrália — países que lideram a transição energética — a regulação do armazenamento é construída para incentivar, e não para penalizar.
Nesses mercados, a tarifação costuma ocorrer apenas uma vez ou é reduzida no momento da recarga, justamente porque o armazenamento é visto como um serviço de apoio ao sistema elétrico. Mais que isso, há incentivos tarifários e fiscais para viabilizar economicamente os projetos e acelerar a integração de fontes renováveis.
O Brasil, ao insistir na cobrança dupla, envia um sinal contrário ao investimento. É como se disséssemos aos agentes: “Quer contribuir para a modernização da rede e aumentar a segurança energética? Então pague como se estivesse consumindo e gerando ao mesmo tempo”. O resultado previsível é a retração do interesse privado e o atraso na difusão dessa tecnologia, que é peça-chave para lidar com a intermitência da energia solar e eólica.
O diretor Fernando Mosna, ao pedir vista do processo, tocou no ponto central: o SAE precisa ser reconhecido como uma categoria própria, com regras adequadas à sua função. O enquadramento atual, que replica tarifas de consumidores e geradores convencionais, é um equívoco regulatório que ignora a realidade operacional do armazenamento.
Se mantida, essa abordagem encarecerá artificialmente o custo de operação, diminuirá receitas já limitadas pela falta de um mercado robusto para serviços ancilares e arbitragem de preços e, no fim, dificultará a evolução do sistema elétrico. O risco não é apenas tecnológico ou econômico — é estratégico.
O Brasil está em meio a uma transição energética que exige planejamento inteligente. Armazenar energia não é luxo: é condição para garantir confiabilidade, reduzir desperdícios e maximizar o potencial das renováveis. Criar barreiras na largada significa perder tempo e competitividade.
Ainda há espaço para corrigir a rota. Uma nova fase de consulta pública, aberta a contribuições do setor, pode alinhar a regulação brasileira às melhores práticas internacionais. Se quisermos um sistema elétrico moderno, resiliente e sustentável, precisamos tratar o armazenamento como aliado — e não como um intruso tarifado duas vezes.
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