O Brasil vive um momento decisivo em sua transição energética. Com mais de 3,8 milhões de unidades consumidoras com geração distribuída (GD) — sendo 3,1 milhões residenciais, segundo dados da ANEEL — o país demonstra o protagonismo do consumidor na busca por autonomia energética e economia.
Mas esse avanço, embora positivo, traz desafios urgentes para o sistema elétrico nacional.
O desafio da estabilidade
O crescimento acelerado da GD, especialmente solar, tem pressionado o grid em momentos de baixa demanda.
Sem mecanismos de flexibilidade, como o armazenamento de energia, o sistema precisa recorrer a cortes e desligamentos de usinas despachadas para manter o equilíbrio de frequência. Isso compromete a confiabilidade e a eficiência da operação.
Armazenamento: a peça que falta
Menos de 1% das unidades com GD possuem sistemas de armazenamento. Essa lacuna representa uma oportunidade estratégica desperdiçada. Integrar baterias aos sistemas já instalados pode:
- Reduzir a injeção de energia em momentos de baixa demanda;
- Aliviar pressões sobre as distribuidoras;
- Aumentar a resiliência do sistema elétrico;
- Gerar economia e autonomia para o consumidor;
- Viabilizar novos modelos de negócio, como serviços ancilares.
Em vez de penalizar a geração distribuída com cortes, o Brasil deveria investir em armazenar o excedente e reintegrá-lo ao grid nos picos de consumo. A tecnologia existe, o modelo é viável. O que falta é vontade política e regulação adequada.
O que podemos aprender com a Austrália?
A Austrália é um exemplo claro de como políticas públicas bem desenhadas podem acelerar a adoção de baterias residenciais. O programa Cheaper Home Batteries, com orçamento de A$ 2,3 bilhões, oferece subsídios de até 30% no custo de instalação de baterias entre 5 kWh e 100 kWh.
Além disso, o Small-scale Renewable Energy Scheme (SRES) concede certificados que geram descontos diretos, e governos estaduais complementam com subsídios ou empréstimos sem juros.
O resultado, segundo o Clean Energy Council, é que a procura por baterias domésticas cresceu 50% na segunda metade de 2024, consolidando o armazenamento como elemento central da transição energética australiana.
Uma agenda pública estratégica
Incentivar o armazenamento distribuído não é apenas uma pauta técnica, é uma agenda pública de relevância nacional. O Brasil precisa construir políticas que alinhem incentivos econômicos, regulação clara e fomento à inovação tecnológica para gerar escala e acelerar os benefícios para consumidores, distribuidoras e para o sistema como um todo.
O consumidor brasileiro já provou que está disposto a investir em energia solar. Agora, é hora de dar o próximo passo: transformá-lo em protagonista de um sistema mais descentralizado, limpo e inteligente.
O Brasil, com seu vasto potencial solar e já consolidada geração distribuída, tem todas as condições de adaptar práticas semelhantes para dar um salto qualitativo em sua matriz elétrica. Falta apenas uma política energética que enxergue o armazenamento como solução, não como luxo.
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