Corte de geração renovável: um panorama do curtailment

Avanço das renováveis acelera a transição elétrica e expõe desafios de escoamento e confiabilidade
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Foto: Voltalia/Divulgação

O avanço das energias renováveis no Brasil, com destaque para fontes intermitentes, vem promovendo uma transformação acelerada da matriz elétrica brasileira. É nesse crescimento que é exposto a fragilidade estrutural do sistema, principalmente, no que diz respeito ao escoamento da geração intermitente.

Esse efeito é evidenciado através de uma análise de perturbação, realizada no dia 15 de agosto de 2023, pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), na Linha de Transmissão (LT) de Quixadá (LT 500 kV Quixadá), localizada no Ceará; onde mostra que com o aumento do fluxo de potência ativa na LT, há o desligamento em cascata de diversas linhas e cargas, afetando o Nordeste e parte do Norte e Sudeste do país.

Segundo o Operador, em análise posterior, umas das explicações para a perturbação no sistema foi o aumento da geração fotovoltaica e eólica no SIN (Sistema Interligado Nacional).

O evento mostrou vulnerabilidades importantes, como por exemplo, a alta concentração de geração renovável (eólica e solar) em regiões com infraestrutura de transmissão limitada, como alguns estados do Nordeste e no norte de Minas; a falta de controle adequado de tensão e frequência em algumas usinas renováveis; e o risco sistêmico em horários de alta geração renovável com baixa demanda local.

Assim, foram adotadas medidas a fim de manter a estabilidade do SIN, como limites operativos conservadores, com o objetivo de preservar a segurança do sistema e evitar o despacho de usinas renováveis em áreas com malha de transmissão saturada.

Além disso, foi observado um aumento significativo no corte de geração renovável, especialmente no Nordeste do país. Segundo a ONS, esse efeito é chamado constrained-off ou curtailment. A Resolução Normativa n°1.073 de setembro de 2023, define eventos de restrição de operação por constrained-off de acordo com a motivação:

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico, esse efeito é chamado constrained-off ou curtailment. A Resolução Normativa n°1073 de setembro de 2023, define eventos de restrição de operação por constrained-off de acordo com a motivação:

I . Razão de indisponibilidade externa: motivados por indisponibilidades em instalações externas às respectivas Centrais Geradoras Fotovoltaicas ou conjuntos de Centrais Geradoras Fotovoltaicas conforme definições do art. 20-A.

II – Razão de atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica: motivados por razões de confiabilidade elétrica dos equipamentos pertencentes a instalações externas às respectivas Centrais Geradoras Fotovoltaicas ou conjuntos de Centrais Geradoras Fotovoltaicas conforme definições do art.20-A e que não tenham origem em indisponibilidades dos respectivos equipamentos.

III – Razão energética: motivados pela impossibilidade de alocação de geração de energia na carga.

Com isso, usinas renováveis (solar e eólica) passaram a ser notificadas pela ONS a fim de reduzir sua geração.

Portanto, o curtailment passou a ocorrer quase que diariamente, em especial nos estados da Bahia, Piauí e Minas Gerais; onde há forte concentração de geradores renováveis e menor consumo relativo. Segundo dados do ONS, mais de 1,2 TWh deixaram de ser gerados entre setembro de 2023 e junho de 2024 por corte de geração ou curtailment.

Dessa forma, o constrained-off, ou seja, a redução da geração de energias elétrica em usinas, dentro do contexto brasileiro, está ligado a fatores como: saturação da capacidade de transmissão, limitações operacionais no sistema interligado, excesso de geração frente à demanda local e, em menor escala, critérios de segurança energética.

Além do volume crescente, chama-se atenção o fato de que o corte de geração tem atingido usinas com contratos firmados, inclusive no ACR (Ambiente de Contratação Regulada), o que compromete a previsibilidade econômica dos projetos.

O estudo do EpowerBay mostrou que em julho de 2025, o Brasil teve cortes significativos de geração em quatro estados brasileiros, chegando a perdas superiores a 50%. Os gráficos abaixo mostram o ranking do constrained-off e o percentual de perda de cada conjunto.

Gráfico 1 – Perdas (%) por conjunto – ranking de constrained-off

Gráfico 01 Perdas por conjunto - ranking de constrained-off
Fonte: Adaptado do estudo da EpowerBay de Julho de 2025

Como pode ser visto no Gráfico 02, de maneira geral, no acumulado o estado da Bahia concentrou os maiores cortes de geração no mês de junho de 2025.

Gráfico 2 – Perdas (%) estados

Gráfico 02 Perdas (%) estados
Fonte: Adaptado do estudo da EpowerBay de Julho de 2025

Quando comparado ao cenário internacional, o corte de geração é tratado com planejamento antecipado, estímulo à flexibilidade e geralmente com compensações.

A Alemanha, por exemplo, possui capacidade de exportar através de interconexões com Polônia, França e Holanda; reduzindo saturações e prevendo ressarcimento integral por cortes de geração renovável.

Já a China, chegou a registrar curtailment superior a 20%, e após investimentos em sistemas elétricos complementares, como o de armazenamento energia, esse número caiu para menos de 6% em 2023.

O fenômeno do curtailment é sintoma de um sistema elétrico em transição, sua ocorrência tem sido agravada pela falta de integração entre geração e transmissão, pela rigidez contratual e pela ausência de mecanismos de flexibilidade.

Ao mesmo tempo em que o país amplia sua capacidade instalada com fontes renováveis, especialmente solar e eólica, surgem barreiras sistêmicas que impedem o pleno aproveitamento dessa energia limpa.

Algumas ferramentas podem ser utilizadas para mitigar o constrained-off, porém exige uma resposta coordenada entre agentes públicos e privados, que envolva não apenas investimentos, mas também reformas estruturais no modelo regulatório e comercial.

Uma dessas ferramentas é a expansão da Transmissão, reforçando a infraestrutura de escoamento. Atrasos em obras estratégicas, como as linhas do Projeto Nordeste–Sudeste, têm contribuído diretamente para o aumento de restrições operativas.

O armazenamento de energia elétrica é uma das ferramentas mais promissoras para mitigar os efeitos do curtailment em sistemas com alta penetração de fontes intermitentes, como a solar fotovoltaica e a eólica.

Nesses casos, o corte de geração de energia pode ser reduzido por meio do uso de sistemas de armazenamento, permitindo que a energia que, momentaneamente, não pode ser injetada na rede elétrica seja armazenada, em vez de ser reduzida ou ter sua geração interrompida.

Outro ponto essencial é a modernização operativa, com investimento em tecnologias que aumentem a flexibilidade e a operacionalidade do SIN.

A criação de novos produtos de flexibilidade, como reservas de capacidade e serviços ancilares, permitirá o uso mais eficiente dos recursos disponíveis, valorizando quem pode modular sua oferta ou demanda.

O Brasil tem potencial para liderar a transição energética global, só que para isso, a energia renovável precisa não apenas ser gerada, mas plenamente aproveitada.

As opiniões e informações expressas são de exclusiva responsabilidade do autor e não obrigatoriamente representam a posição oficial do Canal Solar.

Foto de Yanael Medeiros
Yanael Medeiros
Integra a equipe de engenharia da CS consultoria e serviços. Possui experiência no setor de energias renováveis com foco para energia solar e eficiência energética. Foi projetista e desenvolvedora de sistemas fotovoltaicos de baixa e média tensão. Admiradora e estudiosa de sistemas sustentáveis e fontes renováveis de energia.

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