Com o aumento consistente na demanda por energia elétrica no Brasil – que cresceu 3,9% em 2024, segundo dados da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) – cresce também a necessidade de modernização do sistema elétrico nacional.
Em meio a esse cenário de pressão por eficiência e estabilidade, a digitalização do sistema elétrico desponta como uma aposta para garantir uma infraestrutura energética mais ágil, segura e preparada para os desafios da geração descentralizada e da transição energética.
Essas estruturas tecnológicas representam um salto em relação aos sistemas analógicos convencionais, operando com sensores inteligentes, softwares avançados e comunicação padronizada via a norma internacional IEC 61850.
No Brasil, empresas como o Grupo Setta têm liderado iniciativas tecnológicas que colocam o país na rota da inovação.
Em entrevista ao Canal Solar, Gabriel Gomes, gerente de projetos da companhia, explica que essa padronização, além de facilitar a interoperabilidade entre equipamentos de diferentes fabricantes, acelera o tempo de resposta da rede frente a falhas e permite uma gestão mais eficiente, principalmente em um contexto de crescente integração de fontes renováveis, como solar e eólica.
Confira abaixo a entrevista completa:
Como a digitalização das subestações se alinha com as metas do Brasil para redução de emissões e ampliação da energia limpa?
Com a inserção dos IBRs na matriz energética vieram desafios para o sistema de proteção que fogem um pouco da filosofia convencional de proteção de sistemas. Somente com o processo de digitalização poderemos implantar mais lógicas e alternativas mais modernas para tornar o sistema mais confiável e livre de apagões ou não atuação adequada do sistema de proteção. Sem a digitalização não será possível gerenciar uma quantidade muito maior de ativos do sistema elétrico de forma eficaz como Bess ou IBRs dentre outros sistemas relacionados a energia limpa e renovável. Além disso, um sistema digital é mais compacto e utiliza uma quantidade de fios de cobre menor, o que contribui fisicamente para uma subestação com menor impacto ambiental.
A expansão das energias renováveis no Brasil, como solar e eólica, pressiona quais aspectos da rede elétrica? O que torna a digitalização uma resposta eficaz?
A expansão de renováveis tem tornado a matriz energética mais fraca (do ponto de vista de curto circuito) que a matriz mais antiga que era em sua maior parte hídrica. A inércia dos geradores fazia com que a filosofia de proteção convencional de distância 21 atuasse devidamente. Agora com a inserção dos IBRs, as filosofias de proteção precisam ser modernizadas, e mais funções lógicas deverão ser implementadas. A troca de mensagens entre inversores e relés de proteção do sistema deverá acontecer para melhorar a confiabilidade do sistema, e isso só será possível com uma digitalização de ponta a ponta.
Na prática, quais tipos de falhas ou riscos podem ser evitados com subestações digitais em comparação com modelos analógicos?
Pautada pela IEC61850, uma maior padronização e uma interoperabilidade entre fornecedores e fabricantes trará mais possibilidades de uma teleproteção mais efetiva entre subestações.Com essa interoperabilidade, será possível melhorar cada vez mais a interação entre subestações e mais lógicas de proteção poderão ser aplicadas trazendo mais retaguarda para o sistema. A exemplo, como já é requisitado pela ONS a necessidade do monitoramento de ausência de mensagens e intervalos anormais, será possível implementar rotinas de testes que trarão mais previsibilidade, atuando antes de um problema de fato ocorrer.
Qual o grau de adesão das concessionárias brasileiras à norma IEC 61850 atualmente? Há resistências ou lacunas de implementação?
De uma forma geral, a maioria das concessionárias entende que a migração para um sistema IEC61850 é inevitável, muitas concessionárias já implantaram projetos pilotos e trouxeram cases de sucesso. A resistência da implementação para novas subestações é mais baixa, no entanto, encontramos uma resistência maior para modernizar as subestações já existentes pois temos um impacto significativo em custo na modernização.
A capacitação de profissionais também é um desafio, assim como ataques cibernéticos também são pontos que precisam ser controlados.
Quais são os riscos de cibersegurança associados às subestações digitais e como eles estão sendo mitigados?
Diversos fabricantes no mercado já estão atuando com sistemas de proteção contra a ataque cibernéticos, a exemplo de sistemas como DMA “Data Management and Automation”, onde é possível gerenciar acessos PROXY com senha, usuário e registro de ações o que minimiza a necessidade de acesso aos IEDs, proporcionando mais segurança e rastreabilidade do sistema.
Quais são os principais desafios tecnológicos enfrentados pelo Setta Digital Labs no desenvolvimento de soluções para ambientes de alta demanda?
O principal desafio está em equilibrar um sistema tecnologicamente avançado, que integre conhecimento profundo de operação industrial, com um alto nível de cibersegurança, sem tornar a solução excessivamente complexa ou burocrática. É preciso garantir que as informações sejam de alta qualidade e seguras, ao mesmo tempo em que a experiência do usuário permaneça fluida, prática e eficiente. Esse equilíbrio exige inteligência técnica e sensibilidade para a realidade do chão de fábrica, entregando soluções que realmente funcionem na prática e que possam ser facilmente adotadas pelas equipes operacionais.
Como essas tecnologias contribuem para a segurança das equipes de operação e manutenção? Há dados comparativos sobre acidentes ou falhas evitadas?
No Brasil, empresas como Cemig, Neoenergia e Eletrobras já comprovaram quedas drásticas em acidentes após a migração para modelos digitais. Boa parte vem da redução de necessidade de intervenção física nas manutenções para verificar integridade dos sinais. Também com os LPITS (digitais) não temos mais ocorrência de explosão de TCs por secundário aberto. A supervisão dos circuitos de trip é programada em rotinas de auto teste que aumentam a confiabilidade da atuação de todas as proteções. Um exemplo, registrado pela ONS, é que existe uma redução de 61% de falhas por eventos humanos comparada a uma subestação convencional.
Quais os impactos da digitalização para o consumidor final? Podemos esperar tarifas mais baixas, maior estabilidade, ou ambos?
Podemos, de fato, esperar mais estabilidade do sistema. E com essa estabilidade aumentada, conseguimos otimizar o desempenho do sistema de gerenciamento de energia do SIN, o que pode trazer ao consumidor faturas mais baixas a longo prazo.
Quais tecnologias emergentes você acredita que vão complementar a digitalização das subestações nos próximos 5 anos?
No futuro próximo, a digitalização das subestações será impulsionada pela adoção de tecnologias como o Process Bus e TSN (Time-Sensitive Networking), tecnologias que fornecem flexibilidade, padronização e confiabilidade na comunicação entre os IEDs e outros equipamentos elétricos da subestação. Deve-se esperar ainda, maior presença dos IEDs virtualizados centralizando funções em servidores mais flexíveis e facilmente expansíveis. Cibersegurança é outro requisito, com a aplicação da norma IEC 62351 visando a proteção de sistemas digitais. Espera-se que os gêmeos digitais (Digital Twins) permitam a simulação em tempo real da subestação, auxiliando diagnosticamente os negócios de manutenção e comissionamento.
Como o Brasil se posiciona no cenário internacional em termos de digitalização do setor elétrico? Estamos atrasados ou na vanguarda?
O Brasil ocupa uma posição intermediária na digitalização do setor elétrico. Embora ainda não esteja na vanguarda como países europeus ou asiáticos, já possui alguns cases relevantes com uso da norma IEC 61850 e tecnologias como Process Bus, GOOSE e IEDs multifuncionais.Além disso, fabricantes globais com presença local fornecem soluções compatíveis com padrões internacionais. Isso mostra que o país está engajado na transformação digital do setor. No entanto, ainda há desafios importantes a superar, como a padronização entre concessionárias, a capacitação técnica da mão de obra e o fortalecimento da cibersegurança. A adoção de tecnologias como gêmeos digitais e virtualização ainda é pequena, mas tende a crescer com a evolução das redes. O Brasil não está atrasado, mas precisa acelerar a maturidade digital do sistema elétrico. A expectativa é que, nos próximos anos, avancemos com mais projetos em escala e maior integração entre sistemas.
A longo prazo, é possível imaginar uma rede elétrica autogerenciável, com mínima intervenção humana?
No futuro próximo, a digitalização das subestações será impulsionada pela adoção de tecnologias como o Process Bus e TSN (Time-Sensitive Networking), tecnologias que fornecem flexibilidade, padronização e confiabilidade na comunicação entre os IEDs e outros equipamentos elétricos da subestação. Deve-se esperar ainda, maior presença dos IEDs virtualizados centralizando funções em servidores mais flexíveis e facilmente expansíveis. Cibersegurança é outro requisito, com a aplicação da norma IEC 62351 visando a proteção de sistemas digitais. Espera-se que os gêmeos digitais (Digital Twins) permitam a simulação em tempo real da subestação, auxiliando diagnosticamente os negócios de manutenção e comissionamento.
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