Energia nuclear entra em nova fase global e Brasil precisa acompanhar, diz ABDAN

Ao Canal Solar, presidente da associação afirma: retomar investimentos na fonte é vital para garantir segurança do sistema elétrico
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Foto: Canva

A energia nuclear pode ser o único componente limpo capaz de sustentar a expansão das fontes renováveis no ritmo atual, garantindo estabilidade ao sistema elétrico e evitando cortes de geração já observados em diversos países. A avaliação é de Celso Cunha, presidente da ABDAN (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares), em entrevista exclusiva ao Canal Solar.

Segundo Cunha, o setor nuclear vive um novo ciclo de crescimento, respaldado por projeções da IEA (Agência Internacional de Energia). No cenário conservador, considerando apenas as políticas atuais, os investimentos mundiais na fonte devem chegar a US$ 70 bilhões anuais até 2030 e atingir uma capacidade instalada de 650 GW em 2050.

No cenário de emissões líquidas zero, o volume investido ultrapassa US$ 150 bilhões na próxima década, com mais de 1.000 GW em operação até 2050. Embora os grandes reatores continuem absorvendo a maior parte dos recursos, os SMRs (pequenos reatores modulares) despontam como tecnologia estratégica para acelerar a transição energética.

A IEA estima que, com políticas de incentivo, a capacidade global de SMRs possa saltar de 40 GW para 120 GW até 2050, elevando o investimento acumulado dos atuais US$ 5 bilhões para US$ 670 bilhões no período.

No Brasil, apenas as nucleares Angra 1 (657 MW) e Angra 2 (1,35 GW) operam atualmente, ambas no Rio de Janeiro. Angra 3, com 1.405 MW e 65% das obras concluídas, está paralisada desde 2015, mas tem previsão de conclusão para o fim de 2028.

Para Cunha, retomar os investimentos é vital para garantir energia de base e maior segurança no abastecimento no sistema elétrico brasileiro, com destaque para o potencial dos SMRs – usinas de 30 MW a 300 MW capazes de atender tanto a rede elétrica quanto consumidores industriais eletrointensivos, como data centers.

A energia nuclear é considerada uma fonte limpa porque, durante sua operação, praticamente não emite gases de efeito estufa – o que a diferencia das termelétricas a carvão, óleo ou gás. Isso significa que ela pode gerar grandes quantidades de eletricidade de forma contínua sem contribuir diretamente para o aquecimento global.

Além disso, por ser uma fonte despachável, ela complementa bem as renováveis intermitentes, como solar e eólica, ajudando a manter a estabilidade do sistema elétrico. No entanto, os desafios ambientais existem e não são pequenos.

O principal é a gestão dos rejeitos radioativos, que precisam ser armazenados e monitorados com segurança por centenas de anos. Outro ponto é o risco, ainda que baixo, de acidentes nucleares, que podem ter consequências severas para o meio ambiente e a saúde pública.

Um exemplo é o  acidente de Fukushima, que ocorreu em março de 2011, no Japão, após um terremoto seguido de um tsunami que atingiu a usina nuclear Fukushima Daiichi. Politicamente, as consequências foram profundas. O Japão desligou todas as suas usinas nucleares nos anos seguintes, revisando completamente sua política energética e endurecendo padrões de segurança.

No cenário internacional, países como Alemanha e Itália aceleraram planos de abandono da energia nuclear, enquanto outros reforçaram regulações e exigências técnicas. O episódio também reacendeu o debate público sobre segurança, custos e papel da energia nuclear na transição energética.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Celso Cunha, presidente da ABDAN. Foto: LinkedIn/Reprodução

Estamos entrando numa nova fase da energia nuclear no mundo?

Essa fase começou há uns sete anos e agora estamos em velocidade de cruzeiro. O volume de investimentos globais no setor nuclear mais que dobrou. Até o Banco Mundial abriu uma linha para financiar a nuclear. Em 2019, a ONU, por meio da Agência Internacional de Energia Atômica, deixou claro: sem nuclear, não haverá transição energética.

Vários países que eram contra estão voltando: Itália e Espanha discutem SMRs (pequenos reatores modulares), a Alemanha enfrenta custos altíssimos de energia, e até a Polônia decidiu substituir 17 térmicas a carvão por SMRs. A China constrói 20 reatores ao mesmo tempo. EUA e outros países avançam rápido. Os SMRs são mais seguros, com sistemas passivos que evitam riscos como os de Fukushima, e permitem descarbonizar setores como siderurgia, cimento e mineração.

O Brasil precisa voltar a investir em energia nuclear? Por quê?

Sim. Aceleramos demais a entrada das renováveis e isso gerou um descompasso no sistema. Não é só a transmissão, bateria ou hidrogênio que vão resolver. Já deslocamos hidrelétricas para equilibrar oscilações, mas 40% delas têm mais de 40 anos e não foram projetadas para isso. Precisamos de energia de base: óleo, carvão, nuclear ou gás. Óleo e carvão estão descartados por emissão e a nuclear é limpa.

Hoje, grandes usinas nucleares levam menos tempo para construir. A França faz em 72 meses, China em 56 meses. SMRs poderão ser instalados em menos de três anos, fabricados em série e transportados prontos para o local. Além disso, conseguem operar com altíssima disponibilidade e podem fazer load flow, acompanhando variações de carga, o que ajuda a integrar mais renováveis sem comprometer a estabilidade do sistema.

Mas a nuclear não é cara? Como está a curva de custos?

O custo caiu muito. A vida útil das novas usinas é de 60 anos, podendo chegar a 100 anos, o que dilui o investimento. Um SMR hoje pode gerar a cerca de US$ 60/MWh (cerca de R$ 300), contra térmicas a gás que chegam a R$ 2.400. Angra 3, mesmo com todos os problemas, está na faixa de R$ 640/MWh.

Além disso, SMRs permitem investimento escalonado, entrando em operação por módulos, o que facilita o fluxo de caixa e o ajuste à demanda. E com a metodologia e a regulação corretas, podemos replicar no Brasil o tempo de construção mais rápido visto lá fora.

O que a ABDAN tem feito para promover os SMRs no Brasil?

Desde 2019, fomos pioneiros. Encomendamos estudo de quase mil páginas, fizemos um roadmap, criamos um fórum de SMRs com participação da EPE e especialistas internacionais. Trouxemos a EPE para o debate, promovemos cursos com a Agência Internacional de Energia Atômica e estamos dialogando com a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear para que a norma regulatória, em consulta pública, contemple os SMRs. A expectativa é que até novembro a norma esteja publicada.

Qual a situação de Angra 3?

É um problema político, não técnico. Já há consenso técnico e financeiro. A conta é simples: ou se gasta R$ 25 bilhões para terminar, ou R$ 23 bilhões para não ter nada. É 1,4 GW no centro de carga do país, próximo a grandes consumidores como data centers, que precisam de energia firme. Inclusive, sugeri ao ministro oferecer energia de Angra 3 a esses data centers para viabilizar a conclusão da obra. Existe lei que obriga a finalização – a questão é quem vai terminar.

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Wagner Freire
Wagner Freire é jornalista graduado pela FMU. Atuou como repórter no Jornal da Energia, Canal Energia e Agência Estado. Cobre o setor elétrico desde 2011. Possui experiência na cobertura de eventos, como leilões de energia, convenções, palestras, feiras, congressos e seminários.

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