A sanção da Lei 15.269/2025, resultante da MP 1304/2025, abriu um novo campo de incertezas no setor elétrico brasileiro. Para o advogado Raphael Gomes, sócio de Energia do Lefosse Advogados, o texto final “é amplo, complexo e mexe com pelo menos onze aspectos estruturais do mercado”.
Em entrevista exclusiva ao Canal Solar, ele aponta que alguns vetos trazem avanços, outros criam insegurança jurídica, e alguns podem desencadear uma nova onda de litígios no país.
No centro da disputa estão três temas explosivos: autoprodução, curtailment e acesso a descontos tarifários, todos com impacto direto sobre investimentos bilionários, infraestrutura digital, data centers e a própria transição energética.
Um dos vetos mais relevantes, segundo o advogado, foi o que atingiu o §8º do Art. 16-B, que restringia operações de autoprodução. A manutenção do trecho, afirma ele, criaria um descompasso entre os prazos de entrada em operação de novas usinas e o ritmo de instalação de infraestrutura digital.
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“Tenho clientes que estavam considerando ir para outros mercados. Uma usina leva de dois a quatro anos para ficar pronta; um data center fica pronto em poucos meses”, diz.
Gomes acrescenta que o parágrafo vetado prejudicaria a competitividade da indústria de hidrogênio verde, dependente hoje da fonte hidráulica, e poderia comprometer iniciativas alinhadas às discussões da COP30.
Outro ponto sensível é o veto ao Art. 1º-A da Lei 10.848, que criaria uma via de compensação para cortes de geração ocorridos entre 2023 e 2025. O Congresso aprovou dois dispositivos sobre o mesmo tema — os artigos 1-A e 1-B — com redações contraditórias. O veto ao primeiro, somado à manutenção do §11 do Art. 1º, deixou o assunto em aberto.
“O 1-B é restritivo e não traz prazos. Já o §11 impede ressarcimento quando há restrição no parecer de acesso, mas não deixa claro se a restrição é no ponto específico ou em qualquer ponto da rede”, afirma.
O especialista relata casos de empresas que enfrentam cortes por razões não relacionadas às restrições previstas em seus pareceres e que, ainda assim, podem ficar sem compensação. “Isso não resolve o problema e pode manter ou até ampliar a judicialização”, diz.
O 1-B também trata apenas do período até 26 de novembro de 2025. Não há definição para o tratamento do curtailment após essa data, mesmo considerando outorgas com duração de 30 anos.
Gomes destaca ainda o §14 do Art. 26 da Lei 9.427, que impede consumidores que migrarem ao mercado livre após a sanção da lei de acessar o desconto na TUSD para fontes incentivadas.
O dispositivo afeta diretamente empresas que estudam instalar data centers no Brasil. “Anunciaram o Redata dizendo que contratar energia renovável era condição, mas quem chegar ao país após 26 de novembro não terá esse benefício”, aponta.
Para o advogado, retirar atributos de outorgas já vigentes gera questionamentos constitucionais e reduz a competitividade do país na disputa por investimentos em infraestrutura digital.
Três vetos devem dominar o debate no Congresso
Apesar do recesso parlamentar próximo, Gomes avalia que há espaço político para reversão de alguns vetos. Os temas mais mobilizados devem ser:
- §8º do Art. 16-B (autoprodução);
• uso de usinas existentes na geração distribuída;
• Art. 1º-A do curtailment.
A eventual restauração do Art. 1º-A, diz ele, seria a mudança com maior impacto. “Ele restabelece uma matriz de risco mais equilibrada. É custo imediato ao consumidor, mas menor do que deixar o problema evoluir para encargo ou para quebra de agentes”, afirma.
Já a derrubada do veto ao §8º do Art. 16-B, segundo ele, teria efeito negativo expressivo.
Próximos passos das empresas
O escritório já atende empresas que esperavam a definição da lei para decidir se iriam ingressar com ações. Com o cenário atual, a perspectiva é de novos litígios. “Com a tratativa atual, podemos ter mais uma onda de judicialização”, afirma.
Para consumidores interessados em autoprodução, o veto ao §8º abre uma janela de três meses para formalização de contratos com usinas existentes. Para geradores afetados por curtailment, a recomendação é aguardar o desfecho legislativo antes de adotar medidas judiciais.
“Após a definição, o mercado precisará se preparar — seja para assinar o termo de compromisso, seja para judicializar.”
A avaliação de Gomes indica que a Lei 15.269, em vez de encerrar discussões históricas, reacendeu debates sobre segurança jurídica e alocação de riscos, com efeitos diretos no planejamento de expansão e na atração de investimentos estratégicos.
O desfecho dos vetos, no Congresso ou na regulamentação, deverá definir o grau de estabilidade regulatória do setor elétrico nos próximos anos.
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