O Brasil desperdiçou 20,6% de toda a energia solar e eólica disponível ao longo de 2025, segundo levantamento da Volt Robotics.
O dado escancara um gargalo crescente do setor elétrico nacional: a dificuldade do sistema em absorver, de forma eficiente, a rápida expansão das fontes renováveis.
Em termos econômicos, o estudo aponta que a energia não aproveitada representou uma perda superior a R$ 6 bilhões no período.
O impacto vai além do prejuízo financeiro direto, afetando a previsibilidade dos projetos, pressionando receitas de geradores e aumentando a percepção de risco para novos investimentos em energia limpa no país.
De acordo com a análise, o problema se intensificou entre agosto e outubro, intervalo marcado por três recordes consecutivos de cortes de geração, conhecido como curtailment.
Nesse período, a combinação de oferta elevada, limitações na infraestrutura de transmissão e restrições operativas levou ao desligamento forçado de usinas, mesmo com recursos naturais abundantes.
O ápice ocorreu em outubro, quando o volume médio de energia cortada atingiu cerca de 8.000 MW médios.
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Evolução mensal dos cortes desde outubro de 2021, com recordes históricos consecutivos de cortes nos meses de agosto, setembro e outubro de 2025. Fonte: Volt Robotics
O estudo mostra que após atingir níveis críticos no terceiro trimestre, o volume de cortes de geração passou a recuar em novembro, indicando uma inflexão temporária no comportamento do sistema elétrico.
Segundo o estudo, no mês passado os cortes caíram para cerca de 4.600 MW médios, com impacto financeiro estimado em R$ 700 milhões, abaixo dos R$ 1,1 bilhão registrados em outubro.
Em dezembro, a tendência de redução se acentuou ainda mais, com os cortes recuando para aproximadamente 1.700 MW médios.
Apesar do alívio observado no fim do ano, o estudo ressalta que a melhora tem caráter conjuntural. A redução está associada principalmente ao fim da safra dos ventos e à consequente diminuição natural da geração eólica, e não a avanços estruturais na capacidade do sistema elétrico de absorver a expansão das fontes renováveis.
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Evolução da geração e dos cortes mensais ao longo de 2025. Fonte: Volt Robotics.
A análise mostra ainda que os cortes de geração se concentraram, principalmente, no Rio Grande do Norte, Ceará e Minas Gerais, estados com forte presença de usinas eólicas e solares.
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Cortes de geração no mês de novembro, por estado. Fonte: Volt Robotics.
Ainda de acordo com a Volt Robotics, em novembro 72% da energia cortada veio de usinas eólicas, enquanto 28% foram de usinas solares, evidenciando o peso da fonte eólica nos eventos de curtailment mais severos.
Os gráficos por conjuntos elétricos indicam ainda uma grande disparidade entre grupos de usinas: enquanto alguns conjuntos registraram cortes superiores a 120 MW médios, outros ficaram abaixo de 1 MW médio, indicando gargalos específicos de rede e limitações regionais de escoamento.
Um dos pontos mais críticos e curiosos destacados no relatório é o comportamento do sistema aos domingos, especialmente no período da manhã. Com consumo baixo e alta oferta renovável, esses dias passaram a funcionar com um verdadeiro teste de estresse do SIN (Sistema Interligado Nacional).
O estudo identificou 16 dias críticos em 2025, nos quais mais de 80% da geração renovável disponível foi cortada nas horas centrais do dia.
O gráfico, que retrata o comportamento do sistema no domingo, 16 de novembro de 2025, mostra com clareza o descompasso entre oferta e demanda ao longo do dia.
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Corte de geração horário no domingo, dia 16 de novembro de 2025. Fonte: Volt Robotics
A linha laranja contínua representa a disponibilidade total das usinas solares e eólicas, que se mantém elevada durante o período diurno, quando há maior incidência solar e boas condições de vento.
Já a linha verde tracejada indica a geração de referência, ou seja, o volume de energia que poderia ser produzido caso não houvesse restrições operativas.
No entanto, o gráfico revela que essa energia não chega integralmente ao sistema. A geração limitada, representada pela linha laranja tracejada, reflete o teto imposto pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Entre 7h e 17h, esse limite cai de forma significativa, atingindo o ponto mais baixo por volta das 11h, justamente quando a disponibilidade renovável é maior. A geração real, mostrada pela linha verde contínua, permanece abaixo tanto da geração potencial quanto da geração autorizada, evidenciando a necessidade de cortes.
A área cinza do gráfico sintetiza esse fenômeno: trata-se do corte de geração , que corresponde à diferença entre o que poderia ser gerado com os recursos naturais disponíveis e o que efetivamente foi injetado no sistema. Nos horários centrais da manhã e do início da tarde, os cortes atingem seu pico, indicando um excesso estrutural de oferta em relação à capacidade de absorção do sistema.
O estudo alerta que, em cenários extremos, mesmo com o corte quase total da geração centralizada solar e eólica sob controle do ONS, ainda pode haver excesso de energia devido à geração distribuída, especialmente solar.
A análise da carga diária mostra que o período de festas amplia ainda mais o risco. A expectativa é de uma queda de cerca de 8.600 MW médios no consumo diário no fim de 2025, criando um cenário de baixa demanda combinada com alta oferta renovável.
Mesmo com cortes totais da geração centralizada, pode haver sobra estrutural de energia, exigindo ações emergenciais do ONS
Respostas institucionais e papel do consumidor
Diante do cenário, o relatório aponta avanços institucionais importantes. A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e o ONS reconheceram formalmente o risco e aprovaram um Plano Emergencial, que inclui medidas extraordinárias, como a possibilidade de corte de usinas conectadas à distribuição em situações extremas
Outra frente é o uso de sinais tarifários, como a ampliação da tarifa branca para grandes consumidores de baixa tensão.
Segundo o estudo, a adesão voluntária a esse modelo foi inferior a 0,1%, o que levou o regulador a avaliar sua aplicação automática como instrumento de segurança sistêmica
Por fim, o estudo também destaca que o papel do consumidor pode fazer parte da solução, ao deslocar consumos flexíveis como máquinas de lavar, aquecimento de água e carregamento de veículos elétricos para manhãs e fins de semana, períodos de maior sobra de energia renovável.
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