Crises logísticas, conflitos internacionais e alta imprevisibilidade nas rotas comerciais têm colocado uma forte pressão sobre os custos de importação no setor solar brasileiro. E enquanto o mercado tenta se adaptar, distribuidoras e integradores se veem diante de uma equação cada vez mais delicada: formar estoques ou correr o risco da escassez? Fechar contratos longos ou seguir no modelo sob demanda?
Para entender melhor esse cenário de incertezas, o Canal Solar conversou com Lívia Verjovsky, Diretora de Novos Negócios na WM Trading, empresa especializada em comércio internacional. Com ampla experiência na análise do comportamento dos fretes globais, a profissional avalia os principais fatores que impactam o fluxo logístico da cadeia solar e aponta os caminhos para um setor mais estratégico e menos vulnerável a choques externos.
Na entrevista a seguir, a executiva comenta a influência dos conflitos políticos, da sobretaxação, da volatilidade cambial e explica como o setor precisa amadurecer a gestão de risco nas importações para enfrentar o “novo normal” logístico.
Como você enxerga o atual momento do mercado internacional de fretes e quais são os principais fatores geopolíticos e logísticos que impactam o segmento?
O mercado de fretes internacionais é historicamente volátil, mas se torna ainda mais imprevisível diante de fatores extraordinários. A navegação comercial de grande escala está concentrada em poucos grandes players, que atuam em regime de alianças (joints) e, na prática, intensificam o monopólio do setor.
Com isso, há um deslocamento voluntário das frotas para rotas de maior rentabilidade, reduzindo a oferta em mercados considerados secundários. Fatores geopolíticos, como os conflitos no Oriente Médio, a guerra entre Rússia e Ucrânia e o uso estratégico de passagens como o Canal de Suez, impactam diretamente o fluxo logístico global.
Esses eventos não só interferem na circulação dos navios, como também alteram a alocação de recursos pelas companhias, produzindo efeitos indiretos na balança comercial dos países afetados. A imprevisibilidade virou regra, e o risco logístico precisa ser tratado como um componente estratégico das operações internacionais.
Quais as consequências diretas dessa conjuntura para a cadeia de fornecimento do setor solar brasileiro, especialmente no que diz respeito ao comportamento dos distribuidores e integradores?
Distribuidores e integradores se veem diante de um contexto extremamente volátil, marcado por incertezas severas na formação de preços dos produtos. A instabilidade cambial, a dependência de componentes importados e a pressão por custos logísticos crescentes dificultam previsões e decisões estratégicas.
Nesse cenário, manter estoques deixou de ser uma vantagem e passou a representar um risco significativo, dado que o valor dos equipamentos pode sofrer variações negativas em curto prazo. Com isso, muitos optam por operações mais enxutas, priorizando compras sob demanda e contratos de curto prazo, o que afeta diretamente a fluidez da cadeia de fornecimento.
Como essa pressão logística deve influenciar a dinâmica comercial do setor nos próximos meses? Podemos esperar um movimento de retração, renegociação de contratos ou revisão de estratégias comerciais?
A pressão logística, somada à conjuntura macroeconômica e à sobretaxação imposta pelo governo, tende a acentuar um movimento de retração no mercado solar. A elevação dos custos e o aumento da incerteza regulatória levam empresas a revisarem suas estratégias comerciais, com foco em negociações mais conservadoras.
Espera-se uma revisão nos contratos vigentes, com maior incidência de renegociações e uma preferência por vendas casadas (combinação de equipamentos e serviços) e operações de curto prazo, como forma de mitigar riscos financeiros e preservar margens.
Diante da dificuldade em formar estoques e da necessidade de repassar custos, quais devem ser os impactos na precificação final dos projetos solares? Isso pode frear a expansão da geração distribuída no segundo semestre?
A expansão da geração distribuída já vem apresentando sinais de retração, impactada por fatores como o baixo preço da energia no mercado livre e o descompasso entre o retorno dos projetos e o risco incorrido.
Com a dificuldade de formação de estoques e a necessidade constante de repassar custos, a precificação dos projetos solares torna-se instável. Não é possível garantir a validade dos preços por períodos mais longos, o que compromete a previsibilidade financeira e a viabilidade de novos empreendimentos.
Esse cenário cria um ciclo de hesitação: os investidores questionam se vale a pena colocar o projeto de pé sem saber ao certo os custos envolvidos e enfrentando um risco regulatório crescente. Com isso, a tendência é de um segundo semestre ainda mais contido em termos de novos investimentos.
O que você acredita que o setor deveria aprender ou mudar estruturalmente após mais esse ciclo de estresse logístico? Estamos diante de um momento pontual ou de uma transformação mais profunda nas cadeias globais de suprimentos?
O setor solar brasileiro precisa encarar esse novo ciclo de estresse logístico como um sinal claro de transformação estrutural nas cadeias globais de suprimentos. A volatilidade do afretamento internacional evidenciou como a falta de preparo e de inteligência de mercado pode tornar empresas extremamente vulneráveis.
Durante o auge da demanda por insumos solares, os principais armadores criaram linhas específicas para essas cargas, com tarifas diferenciadas e realocação de navios para atender essa pressão — algo que beneficiou apenas quem estava preparado para acompanhar esses movimentos.
Poucas empresas, como a WM Trading, investiram em análises estruturadas do mercado internacional para entender e acompanhar a formação real do preço médio do frete. A maioria operou baseada em uma falsa sensação de estabilidade, o que resultou em grande fragilidade quando a conjuntura se agravou.
Apesar de estarmos, sim, diante de uma transformação mais profunda nas cadeias de suprimentos, é preciso reconhecer que o mercado já aprendeu, em certa medida, com esse ciclo de estresse logístico.
Os “ups and downs” dos fretes continuarão acontecendo, seja por fatores geopolíticos, climáticos ou estratégicos — e isso deve ser considerado o novo normal. No entanto, é importante destacar que as intempéries logísticas estão longe de ser o principal entrave ao crescimento do setor solar no Brasil.
A discussão vai muito além disso, envolvendo questões regulatórias, retorno sobre investimento, competitividade energética e maturidade do modelo de geração distribuída. O aprendizado mais importante, portanto, é que o setor precisa se profissionalizar com uma visão mais estratégica, integrando a logística ao planejamento de negócios e entendendo que os desafios de mercado são multifatoriais, não se resumem ao transporte.
Considerando o histórico recente de choques logísticos (pandemia, guerra na Ucrânia, Mar Vermelho), o setor solar brasileiro precisa amadurecer sua gestão de risco nas importações? Como?
Sem dúvida. O setor solar brasileiro ainda precisa amadurecer substancialmente sua gestão de risco nas importações. A sucessão de choques logísticos — pandemia, guerra na Ucrânia, tensões no Mar Vermelho — evidenciou a fragilidade de muitos operadores que passaram a depender de um cenário de previsibilidade que já não existe.
A gestão de risco precisa deixar de ser reativa e passar a ser parte do planejamento estratégico. Isso inclui a criação de modelos de precificação mais flexíveis, o monitoramento constante das rotas e políticas internacionais, a diversificação de fornecedores e rotas logísticas, e a internalização de expertise sobre o comportamento dos armadores.
Empresas que se limitaram a seguir os preços de mercado, sem desenvolver mecanismos próprios de análise, ficaram vulneráveis à oscilação dos custos. A maturidade virá com a capacidade de ler o cenário global com antecedência e tomar decisões comerciais e logísticas baseadas em dados, não em suposições.
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