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Sobre camelos e dromedários

Cada consumidor tem uma “identidade energética” que traduz seus hábitos de consumo em curvas de carga

Autor: 23 de abril de 2024Opinião
8 minutos de leitura
Sobre camelos e dromedários

Hhábitos dos consumidores se materializam por meio de curvas de consumo de energia elétrica. Foto: Freepik/Divulgação

Os consumidores de energia tomam suas decisões individualmente.

Cada fábrica escolhe o início e o fim dos seus turnos de trabalho; o comércio possui suas variações, dependendo de ser um comércio de bairro ou uma loja dentro de um shopping center; e o mesmo ocorre nas residências, com banhos de chuveiro pela manhã, no fim da tarde ou no meio da noite, utilização da máquina de lavar roupa durante a semana ou somente no sabadão, e assim por diante.

Todos esses hábitos acabam se materializando por meio de curvas de consumo de energia elétrica. Cada consumidor acaba tendo uma “identidade energética”, que traduz os seus hábitos de consumo em curvas de carga.

Em vários lugares do mundo, entre eles a Califórnia (EUA), a curva de carga da rede é conhecida como Duck Curve (Curva de Pato), que é quando há uma diferença muito grande entre os momentos de alto consumo versus aqueles com alta injeção de energia na rede elétrica.

Esse é um fenômeno altamente indesejado e que precisa ser controlado para que não haja colapso do sistema elétrico. A forma mais eficiente de manter esse relacionamento amigável com a rede é armazenar parte ou toda a energia excedente dos momentos de pico de geração para descarregá-la na rede nos horários de pico de consumo.

Já no Brasil, as figuras apresentadas abaixo mostram as curvas de consumo horário para um período de uma semana (o dia 1 é o domingo).

Na Figura 2, por exemplo, podemos observar o perfil de um consumidor que só consome energia durante o dia, com uma pequena pausa para o almoço, todos os dias da semana, incluindo sábados e domingos.

Figura 2 – Consumidor que só consome energia durante o dia, todos os dias da semana

Figura 2 – Consumidor que só consome energia durante o dia, todos os dias da semana

Figura 3 – Consumidor que só consome energia durante a madrugada, todos os dias da semana

Figura 3 – Consumidor que só consome energia durante a madrugada, todos os dias da semana

Finalmente, na Figura 4, podemos observar um consumidor que não consome durante os fins de semana.

Figura 4 – Consumidor que só consome energia durante o dia, durante a semana

Figura 4 – Consumidor que só consome energia durante o dia, durante a semana

No fim das contas, hábitos diferentes significam necessidades diferentes. Entender esses hábitos significa saber que oferta fazer a cada tipo de consumidor, de modo que o valor agregado por um serviço ou produto seja maximizado, elevando a satisfação do cliente e sua fidelização.

Na Volt Robotics, nós desenvolvemos algoritmos inteligentes que mapearam esses hábitos para mais de 30 mil consumidores e, assim, conseguimos saber para quem ofertar armazenamento, geração solar, eficiência energética etc.

Nossos clientes utilizam esses perfis para atuarem comercialmente nas localidades e regiões em que seus produtos e serviços são competitivos, realizando ofertas imbatíveis.

Eis o depoimento de um cliente Volt que atua com sistemas híbridos com energia solar e sistemas de armazenamento “Reduzimos a área de atuação da nossa equipe comercial e concentramos as ações de marketing, incluindo as mídias digitais, para as regiões em que nossos consumidores target estavam localizados. O resultado: reduzimos custos e aumentamos as vendas. Foi algo que parecia impossível”.

Mas o sistema é composto por milhões de consumidores, cada um com seus hábitos e com sua identidade energética. Ao somar todas essas identidades energéticas, obtemos o perfil de consumo do Brasil. Acessando o site do ON (Operador Nacional do Sistema Elétrico), podemos visualizar o perfil de consumo do Brasil em diferentes épocas.

Por exemplo, em um dia útil típico de 2017, o Brasil possuía o perfil de consumo apresentado na Figura 4.

Figura 4 – Perfil de consumo do Brasil em um dia útil de 2017

Figura 4 – Perfil de consumo do Brasil em um dia útil de 2017

Nota-se um consumo decrescente da meia-noite até às 4 horas da manhã; a partir de então, o consumo se eleva até às 11 horas, apresenta leve redução para o almoço e uma leve retomada no início da tarde, apresentando nova elevação de consumo no fim da tarde, entre 17h e 18h, e então um declínio até às 23 horas.

Um dos desafios operacionais que o ONS enfrentava todo o dia, era ter máquinas disponíveis em usinas hidroelétricas e termoelétricas para serem progressivamente acionadas de modo a fazer a oferta de energia ser suficiente para atender o consumo de forma segura.

Somente para se ter uma noção numérica do desafio, às 4h o consumo era da ordem de 52.000 MW, enquanto às 11h o consumo era da ordem de 66.000 MW. Ou seja, em sete horas havia uma elevação de 14.000 MW de consumo, ou uma “rampa” de 2.000 MW por hora. No fim da tarde, em apenas uma hora, o consumo apresentava um pico importante, com uma rampa de 5.000 MW por hora.

Assim, todos os dias, um dos grandes desafios da operação é conseguir fazer as usinas seguirem as rampas de consumo. É algo que deve ocorrer todos os dias, sem direito a sábados, domingos ou feriados.

Avançando um pouco no tempo, chegamos a 2023 e fizemos a mesma análise em um dia útil típico, resultando na curva alaranjada da Figura 5.

O primeiro fato notável é o crescimento do consumo, sobretudo no horário de pico, às 18h: em 2017, o pico era de aproximadamente 70.000 MW; em 2023, 81.000 MW. Um aumento de quase 16%, ou um aumento anual equivalente de 2,5%.

Figura 5 – Perfil de consumo do Brasil em um dia útil de 2023

Figura 5 – Perfil de consumo do Brasil em um dia útil de 2023

O segundo fato notável é o fim da rampa da manhã. Em 2017, como já vimos, a rampa era de 2.000 MW por hora; em 2023, ela se reduziu para menos de 500 MW por hora.

Será que os consumidores mudaram tanto assim os seus hábitos de consumo? Os sistemas de transporte deixaram de transportar pessoas pela manhã? Os escritórios e as fábricas deixaram de começar seus expedientes pela manhã?

A resposta é NÃO. O que ocorreu foi que o consumo sistêmico passou a ser atendido durante as manhãs pela energia solar, tanto centralizada quanto descentralizada.

Em 2017, a fonte solar praticamente inexistia. Atualmente, são mais de 28.000 MW de capacidade instalada em geração descentralizada, e mais 14.000 MW em geração centralizada. Em termos de energia, são cerca de 8.000 MWmédios, tal como ilustrado na Figura 6.

Figura 6 – Expansão da geração solar centralizada e descentralizada

Figura 6 – Expansão da geração solar centralizada e descentralizada

Se, por um lado, a curva da manhã foi eliminada pela geração solar, no fim da tarde – quando o sol se põe – o aumento do consumo passou a ocorrer em um ritmo mais intenso.

Em 2023, a rampa da tarde se inicia praticamente às 11h, com um consumo da ordem de 65.000MW, e chega ao pico de 81.000 MW às 18h, ou seja, a rampa dura sete horas, a um ritmo de aumento de carga de aproximadamente 2.300 MW por hora.

Resumindo, atualmente há uma única rampa vespertina, de 2.300 MW por hora; em 2017, a rampa mais intensa era de 2.000 MW por hora e ocorria pela manhã, e outra rampa ocorria bem no fim da tarde. É como se o camelo tivesse se transformado em um dromedário!!!

Essas rampas podem ser vistas como um risco à operação ou como uma oportunidade de negócios. Tudo depende de como evoluirmos a regulação e, sobretudo, a formação de preços.

Se a rampa for encarada somente como um risco, a solução será contratarmos muitas termoelétricas para serem acionadas durante o período da tarde para termos segurança no atendimento aos picos de consumo. O custo será altíssimo e, provavelmente, socializado entre todos os consumidores por meio do Encargo de Capacidade.

Se a rampa for encarada como oportunidade, aprimoraremos os mecanismos de preço e a estrutura tarifária para refletirem a necessidade de recursos caros no fim do dia. O preço da energia e a tarifa serão mais caros no fim da tarde, e mais baratos nos períodos de baixo consumo (madrugadas ou manhãs, por exemplo).

Os consumidores, querendo fugir dos preços caros e, ao mesmo tempo, consumir nos horários de preços mais baixos, mudarão seus hábitos e suas “identidades energéticas”, instalarão sistemas de armazenamento e o consumo à tarde será reduzido, a curva de carga terá um pico bem menor, reduzindo – consequentemente – a necessidade das termoelétricas.

Reduzindo-se o pico de consumo no fim da tarde, a curva deixa de ficar parecida com o dromedário, dando origem a um novo animal que ainda teremos que estudar com cuidado. Na sua opinião, que bicho seria este? Deixe seus comentários a este artigo e participe da discussão.

Donato da Silva Filho

Donato da Silva Filho

Diretor Geral da Volt Robotics. Fundador da Volt Robotics, é pioneiro na redefinição do panorama energético através de inteligência artificial. Com uma sólida base em engenharia elétrica e vasta experiência em planejamento energético, Donato canalizou mais de 20 anos de expertise acumulada em regulação, gestão de ativos e comercialização de energia no lançamento da Volt Robotics em 2020.

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