Com a colaboração de Jonas de Almeida Rodrigues e Pedro Felício Corrêa de Araújo
O novo regulamento para o compartilhamento de postes, aprovado pela ANEEL em 2 de dezembro de 2025 no âmbito do Processo nº 48500.902691/2024-57, é o resultado de um profundo debate regulatório.
O Voto-Vista da Diretora Agnes Maria de Aragão da Costa foi o instrumento que deu o tom à decisão final, privilegiando o equilíbrio e a legalidade em detrimento de uma imposição generalizada.
A Diretora Agnes destacou logo no início de sua análise a superveniência do Decreto nº 12.068/2024, que trata da prorrogação das concessões de distribuição e trouxe novas diretrizes para o compartilhamento, exigindo uma reanálise de todo o processo regulatório anterior.
A Questão Crítica: Não à Cessão Compulsória e a Defesa da Modicidade Tarifária
O ponto de maior relevância do voto é a rejeição da regra que tornava obrigatória a cessão da exploração comercial da infraestrutura a um terceiro, o “posteiro”. Em seu voto-vista a Diretora argumentou que impor essa transferência de forma compulsória estava em desalinho com o arcabouço regulatório do setor elétrico.
O poste, sendo um ativo essencial e indivisível da distribuição de energia, gera receitas acessórias que, pelo modelo de Tarifa Teto (Price Cap), devem ser revertidas para o consumidor, garantindo a modicidade tarifária. A cessão compulsória desvinculava essa receita do regime tarifário, ameaçando o interesse do consumidor final de energia.
O voto-vista deixou claro que o papel da ANEEL é proteger esse interesse, limitando a figura do “posteiro” a ser uma opção estratégica da distribuidora ou uma sanção regulatória, imposta apenas em casos de falha na gestão ou interesse público comprovado.
O Foco em Segurança e Organização
Além do aspecto econômico, o voto deu especial atenção à segurança operacional e à organização da infraestrutura. A nova regra impõe metas claras e mensuráveis, como a elaboração de um Plano de Regularização dos Postes Prioritários e a determinação de que as distribuidoras e as empresas de telecomunicações atuem na identificação e remoção de cabos irregulares. A Diretora ressaltou que a remoção de ativos ociosos ou não identificados é crucial para a segurança e para a vida útil dos ativos, exigindo uma atuação firme, com custos dessa atividade considerados na metodologia de precificação.
A Busca pelo Preço Justo: A Consulta Pública está de volta
O próximo capítulo desta história é a definição de quanto, de fato, as distribuidoras podem cobrar pelo ponto de fixação. A ANEEL determinou a abertura da segunda fase da Consulta Pública nº 73/2021 justamente para fechar o novo valor de referência.
É importante ressaltar que a ANEEL não vai impor um preço contratual. Ela vai definir um teto regulatório — um valor que precisa ser estritamente orientado a custos, para garantir a neutralidade e evitar abusos no mercado.
A determinação final sobre este ponto ilustra a cautela da Agência em construir uma solução com base técnica e ampla discussão:
“instaurar, condicionada à assinatura da REN (Resolução) conjunta pela ANEEL e ANATEL, a segunda fase da Consulta Pública nº 73/2021, pelo período de 60 dias, com vistas a colher subsídios e contribuições adicionais acerca da proposta de metodologia para definição do preço regulado para compartilhamento dos pontos de fixação dos postes de energia elétrica, constante da Nota Técnica nº 106/2023.” (Voto-Vista da Diretora Agnes Maria de Aragão da Costa, 02/12/2025)
Esta determinação consolida a busca por um valor que garanta a transparência e a neutralidade competitiva entre os setores, cumprindo o duplo papel da ANEEL: zelar pela qualidade do serviço de energia e promover o acesso não discriminatório à infraestrutura para as telecomunicações.
Com a aprovação, o processo segue agora para a ANATEL, marcando o fim de uma longa disputa regulatória e o início de uma nova fase que promete mais organização, segurança e equilíbrio entre os interesses da energia e das telecomunicações no país.
Porque é relevante no judiciário de Minas Gerais (e do Brasil)
No Judiciário, a maior fonte de conflito no compartilhamento de postes tem sido a interpretação divergente da Resolução Conjunta nº 004/2014 (Aneel/Anatel). Embora o seu preço de referência tenha natureza apenas indicativa, ele passou a ser utilizado como se fosse um valor obrigatório.
O que era para ser um preço orientativo, estimulou uma onda de ações judiciais voltadas a revisar contratos formados com base nos custos reais das distribuidoras.
O resultado é conhecido: centenas de demandas alegando onerosidade excessiva apenas porque o preço contratual diverge do valor de referência, ignorando que, pelo modelo legal vigente (art. 73, parágrafo único, da Lei Geral de Telecomunicações), o compartilhamento de infraestrutura sempre foi regido pela liberdade contratual e pela negociação paritária.
Essa distorção afasta a análise dos elementos essenciais da formação do preço — operação, manutenção, investimento, depreciação e carga tributária — e cria risco direto à modicidade tarifária, já que preços artificialmente reduzidos acabam pressionando o serviço público de energia.
A nova decisão da ANEEL, reforçada pelo voto-vista da Diretora Agnes Costa, tende a recolocar o sistema nos trilhos. Ao reafirmar que o preço de referência não é obrigatório e que qualquer valor regulatório deve ser tecnicamente orientado a custos, a Agência corrige justamente a premissa que alimentou anos de judicialização. Com a reabertura da Consulta Pública nº 73/2021, o marco regulatório avança para um modelo mais claro, transparente e alinhado à realidade operacional do setor.
Assim, para o judiciário de Minas Gerais (e do Brasil), o novo regulamento representa a chance de reduzir sensivelmente o volume de litígios e restaurar a segurança jurídica dos contratos, devolvendo ao compartilhamento de postes a lógica que sempre deveria prevalecer: liberdade contratual, sustentabilidade econômica e proteção ao consumidor de energia.
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