A revisão normativa da geração distribuída e o setor elétrico brasileiro

É notório que a competência conferida à ANEEL – para a edição de regulamentos afetos ao setor elétrico

O modelo do SEB (Setor Elétrico Brasileiro) foi concebido em 1997, pautado na política institucional da época, com foco na competição, no estímulo à participação do capital privado (livre concorrência) e na presença de um Estado regulador, tendo como princípios norteadores a modicidade tarifária, a universalidade e a segurança energética.

Isso posto, tem-se que o citado modelo trazia como premissa básica a orientação para as funções de planejamento setorial de longo, médio e curto prazos e, como tal, fundamentou-se em:

  • um grande “encontro de contas” entre os agentes do setor; pois havia um grande volume de dívidas entre os diversos agentes (especialmente distribuidoras devendo a geradoras) e governos (o setor elétrico era eminentemente estatal, com poucas empresas privadas e até reestatizadas);
  • um programa de desverticalização setorial – separação entre geração, transmissão e distribuição;
  • um programa de privatizações – especialmente de distribuidoras, com forte incentivo à livre iniciativa, com premiação à produtividade e eficiência operacional através de mecanismos previstos nas revisões tarifárias;
  • lançamento das bases para a criação do MAE (Mercado Atacadista de Energia) e de uma política de descontratação (25% do mercado das distribuidoras a cada ano).

Atualmente, o modelo até então adotado tem passado por profundas transformações e vivencia hoje uma nova fase, qual seja, a era da smart energy aliada à era “3D” no setor de energia: descentralização, descarbonização e digitalização do setor elétrico.

Em função dessa reestruturação do SEB, novos modelos de geração de energia estão surgindo, tendo como exemplos a geração distribuída, o armazenamento de energia (storage) e um forte estímulo à eficiência energética.

No entanto, ainda se verificam entraves como o elevado custo final da energia no Brasil, as diversas incertezas e inseguranças regulatórias afetas ao tema, bem como o peso tributário e dos demais encargos regulatórios, que tornam a energia elétrica do país uma das mais caras do mundo.

Segundo dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) – empresa ligada ao MME (Ministério de Minas e Energia) – a micro e a mini-geração distribuídas atingiram 3 GW de potência instalada, com grande destaque para a fonte solar fotovoltaica.

Com a publicação da REN 482 (Resolução Normativa 482/2012) da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e suas alterações posteriores (Resoluções Normativas ANEEL 687/2015 e 786/2017), a GD (geração distribuída) de energia inaugura essa fase descentralizada no SEB, na qual o consumidor brasileiro passou a poder gerar sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis – solar, eólica, hidráulica e cogeração qualificada – e, inclusive, fornecer o excedente de energia para a rede de distribuição de sua localidade, através do sistema de compensação de energia (Net Metering).

De acordo com a ANEEL, os estímulos à geração distribuída e à autoprodução da energia justificam-se pelos benefícios que estes modelos podem proporcionar ao sistema elétrico, como adiamento de investimentos em expansão dos sistemas de transmissão e distribuição, baixo impacto ambiental, redução no carregamento das redes, minimização de perdas elétricas e diversificação da matriz energética.

Nesse contexto, reportando à minuta provisória de texto que alterará a REN 482 – resultado da Audiência Pública no 001/2019 –, espera-se que a ANEEL, por intermédio da Consulta Pública nº. 25/2020, que tem por objetivo a obtenção de subsídios e informações adicionais para a elaboração da minuta final de texto, aproveite a oportunidade para colocar fim às instabilidades e inseguranças regulatórias existentes mediante a eleição de critérios objetivos, que, de fato, atendam às finalidades e necessidades setoriais.

É notório que a competência conferida à ANEEL – para a edição de regulamentos afetos ao setor elétrico – deve ser necessariamente pautada em políticas e diretrizes previamente estabelecidas pelo Governo Federal, o que se justifica diante da necessidade de se manter os objetivos a serem alcançados pelos regulamentos, evitando- se, dessa maneira, comandos desproporcionais ou desarrazoados, que fogem das finalidades originariamente previstas pela norma, bem como assegurando pleno acesso aos serviços de energia elétrica.

Desta feita, espera-se que a minuta final de texto que alterará a REN 482 consista em comandos legais exequíveis, de fácil entendimento e aplicação, proporcionando relação pacífica entre os agentes setoriais, o que se dará por meio da edição de dispositivos regulatórios estáveis e que resultem em segurança jurídica para os envolvidos, de forma a evitar tratamentos injustos e desiguais, que, a seu turno, desencadeiam recursos administrativos e judiciais, degradando, em consequência, as relações que deveria, na verdade, harmonizar.

Imagem de Marina Meyer Falcão
Marina Meyer Falcão
Presidente da Comissão de Direito de Energia da OAB /MG. Professora da PUC em Pós Graduação de Energia Solar. Secretária de Assuntos Regulatórios e Diretora Jurídica no INEL. Advogada especialista em Direito de Energia. Diretora Jurídica da Energy Global Solution. Co-Autora de três livros em Direito de Energia. Membro da Câmara de Energia, Petróleo e Gás da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Ex-superintendente de Políticas Energéticas do Estado de Minas Gerais.

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