A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) deu mais um passo no processo de regulamentação dos SAEs (Sistemas de Armazenamento de Energia Elétrica) no Brasil, mas a decisão final foi adiada após pedido de vista do diretor Fernando Mosna.
O principal ponto de divergência está no modelo de tarifação para SAEs autônomos – aqueles que não estão vinculados a uma usina geradora. Pela proposta da área técnica, acompanhada pelo relator Daniel Danna e apoiada por outros dois diretores, esses sistemas pagariam tarifas pelo uso da rede tanto na entrada (carga) quanto na saída (injeção de energia).
Para a ANEEL, trata-se de dois serviços distintos. Já agentes do setor afirmam que a medida representa uma dupla cobrança, capaz de encarecer artificialmente a operação e afastar investimentos.
Mercados mais avançados no armazenamento, como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Austrália, adotam modelos que reduzem custos de acesso e incentivam a inserção de baterias no sistema.
Nesses países:
- A tarifação costuma ocorrer uma única vez ou com valor reduzido para o fluxo de recarga, reconhecendo que o armazenamento não é consumo final, mas serviço sistêmico;
- Há incentivos tarifários e fiscais para viabilizar projetos, apoiando a modernização da rede e a integração de renováveis;
- Serviços como estabilidade de frequência ou absorção de excedentes renováveis recebem tarifas diferenciadas ou isenções.
Segundo o conselheiro do INEL (Instituto Nacional de Energia Limpa), José Marangon, manter a bitarifação no Brasil vai na contramão dessa lógica. “Replicar tarifas aplicadas a consumidores e geradores convencionais desconsidera o papel estratégico do SAE. Podemos comprometer a integração de renováveis e a segurança energética”, afirma.
O diretor Fernando Mosna reforçou que o SAE não deve ser enquadrado nem como gerador nem como consumidor, mas como um agente com características próprias, que demanda um tratamento regulatório específico.
A regulamentação do SAE vem sendo debatida desde 2023, em um modelo dividido em três ciclos. O advogado Matheus Soares, especialista do setor na Martorelli Advogados, explica que o primeiro ciclo trata de temas urgentes, como enquadramento jurídico, acesso à rede e remoção de barreiras iniciais.
Os ciclos seguintes abordarão pontos mais complexos, como procedimentos de rede, classificação como ativos de transmissão ou distribuição, regras de operação e empilhamento de receitas.
“A vantagem é criar um arcabouço inicial para viabilizar projetos e leilões. O risco é postergar definições essenciais ao modelo de negócio, gerando insegurança jurídica e afastando investidores”, avalia Soares.
Para ele, o consenso até agora é o enquadramento do SAE como PIE (Produtor Independente de Energia,) figura já consolidada no setor. O grande impasse continua sendo a bitarifação. “O ideal é adotar um regime tarifário diferenciado, que reconheça os benefícios sistêmicos do armazenamento”, afirma.
O CEO da Envol Energy, Alexandre Viana, destaca como avanço a permissão para empilhamento de receitas, que permite ao SAE atuar em diferentes frentes, como energy shifting, serviços ancilares e mercado de capacidade. Mas considera a bitarifação um risco para a viabilidade econômica.
“Eu tenderia a cobrar apenas conforme o uso principal da bateria: na injeção, quando opera como gerador; ou no consumo, quando atua para gestão de demanda (peak shaving). Classificar por função evitaria distorções”, diz Viana.
Para Viana, a urgência é clara: “mesmo que o custo das baterias ainda esteja caindo, sem regulação não há mercado. Austrália, Califórnia, Inglaterra e Alemanha estão anos à frente. Se quisermos atrair investimentos, precisamos aprovar a norma até o fim do ano”.
O setor aguarda a conclusão do primeiro ciclo para viabilizar o primeiro leilão de capacidade com baterias no Brasil, possivelmente entre abril e junho de 2026. Há interesse de investidores de perfis variados, desde grandes geradores a empresas focadas no consumidor final.
Viana estima que, se o país conseguir instalar 2 GW de capacidade em baterias nos próximos cinco anos, seriam mobilizados cerca de R$ 11 bilhões em investimentos. “É um movimento estratégico para a transição energética. Mas, para isso, precisamos de uma regulação que incentive, e não que barre, o armazenamento”, conclui.
Todo o conteúdo do Canal Solar é resguardado pela lei de direitos autorais, e fica expressamente proibida a reprodução parcial ou total deste site em qualquer meio. Caso tenha interesse em colaborar ou reutilizar parte do nosso material, solicitamos que entre em contato através do e-mail: redacao@canalsolar.com.br.