Armazenamento de energia minimiza oscilações devido à inconstância do vento e da irradiação

Especialista José Marangon comenta suas percepções sobre o setor elétrico e o segmento de armazenamento de energia no Brasil
Armazenamento de energia minimiza oscilações devido à inconstância do vento e da irradiação

O engenheiro José Wanderley Marangon Lima, especialista em geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, atua principalmente em pesquisas sobre reestruturação do setor elétrico, mercado de energia elétrica, tarifação da transmissão e distribuição, operação de sistemas elétricos e confiabilidade composta.

O especialista possui mestrado em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Itajubá e doutorado em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Foi coordenador e pesquisador em mais de 20 projetos de P&D da ANEEL e atualmente ministra diversos cursos nestas áreas e é consultor de órgãos do governo e de empresas privadas. O Canal Solar conversou com o engenheiro para saber suas percepções sobre o setor elétrico e o segmento de armazenamento de energia no Brasil.

Como os sistemas de armazenamento podem participar do setor elétrico brasileiro?

Com a entrada das usinas renováveis, notadamente as usinas eólicas e as solares, a intermitência começa a representar um desafio para a operação do sistema.

Neste sentido, o armazenamento pode contribuir para minimizar estas oscilações oriundas da inconstância do vento e da irradiação solar. Podemos classificar como três grandes mercados em função da quantidade de energia armazenada e da potência de descarga.

  • Mercado de grande porte (sazonal), onde se necessita de grandes quantidades de energia a ser armazenada por um longo período de tempo (semanas e meses). Necessário para fazer frente à contínua diminuição dos nossos reservatórios e à grande concentração de eólicas no Nordeste.
  • Mercado de médio porte (semanal), para estabilizar as oscilações entre os dias e as semanas, aproveitando variações climáticas e de calendário.
  • Mercado de pequeno porte ou de curto prazo (diário), para estabilizar as oscilações horárias derivadas das oscilações da curva de carga. 

Para cada tipo de aplicação existe um conjunto de tecnologias mais apropriado. 

Como os sistemas de armazenamento têm sido usados no exterior?

As baterias eletroquímicas (por exemplo, de chumbo-ácido ou de lítio), devido a sua facilidade de instalação, modularização e mobilidade, têm sido as mais utilizadas em aplicações junto ao consumidor e em algumas subestações na rede de distribuição. 

No caso do consumidor residencial, muitas empresas têm fornecido baterias de lítio em conjunto com placas solares para controlar a demanda junto à rede ou mesmo oferecer serviços para a rede. 

Para o consumidor comercial e até mesmo industrial, elas têm a função de achatar o pico de potência, minimizando o pagamento de tarifa de demanda. Aplicações em redes de distribuição e até em transmissão têm sido observadas na Califórnia e na Austrália, mas com incentivos governamentais. 

Sistemas de armazenamento são viáveis?

O custo de implantação de armazenadores ainda é alto quando se compara com a receita obtida, ou por serviços prestados às redes, ou mesmo por arbitragem de preços no mercado de energia. Existe um enorme esforço de pesquisa para diminuir estes custos. 

Mesmo tecnologias associadas à energia gravitacional, que já estão maduras, como as usinas reversíveis, necessitam de investimentos em obras civis e locais adequados. No Brasil, em alguns casos onde a diferença entre a tarifa de ponta e fora ponta é muito alta, baterias de lítio estão sendo utilizadas em aplicações comerciais para substituir geradores a diesel.

Onde este tipo de projeto é mais rentável?

Um dos desafios do momento é avaliar os benefícios trazidos pelo armazenamento na operação da rede elétrica, na postergação de investimentos da rede, no provimento de serviços ancilares etc.

A partir da quantificação destes benefícios é possível precificá-los e aí avaliar onde essas unidades de armazenamento são rentáveis. Em muitos estudos já realizados, conforme já mencionado, o custo dessas unidades é alto frente ao benefício que elas trazem. 

No entanto, com o aumento da penetração de renováveis esses benefícios começam a ser significativos. Por exemplo, na Inglaterra estão construindo uma usina reversível (pumped hydro) de 450 MW  para estabilizar a energia eólica offshore.

É possível conciliar armazenamento de energia e a tarifa branca?

Como a tarifa branca é basicamente destinada aos consumidores residenciais, as baterias eletroquímicas são as mais recomendadas. Com o custo dessas baterias no Brasil (1 kWh em torno de R$ 3,5 mil), o tempo de  payback acaba sendo muito longo.

Qual o potencial de mercado para as indústrias nacionais do setor produtivo de armazenamento de energia?

Alguns fabricantes que já estão no mercado de baterias no Brasil já começam a vislumbrar oportunidades, principalmente para as baterias de lítio, mas tudo vai depender do incentivo do governo e da intensificação da entrada das fontes renováveis no país. 

Uma grande oportunidade são os sistemas isolados, principalmente na região amazônica. Por outro lado, a REN 482/12, apesar de ter dado um grande impulso à geração fotovoltaica, acaba inibindo a entrada das baterias. 

Você pode comentar os principais aspectos dos mercados internacionais mais maduros nesse segmento?

Com a descarbonização do setor elétrico, a entrada da energia renovável tem sido marcante em vários países que tinham a geração térmica (principalmente a carvão) como a principal parcela da matriz energética. Esta mudança no perfil da geração tem trazido problemas na operação em vários países. 

Em muitos casos a própria geração térmica tem sido o agente estabilizador da intermitência. Na Europa o gás natural ainda é muito importante tanto para a geração efetiva como para fazer o papel de backup das usinas renováveis. 

O armazenamento se faz cada vez mais presente à medida que instrumentos de política e de regulação como as metas de diminuição de emissão de CO₂ estão sendo usados, muitas vezes não considerando os custos efetivos.

Muito se fala atualmente sobre a falta de regulação específica para a inserção do armazenamento no Brasil. Como está isso?

Está aberta a tomada de subsídio 11/20 que trata justamente do armazenamento. A ANEEL fez uma análise do que está acontecendo em alguns países e pede para que os agentes deem sugestões. Nesta tomada tem um conjunto de perguntas que os agentes podem responder e contribuir.

Existe um cronograma ou uma previsão de publicação de uma resolução normativa para sistemas híbridos com baterias?

Uma das aplicações de sistemas de armazenamento está relacionada com a sua conjugação com sistemas de geração renovável (sistemas híbridos geração-armazenamento).

Existe um grande potencial nesta área, pois o armazenamento permite ao gerador fornecer além da energia a potência em sistemas eólicos e solares. Acredito que no caso de geradores com baterias acopladas não haveria necessidade de regulamentação específica pois seriam aplicações “behind the meter”.

A ausência de uma resolução normativa está freando o desenvolvimento dessas tecnologias no Brasil?

O Brasil sempre teve inércia e armazenamento natural fornecidos pelos reservatórios das hidrelétricas, além de um sistema de transmissão com capacidade de transferência de energia entre suas regiões. As próprias eólicas do NE estão utilizando a bateria virtual do SE para firmar sua energia.

No entanto, os reservatórios estão minguando pela restrição ambiental e pela hidrologia baixa dos últimos anos, o que estimula o aparecimento de armazenamentos mensal e sazonal.

No campo da baixa e média potências, existe a [resolução normativa] 482 de 2012, que utiliza o sistema elétrico como bateria virtual mas que cedo ou tarde vai sofrer alterações que vão impulsionar as baterias eletroquímicas.  Em resumo, acho que ainda não é a regulação a principal barreira mas pode vir a ser.

Como é a regulação nos países em que o armazenamento decolou (Ásia, Europa, Austrália, EUA)? Quais dessas iniciativas poderiam ser aplicadas em nosso mercado?

Eu diria que não decolou pois não se tem regulação específica. Na Inglaterra está até se discutindo se continua a ser caracterizado o armazenador como um gerador. Existem incentivos tributários no financiamento para as renováveis acopladas ao armazenamento nos EUA e algumas diretivas específicas como a do CAISO (Operador do Sistema Independente da Califórnia) para as concessionárias instalarem armazenamento de 450 MW (4 horas) na Califórnia para evitar o que ocorreu no verão passado. A Austrália e a China têm grandes projetos de se tornar provedores de hidrogênio.

Imagem de Ericka Araújo
Ericka Araújo
Head de jornalismo do Canal Solar. Apresentadora do Papo Solar. Desde 2020, acompanha o mercado fotovoltaico. Possui experiência em produção de podcast, programas de entrevistas e elaboração de matérias jornalísticas. Em 2019, recebeu o Prêmio Jornalista Tropical 2019 pela SBMT e o Prêmio FEAC de Jornalismo.

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