Em meio a maior crise hídrica dos últimos 91 anos, o Brasil iniciou o 4º trimestre de 2021 com pouco mais de 3,1 mil termelétricas em operação, segundo dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Tratam-se de usinas mais caras, poluentes e que têm o seu custo de funcionamento repassado ao consumidor final.
Dados do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) mostram ainda que o país nunca gerou tanta eletricidade em centrais termelétricas como em agosto deste ano. De acordo com o último boletim, foram 14.143 GWh produzidos no período – um aumento de 12% em relação ao auge da última crise hídrica, em 2015.
Somente na última semana, duas novas termelétricas foram inauguradas nas cidades do Rio de Janeiro (RJ) e de Boa Vista (RR). No município carioca, foi colocada em operação a UTE GNA I – a segunda maior usina térmica do país, com 1.338 MW de capacidade instalada e que teve investimentos de R$ 5 bilhões para a sua construção.
Já em Roraima, houve a inauguração da Usina Termelétrica Jaguatirica II e que, segundo o Governo Federal, vai agregar 141 MW ao sistema elétrico estadual. Os investimentos previstos na construção do empreendimento foram da ordem de R$ 1,9 bilhão.
De acordo com Gustavo Tegon, co-fundador da Esfera Solar, o Brasil deveria investir menos em usinas poluentes e focar mais esforços em incentivos para geração de energias renováveis, principalmente a solar. “Falar da geração de energia, que não seja renovável nos dias de hoje é um retrocesso. O Brasil, com toda a possibilidade que tem, seja ela para a solar ou eólica, não deveria estar se preocupando em conter uma crise hídrica acionando as usinas termelétricas”, disse.
Segundo ele, países de todo mundo já estão se movimentando em prol da transição energética. “Países como a China, por exemplo, estão se rejeitando a importar carvão para suprir a alta demanda de energia e cada vez mais forçando os próprios governantes a fazerem um apelo pelas renováveis”, comentou.
Cobranças ao Governo
No fim de setembro, mais de cem grandes empresas assinaram uma carta aberta cobrando maior participação do Governo Federal em questões relacionadas ao meio ambiente. O documento pede mais protagonismo do país contra o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa, além de investimentos em energias renováveis.
A preocupação com as ações da União foi, por exemplo, nesta segunda-feira (04), um dos principais tópicos do “Shell Talks: Impulsionando o Progresso” – um evento organizado pela Shell com o intuito de debater o futuro do setor energético.
André Araujo, presidente da empresa, disse que o Brasil precisa urgentemente adotar medidas sustentáveis e apresentar novidades ao mundo na Conferência Climática da ONU (Organizações das Nações Unidas), que acontece em Glasgow, no Reino Unido, em novembro deste ano.
“O Brasil precisa ter um papel de liderança (no que diz respeito à transição energética e descarbonização de carbono) e não um papel reativo. O país tem muitas oportunidades e tem que liderar esse diálogo, porque, em Glasgow, o que vamos ter é, provavelmente, o fechamento do livro de regras do Acordo de Paris”, disse ele.
A fala do executivo ocorreu durante um dos seis painéis virtuais que foram organizados pela petroleira e que tinha como principal objetivo debater soluções de transição energética e setores com difícil descarbonização.
O painel também contou com a participação de importantes nomes do mercado, como dos presidentes da SAP Brasil, Adriana Aroulho, e da Suzano, Walter Schalka, além do vice-presidente executivo de Relações Institucionais e Comunicação da Vale, Luiz Eduardo Osorio. Todos defenderam a ideia de que o Governo Federal precisa investir em políticas de transição energética por meio de energias renováveis, como a fonte solar.
Futuro mais poluente
Com a construção de novas usinas, as termelétricas à base de combustíveis fósseis devem aumentar a participação na matriz de energia elétrica brasileira de 17,7% para 23,1% nos próximos três anos. Enquanto isso, a participação das hidrelétricas deve cair de 72,5% para 64,4%, mesmo com a construção de novas centrais.
Como resultado, a matriz brasileira, frequentemente elogiada por explorar fontes renováveis, deve aumentar a sua dependência de recursos não-renováveis e mais poluentes, como petróleo e gás.
Os dados constam em um estudo divulgado ainda no começo do ano pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Com o agravamento da crise hídrica ao longo do ano e o acionamento mais intenso de centrais térmicas por parte do Governo Federal para garantir o abastecimento de energia, o crescimento da fonte termelétrica na matriz energética pode aumentar.