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Coronavírus pode ser considerado um evento de caso fortuito e força maior?

Entenda quais impactos o coronavírus trouxe para o setor de energia solar
7 minuto(s) de leitura
Coronavírus pode ser considerado um evento de caso fortuito e força maior?

A economia mundial está sendo fortemente impactada pela pandemia do novo coronavírus.

Após a declaração oficial de pandemia da doença pela OMS (Organização Mundial da Saúde), e a crescente disseminação do vírus no Brasil, não existe expectativa de melhora em curto prazo da situação, havendo certamente a materialização de um forte impacto na viabilização dos projetos de energia em diversos estágios de implementação.  

Assim como no restante do mundo, o mercado brasileiro, como um todo, teme as consequências do coronavírus, com a possibilidade de inadimplemento de contratos e paralisação da importação de bens necessários para a viabilização de projetos de energia.

Nesse delicado momento, o mercado fotovoltaico merece uma análise mais cuidadosa, por se tratar de um setor em exponencial expansão e desenvolvimento.

Prova disso, são os expressivos números divulgados recentemente, como a marca de 200 mil conexões de projetos de GD (geração distribuída) e o crescente número de projetos viabilizados por meio de PPAs (Power Purchase Agreement – contrato de compra e venda de energia) privados de longo prazo no ACL (Ambiente de Contratação Livre). 

Esse movimento, muito semelhante ao que ocorreu com o setor eólico há alguns anos, será vital para a viabilização de grandes projetos e a modernização do setor de energia, com a abertura gradual para o acesso aos demais consumidores ao ACL e demais melhorias aclamadas pelo setor.   

É inevitável em razão do caráter global da atual crise, que o mercado de energia solar sofra os impactos do coronavírus, tendo em vista que painéis solares e demais produtos necessários para a construção de parques de energia solar são, em sua grande parte, fabricados na China.

Atrasos na produção de alguns componentes já foram declarados, e as repercussões, como atrasos e inadimplementos em contratos brasileiros de construção de usinas, já são previstas e merecem uma análise cuidadosa em relação aos seus efeitos. 

Com este cenário, a grande discussão no âmbito jurídico será com relação à possibilidade de enquadramento do coronavírus como um evento de força maior, de modo a impossibilitar a aplicação de multas decorrentes de atraso ou inadimplemento no cumprimento de obrigações contratuais.

Essa questão se potencializará com discussões de atraso no cronograma que devem ser anunciados em breve. 

O governo da China estabeleceu a paralisação de exportações de mercadorias visando a contenção da disseminação do Coronavírus e passou a emitir, a partir de fevereiro de 2020, Certificados de Força Maior de modo a impedir a aplicação de multas contratuais envolvendo empresas chinesas. 

Essa declaração trará impactos aos projetos brasileiros. Os estoques de equipamentos dentro do país podem ser insuficientes em curto prazo, pois há uma demanda interna muito maior do que a disponibilidade dos equipamentos solares necessários para a construção dos projetos e cumprimento dos marcos temporais.

Então, a grande pergunta que fica é: “O surto de coronavírus pode ser considerado um evento de caso fortuito e força maior sob a lei brasileira?”

De plano, cabe esclarecer que o tema do caso fortuito e força maior não é questão pacífica na doutrina brasileira, existindo vários conceitos para cada um deles ou para os dois, quando considerados expressões sinônimas.

O Código Civil, em seu  artigo 393, estabelece que o caso fortuito ou de força maior existe quando uma determinada ação gera consequências, efeitos imprevisíveis, impossíveis de evitar ou impedir.

Caso fortuito + Força maior = Fato ou ocorrência imprevisível ou difícil de prever, que gera um ou mais efeitos e consequências inevitáveis. 

Entretanto, o Código Civil não elenca as hipóteses que se enquadram no conceito de força maior ou caso fortuito exaustivamente. Considerando que o surto de coronavírus é um evento natural (e imprevisível), cujos efeitos comerciais não são possíveis de evitar ou impedir, é possível que haja a alegação de força maior, caso a doença (ou seus efeitos financeiros) impeçam ou dificultem o cumprimento de obrigações contratuais, principalmente quando o principal fornecedor mundial de produtos solares é a China, principal fornecedor de equipamentos ao mercado, e foi o epicentro do problema. 

Mesmo assim, a análise individual de cada caso e projeto será necessária e essencial para avaliar a adequada aplicação em situações concretas, com a extensão da exclusão ou não da mitigação de responsabilidade, sendo que, caso a força maior dure mais do que o esperado, é comum também haver previsão em instrumentos que permita até a resolução contratual, havendo a análise sobre a aplicação ou não de penalidades contratuais negociadas entre os Agentes do setor.

Outro aspecto relevante, dado o atual contexto de imprevisibilidade da duração do surto de coronavírus e o inegável impacto no segmento solar, é a possibilidade de reclamar revisão, ao menos de prazos dos projetos, entre outras cláusulas dos instrumentos, havendo especial problemática sobre o preço pactuado em cada projeto, que é fechado de acordo com as premissas comerciais de um determinado momento.

Caso não seja possível configurar o evento, entre outros fatores, é importante avaliar se a alteração nas circunstâncias contratuais originais poderia ter sido prevista quando da celebração do contrato ou se essa alteração tornou impossível a execução do contrato como um todo. 

Nesse sentido, a definição da estratégia jurídica a ser seguida será essencial para a mitigação de riscos e salvaguarda dos interesses de fornecedores, projetistas, geradores e consumidores nesse momento crítico, havendo natural conflito de interesses em cada posição contratual da relação.

Da mesma forma, a elaboração dos contratos ainda não firmados devem contar com igual análise rigorosa para mitigação dos efeitos, uma vez que, para esse segundo grupo, há o agravante de que a  pandemia já é conhecida, o que poderia justificar, a depender sempre da análise de cada caso concreto, a inaplicabilidade da tese. 

Muito embora o surto de coronavírus possa, em teoria, ser considerado como evento de  força maior diante de suas consequências imprevisíveis, e do domínio chinês nos produtos para a viabilização de projetos solares, somente a análise das circunstâncias de cada caso concreto podem efetivamente autorizar ou não a utilização desse evento como excludente de responsabilidade, ou mesmo causa de revisão contratual, ou até mesmo a rescisão dos instrumentos e aplicação ou não de penalidades. 

Por fim, considerando que, até o presente momento, ainda não se tem uma visibilidade clara da exata extensão e duração dos efeitos da atual crise, é primordial que as estratégias jurídicas de atuação sejam bem desenhadas, priorizando as soluções negociadas e de consenso aos conflitos, que inevitavelmente acabarão ocorrendo. 


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Pedro Dante
Sócio da área de energia da Lefosse Advogados. Presidente da Comissão de Estudos de Regulação do Instituto Brasileiro de Estudo do Direito de Energia. Coordenador do Comitê de Energia e Arbitragem da Câmara de Arbitragem Empresarial. Árbitro na Câmara de Medição e Arbitragem do Oeste da Bahia. Membro efetivo da Comissão de Direito da Energia da OAB/SP. Advogado especializado em assuntos regulatórios relacionados ao setor de energia elétrica com mais de 19 anos de atuação no setor.

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