26 de abril de 2024
solar
No Brasil Hoje

Potencia GC SolarGC 13,4GW

No Brasil Hoje

Potencia GD SolarGD 28,7GW

De volta às bandeiras tarifárias e a importância da geração distribuída no Brasil

Brasil tem a segunda tarifa residencial de energia elétrica mais cara do mundo, segundo a Agência Internacional de Energia

Autor: 5 de março de 2021junho 20th, 2022Opinião
10 minutos de leitura
De volta às bandeiras tarifárias e a importância da geração distribuída no Brasil

A matriz elétrica brasileira é predominantemente limpa e majoritariamente hídrica. Porém, seguimos emitindo uma quantidade excessiva de carbono na atmosfera com a geração de energia elétrica – o principal motivo é o constante acionamento das usinas térmicas. Basta uma pequena oscilação positiva no consumo, ou um agravamento da situação hídrica a pressionar nossos reservatórios cada vez mais baixos, para que o parque térmico entre em funcionamento e, consequentemente, bandeiras tarifárias vermelhas ou amarelas retornem à conta de luz dos brasileiros. O recurso de arrecadar fundos para custear térmicas mais caras e sinalizar para o consumidor que é o momento de economizar energia deveria ser uma exceção. Mas mesmo em tempos de pandemia, com a população pressionada por uma situação econômica instável e o consumo das famílias alavancado pela adoção forçada do home-office e do ensino à distância, as tais bandeiras voltam a aparecer. Apesar de a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) ter anunciado que não haveria cobrança extra em 2020, ela foi retomada em dezembro, com o Despacho 3.364/2020, em seu valor máximo: R$ 6,24 para cada 100 kWh consumidos. Em janeiro e fevereiro deste ano a agência definiu bandeira amarela. É preciso ter em mente que as bandeiras não resolvem o problema, apenas tratam os sintomas que se agravam ano após ano. A nossa matriz é considerada limpa devido à forte presença de hidrelétricas, mas os impactos do aquecimento global (que as fontes fósseis de energia ajudam a agravar) já têm sido sentidos em nossos regimes de chuvas. Há anos em que os reservatórios das usinas brasileiras não conseguem se recompor. Então, a geração “emergencial” de energia por meio de combustíveis fósseis torna-se quase que rotineira, caminhando na contramão da transição energética mundial e onerando a tarifa para os consumidores. Vale lembrar que o Brasil tem a segunda tarifa residencial de energia elétrica mais cara do mundo, segundo a Agência Internacional de Energia. De volta às bandeiras tarifárias e a importância da geração distribuída no Brasil O retorno da bandeira vermelha em dezembro teve como justificativa a volta dos índices de consumo de energia elétrica a patamares anteriores ao início da pandemia, ao mesmo tempo em que a geração hídrica está comprometida em razão dos baixos níveis dos reservatórios. Quando há essa combinação negativa de fatores, o governo autoriza o acionamento de usinas termelétricas que utilizam os mais diversos combustíveis, como gás natural, óleo diesel ou carvão, guiando-se pelos custos de operação dessas usinas. Além disso, a importação de energia também é liberada. As duas medidas visam manter o fornecimento e a segurança do sistema. A situação torna-se mais dramática se considerarmos que estamos no período úmido, que vai de dezembro a abril e caracteriza-se pela maior incidência de chuvas. Mesmo nesta época do ano há termelétricas acionadas, gerando por volta de 14 GW, e concomitantemente estamos importando 2,2 GW de potência da Argentina. Se as termelétricas deveriam ser para uso emergencial, cabe perguntarmos por que elas estão sendo tão utilizadas? Em geral, as termelétricas já possuem um preço muito mais elevado que as hidrelétricas ou as renováveis, mas as usinas acionadas de forma esporádica, para suprir necessidades pontuais, são ainda mais custosas. Algumas usinas, portanto, funcionam total ou  parcialmente para geração na base – ou seja, em operação constante. Seus custos altos, bem como o impacto ambiental, são divididos entre todos os brasileiros. Ao instalar uma nova térmica a gás é preciso também contratar o gás, o que significa um “take-or-pay” de 60% exigido pelo produtor/transportador do gás. Isto porque há poucos gasodutos ainda cruzando o país e ainda dependemos da importação do gás natural boliviano, cotado em dólar. O valor do gás, somado ao custo do MWh da termelétrica, resulta em uma conta alta a ser custeada pelos brasileiros por meio da conta de luz. O impacto ambiental da geração de energia por meio de combustível fóssil é um agravante que torna a conta ainda mais pesada. Outros motivos para o Brasil utilizar cada vez mais usinas térmicas é a interrupção nos investimentos em hidrelétricas de grandes reservatórios. A instalação de grandes hidrelétricas provoca impactos socioambientais na região onde estão localizadas. A preocupação ambiental e social é importantíssima sob vários aspectos mas, ao se considerar uma visão sistêmica, é importante ponderar que  a ausência de hidrelétricas também causa impacto. É preciso avaliar efeitos negativos como o aumento na emissão de gases de efeito estufa e o encarecimento da conta de luz dos brasileiros. Não há como mudar o passado, mas ainda há tempo para estimular alternativas e soluções que poderiam amenizar o cenário no curto prazo. A geração distribuída com fontes renováveis é um bom exemplo: a GD apresentou crescimento expressivo nos últimos anos. São mais de 400 mil conexões e quase 5 GW de potência instalada. Entretanto, dentro do sistema elétrico brasileiro, a GD representa ainda apenas 0,5%, participação que poderia ser muito maior. O Brasil tem uma grande oportunidade de inserir parte de seus 85 milhões de consumidores em baixa tensão nessa modalidade, para que mais pessoas possam produzir parte da sua própria energia de forma descentralizada, injetando o eventual excedente na rede através do SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica). O crescimento da geração distribuída pode evitar que este ano e os próximos sejam marcados por consequentes bandeiras vermelhas ou, pior ainda, por ameaça de racionamento regionalizado. O apagão do Amapá poderia ter sido menos grave se o estado tivesse inserção expressiva de geração distribuída. O mesmo se aplica aos apagões que aconteceram recentemente em Roraima e Rondônia, que tiveram menor repercussão, mas foram igualmente graves para os cidadãos que ficaram sem energia. Aliado aos apagões regionais pontuais, há ainda o problema de 8,5 milhões de brasileiros que ainda não têm acesso à energia elétrica, quase que condenados a viver como se estivessem no século XIX, e que poderiam ser beneficiados pela microgeração e pela minigeração, seja ela integrada à rede ou off-grid. O sistema elétrico brasileiro é bastante complexo e com alguns problemas estruturais. Não há uma solução simples nem definitiva. A estabilização do setor, com a aplicação efetiva dos conceitos de “modicidade tarifária” e “segurança energética”, passa por expansão da rede, transição energética, abertura de mercado, privatização das eternas deficitárias, reforma tributária do setor, fim dos penduricalhos de encargos, muitos deles voltados para combustíveis fósseis e, principalmente, vontade política para enfrentar tudo com um plano de médio e longo prazo. A geração distribuída, ainda que não seja a solução para todos os problemas, ajuda a solucionar alguns – e traz inúmeros benefícios. Por isso, é importante garantir as condições para o seu desenvolvimento. Nesse sentido, é importante chamar a atenção para propostas que representam uma ameaça ao crescimento da GD, como algumas versões propostas para a revisão da Resolução Normativa 482/2012, que regula a modalidade. O processo de atualização da norma ainda está em curso e o diálogo caminha para opções mais equilibradas; entretanto, continua um movimento de pressão das concessionárias e distribuidoras para o fim da geração distribuída nos moldes atuais. Há diversas contradições na postura de importantes players do setor elétrico. Algumas empresas chegaram a se posicionar contra o sistema atual de compensação de energia, argumentando que ele prejudica os consumidores remanescentes (que não possuem sistemas próprios de geração de energia); ao mesmo tempo, essas mesmas empresas criaram uma estrutura operacional e comercial para explorar a GD e ganhar dinheiro com isso, usando verbas destinadas aos programas de eficiência energética. Não faz sentido pressionar a opinião pública com um discurso refratário à geração distribuída e, simultaneamente, investir no setor buscando retorno financeiro. O Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Limpa), criado pela Lei 10.438/2002, foi um marco fundamental para aumentar a participação de fontes alternativas renováveis (pequenas centrais hidrelétricas, usinas eólicas, biogás e biomassa) na produção de energia elétrica, bem como a publicação da resolução 482, que regulamentou a microgeração e a minigeração de energia com todas as fontes renováveis, aprimorada pela REN n° 687/2015. É hora de darmos um passo adiante. A incidência de bandeiras tarifárias, a crise hidrológica que aumenta ano após ano e, por vezes, interpretações equivocadas que confundem incentivo com subsídio são um sinal de alerta para a sociedade refletir sobre o que ela realmente deseja para o setor elétrico brasileiro. Queremos ter o recorde das tarifas mais altas do mundo? Avançar na contramão da transição energética? Diminuir o porcentual de energias renováveis em nossa matriz elétrica? Com certeza, nenhum brasileiro deseja isso. Com a revisão da norma em curso, o Governo Federal e o Congresso Nacional têm nas mãos uma excelente oportunidade de estimular a geração distribuída com fontes renováveis, votando e aprovando um dos vários projetos de lei favoráveis à GD  (geração distribuída)em tramitação na Câmara. Em especial, destacamos o CBEE (Código Brasileiro de Energia Elétrica), que tem um capítulo inteiro dedicado à modalidade, garantindo a estabilidade regulatória, possibilitando um processo de transição razoável, mantendo o direito adquirido dos “prosumidores” e remunerando de forma justa todos os players setor. Este capítulo do CBEE foi elaborado por um grupo multidisciplinar de especialistas do setor elétrico, que consideraram os atributos positivos da geração distribuída e buscaram o consenso entre todas as perspectivas de abordagem.

Evidentemente, a iniciativa do Código Brasileiro de Energia Elétrica tem o apoio da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), a maior associação do setor no Brasil, além de várias outras entidades representativas desse segmento. Atualmente, contamos com mais de 400 mil “prosumidores”, pessoas e empresas de todas as classes sociais e perfis de consumo, que contribuem para o desenvolvimento do mercado e para a diversificação da matriz elétrica brasileira – e, consequentemente, colaboram para a redução de incidência das bandeiras tarifárias. Quanto mais energia proveniente de GD é injetada na rede, em tese, menos água dos reservatórios precisa ser utilizada para abastecer o sistema elétrico. Esperamos que o Brasil se insira definitivamente no século XXI e utilize o seu rico potencial energético, assumindo o protagonismo mundial no setor de energias renováveis hídricas e não-hídricas, liderando a transição energética e dando um exemplo ao mundo, demonstrando que o consumidor, ou melhor, o “prosumidor” e o cidadão devem ser o centro das ações.

Carlos Evangelista

Carlos Evangelista

Presidente e co-fundador da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída). Executivo sênior com larga experiência em multinacionais de serviços e equipamentos de alto valor agregado. Grande conhecimento no setor de energias renováveis, em especial, fonte solar fotovoltaica.

Comentar

*Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Canal Solar.
É proibida a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes e direitos de terceiros.
O Canal Solar reserva-se o direito de vetar comentários preconceituosos, ofensivos, inadequados ou incompatíveis com os assuntos abordados nesta matéria.