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Divisão de centrais geradoras em unidades de menor porte

Gênese das discussões entre distribuidoras e empreendedores de GD

Autor: 9 de março de 2021Opinião
12 minutos de leitura
Divisão de centrais geradoras em unidades de menor porte

Não é novidade que toda atividade empresarial inovadora quase sempre tem a árdua missão de abrir caminhos e desmistificar aquilo que até uma determinada época permaneceu intocado. 

É inevitável que a disrupção de um mercado cause eventuais enfrentamentos entre aqueles que se veem como “detentores” de um determinado costume [1] e os desbravadores de uma nova prática. 

Coincidência ou não, um dos significados da palavra disrupção é o restabelecimento abrupto de energia elétrica que provoca faíscas e enorme consumo da energia acumulada [2].

Cai como uma luva para o que vemos hoje no setor de GD (geração distribuída), na briga entre empreendedores de geração distribuída e as distribuidoras de energia elétrica. 

Apesar das faíscas originadas pela luta entre os players da GD e as distribuidoras, ao menos parte delas poderia ser evitada com a ajuda da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), no cumprimento de seu papel de regular o mercado, o que se dá em primeira instância através de normas claras, objetivas e coesas com o ordenamento jurídico brasileiro. 

O presente artigo pretende expor nossa opinião sobre a lacuna deixada pelo §3°, do artigo 4°, da REN 482 (Resolução Normativa n.º 482/2012) da ANEEL, ao não definir critérios para a interpretação da expressão “divisão de central geradora em unidades de menor porte”, que traz insegurança jurídica, além de arbitrariedades ilegais por parte das distribuidoras, que ficaram com o dever, nada fácil por sinal, de fiscalizar esses casos e até mesmo negar a adesão ao SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica).  

Mas não se engane com esse vitimismo, pois é justamente aí que mora o perigo, pois enquanto a ANEEL não cumprir com seu papel de reguladora, as distribuidoras se utilizarão do papel de vítimas nessa relação existente no setor de geração distribuída, para fiscalizar a seu favor – como reserva de mercado – situações que possam ser interpretadas como divisão de centrais geradoras em unidades de menor porte, e até mesmo “legislando” a respeito.

Ofícios emitidos pela SRD/ANEEL

Ao longo dos últimos anos a ANEEL, por meio da Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição, respondeu a diversas consultas realizadas por consumidores e distribuidoras de energia elétrica, relacionadas ao tema da divisão de centrais geradoras. Essas consultas envolveram casos reais da mais diversa sorte. 

Ao analisarmos as respostas que foram dadas a estes ofícios podemos reparar que não há uma uniformidade por parte da SRD acerca do entendimento do que é ou não permitido fazer em termos de formatação de projetos, e que possam ser interpretados como divisão de centrais geradoras em desacordo com a resolução 482

Para o operador do direito saltam aos olhos os argumentos trazidos nos respectivos ofícios para determinar quando e como a resolução 482 foi descumprida no tocante à tentativa de divisão de centrais geradoras de menor porte para fins de enquadramento nos limites de potência para microgeração ou minigeração distribuída. 

Um desses exemplos é o Ofício n° 0377/2019-SRD/ANEEL, que analisou uma das situações da seguinte forma: 

Com relação ao Caso 1 (…), o fato de haver 8 solicitações de acesso que somam 20 MW de geração no mesmo terreno indica que a divisão das usinas em potências inferiores aos limites de 5 MW para minigeração foi uma decisão dos investidores, pois seria tecnicamente viável instalar apenas uma usina de 20 MW, mas destinada à comercialização de energia no mercado livre ou participação nos leilões de energia do mercado regulado. Dessa forma, mesmo que haja o desmembramento do terreno e diferentes titulares em cada unidade consumidora, o enquadramento no Sistema de Compensação de Energia Elétrica é vedado, conforme disposto no art. 4º, §3 da REN nº 482/2012.” 

Numa tacada só a ANEEL conseguiu infringir a Constituição Federal três vezes: 

  1. A livre iniciativa, pois entende que os investidores teriam a possibilidade de instalar uma única usina de 20 MW e ingressar no mercado livre ou participar em leilões de energia do mercado regulado. Por essa razão esdrúxula os proíbe, portanto, de operar mais de uma usina com 5 MW no mercado de geração distribuída; 
  2. A função social da propriedade, pois impede que uma determinada área seja utilizada para a geração distribuída, mesmo que ocorra desmembramento da área para diferentes titulares, se existir ao seu redor potência instalada superior a 5 MW; e 
  3. A isonomia, pois diferentes titulares restariam impedidos de explorar sua propriedade para fins de geração distribuída pelo fato de já existirem ao redor outros projetos, que em conjunto superam 5 MW.  

Com esse pronunciamento a ANEEL talvez não tenha percebido que está restringindo a liberdade dos empreendedores de escolher em que mercado atuar, que o proprietário de uma determinada área não tem a liberdade de explorar sua propriedade como lhe convir, nos limites da lei, e que o pioneirismo em explorar a atividade de geração distribuída numa determinada região impede o direito dos demais vizinhos em atuar no mesmo segmento, dando mais direitos a alguns do que a outros. Isso é ilegal e foge completamente à esfera de competência da ANEEL. 

Regulamentação por parte das distribuidoras

Como dito inicialmente, a culpa dessa luta entre Davi e Golias sobre o que significa dividir centrais geradoras em unidades de menor porte é da ANEEL. 

É de se esperar que Davi seja esmagado, pois o “juiz” dessa luta é o próprio Golias, que tem o suposto “fardo” de identificar quando ocorrerem tentativas de divisão em desconformidade com a resolução 482, mas que a própria norma não traz qualquer lista de critérios, nem objetivos e nem subjetivos, nesse sentido.  

E é justamente por isso que existem iniciativas como a da Cemig, de criar regras e armadilhas coercitivas para serem usadas contra os empreendedores de geração distribuída, completamente ilegais.

A Cemig elaborou o Parecer Jurídico Normativo JE/DE N° 033/2019, que trouxe parâmetros supostamente objetivos para avaliar a conformidade dos pedidos dos solicitantes de geração distribuída à vedação regulatória de divisão de central geradora em unidades de menor porte para se enquadrar nos limites de potência para minigeração distribuída. 

Em breve resumo, os acessantes são segregados em 3 diferentes grupos: 

  1. No primeiro grupo devem ser avaliadas se as solicitações de acesso com coordenadas geográficas dentro do mesmo município ou em municípios limítrofes ultrapassam o limite de potência para microgeração ou minigeração distribuída em áreas contíguas de mesma titularidade ou de titularidades diferentes desde que pertencentes a parceiros de grupos de interesse comum; 
  2. Caso não sejam consideradas áreas contíguas, deve ser analisado um segundo grupo: desmembramento de glebas em terrenos menores, nos quais há mais de uma solicitação de acesso do mesmo solicitante (mesmo CPF ou CNPJ) ou daqueles pertencentes a grupos de interesse comum que ultrapassam o limite de potência para microgeração ou minigeração distribuída; 
  3. E um terceiro grupo a ser avaliado pela distribuidora em conjunto com os dois primeiros grupos: solicitantes cujas coordenadas geográficas estão inseridas em um mesmo município e que possuem documentos de acesso em geração distribuída. 

Para facilitar o trabalho de seus colaboradores, o parecer normativo da Cemig contempla até um check list, conforme fluxograma abaixo: 

Divisão de centrais geradoras em unidades de menor porte Preliminarmente, importante ressaltar que a prática da Cemig é ilegal, pois com esse documento pretende legislar [4], para o que não tem competência. No referido parecer podemos observar duas principais ilegalidades, pois seus critérios não estão fixados em quaisquer normas, muito menos na resolução 482. 

A primeira, pelo fato da Cemig fazer análises de cunho societário, e que se entendido serem os titulares pertencentes a grupos de interesse comum lhe seria vedado o acesso à rede para a conexão de sistemas de geração distribuída que em conjunto superem 5 MW. A segunda, em razão de dar interpretação de que o limite de 5 MW não é somente em terrenos contíguos, mas também a nível de perímetro municipal.  

Como se não bastasse essa anomalia criada pela Cemig, a mesma tem exigido a assinatura por parte dos consumidores de um termo de declaração quando da solicitação de acesso, que tem como objetivo no jargão popular criar a cama de gato

O respectivo termo não está previsto no rol taxativo da REN 414 (Resolução Normativa nº 414/2010) dos documentos que pode a distribuidora solicitar do acessante, o que por si só já é ilegal. 

Nesse termo, o consumidor deve declarar:

  • Que o imóvel em que se localiza a unidade consumidora não é fruto de desmembramento recente de imóvel; 
  • Que a empresa não possui micro ou mini central geradora ou solicitações, ou pareceres de acesso perante a Cemig cujas potências somadas ultrapassam 5 MW; 
  • Que a empresa não tem relação societária com outros entes, que em conjunto possuam micro ou minigeração superior a 5 MW; e 
  • Que é vedada a interligação elétrica de instalações de geração distribuída atendidas através de ramais de ligação distintos.  

Caso não seja assinado o respectivo termo, a solicitação de acesso não é aceita, obstando o direito do consumidor em acessar a rede da Cemig.

Pior que isso, empresas têm sido notificadas pela Cemig de que unidades consumidoras serão desconectadas pelo fato de ter sido identificado que já existem conexões que superam 5 MW no mesmo município e/ou pertençam ao mesmo grupo empresarial. 

Isso não é somente um ato faltoso como é uma cama de gato. Na verdade é digno de cartão vermelho e suspensão de jogar toda a temporada decorrente da má fé implícita desde a concepção da armadilha orquestrada. 

Processos administrativos perante à ANEEL

Ao menos dois processos administrativos discutem o tema previsto no §3°, do artigo 4°, da resolução 482. 

Um deles é o processo n° 48500.004024/2017-80, cujo recurso administrativo visa rever a autuação da ENEL-CE por conectar indevidamente duas centrais geradoras de energia eólica de 5 MW cada em áreas contíguas, e por realizar a divisão de 19 centrais geradoras de 55 kW, totalizando potência total instalada de 1.060 kWp, projeto este desenvolvido pela Prátil, controlada pelo Grupo Enel, e cujos projetos foram destinados ao autoconsumo remoto de farmácias do grupo Pague Menos.       

Em que pese ser a primeira fiscalização realizada pela ANEEL nesse sentido, a nosso ver, a decisão proferida não forma jurisprudência, pois os aspectos fáticos desses dois casos são muito específicos, e não tem o condão de nortear o que deve ser interpretado como critério de divisão de centrais geradoras de menor porte. 

O outro processo é o de n° 48500.006591/2019-32, que visa suspender a aplicação dos critérios e das orientações contidas no Parecer Normativo JE/DE N° 33/2019, ainda pendente de decisão, mas que já conseguiu provocar por parte da Cemig a revogação de respectivo parecer. 

No entanto, os acessantes ainda continuam obrigados a assinar o termo de declaração, conforme tópico anterior, para a realização de solicitação de acesso, o que deve ser imediatamente rechaçado pela ANEEL. 

Conclusão

Com certeza existem empreendedores de geração distribuída que estão a burlar a resolução 482 para alcançar vantagens que via de regra não existem, tais como fugir do custo com demanda mínima contratada, custos de conexão, otimizações fiscais, entre outros. 

Por outro lado, as distribuidoras também têm dado interpretações sem qualquer embasamento legal com o único objetivo de negar conexão de geração distribuída àqueles que estão cumprindo com a norma.  

Vale ainda dizer que após a abertura das consultas públicas n° 10/2018 e n° 25/2019, a ANEEL recebeu diversas contribuições e reclamações sobre o tema de divisão de centrais geradoras de menor porte, inclusive pela sociedade Tribuci advogados – mas até o momento a ANEEL se ausentou de enfrentar.  

E é por essa razão que a ANEEL é responsável por toda essa situação, pois enquanto não define quais são os critérios a serem analisados para fins de enquadramento de divisão de centrais geradoras de menor porte, o embate entre empreendedores de geração distribuída e distribuidoras permanecerá, e terá que, uma vez mais, ser pacificado no judiciário, quando na verdade é de sua responsabilidade, nos termos da Lei n° 9.427/1996, que instituiu a ANEEL.

Referências

  1. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Michaelis. Editora Melhoramentos, 2021. 1. Tradição habitual ou prática frequente
  2. https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/disrup%C3%A7%C3%A3o/
  3. § 3º É vedada a divisão de central geradora em unidades de menor porte para se enquadrar nos limites de potência para microgeração ou minigeração distribuída, devendo a distribuidora identificar esses casos, solicitar a readequação da instalação e, caso não atendido, negar a adesão ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica
  4. O parecer em suas conclusões dispõe: 34. Pelo exposto, manifestamos nosso entendimento, de caráter normativo e orientação geral aos órgãos da companhia, de que há embasamento jurídico e regulatório para a Cemig D utilizar parâmetros objetivos a fim de uniformizar o seu entendimento sobre a conformidade dos pedidos dos solicitantes de geração distribuída à vedação regulatória de divisão de central geradora em unidades de menor porte para se enquadrar nos limites de potência para minigeração distribuída (§3° do art. 4 REN 482/2012)
Einar Tribuci

Einar Tribuci

Advogado especializado no setor de energia elétrica e em direito tributário, sócio fundador do Tribuci Advogados e diretor jurídico e tributário da ABGD. Possui experiência como advogado há mais de 15 anos, atuando em diversas áreas do direito, especialmente contratos do setor de energia elétrica e tributário em geral.

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