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A transição energética trouxe vários desafios à operação dos sistemas de transmissão e principalmente para o sistema de distribuição. Para a transmissão, o acompanhamento da carga por agentes de geração ficou mais difícil em função da intermitência das fontes primárias especificamente fontes eólica e solar.
Com a dificuldade de prever o despacho dessas fontes, a geração hidráulica e térmica tradicional tiveram mais um fator de incerteza na composição do balanço de carga-geração.
Esta incerteza também tem perturbado a adequação da rede de transmissão para atender estas oscilações não-controláveis de geração criando variações significativas de fluxo e tensão. Estas variações modificam condições do sistema pré-falta aumentando o conjunto de cenários nos estudos de estabilidade e confiabilidade da rede.
Voltando no tempo, com a desverticalização ocorrida na década de noventa, a gestão da rede de transmissão foi dividida em proprietários de rede (transmissoras) e operadores de rede (ISO – Independent System Operator também chamado de TSO – Transmission System Operator).
A ideia foi desvincular as duas funções para trazer neutralidade na operação sistêmica da rede e uma certa tranquilidade na construção do mercado de energia elétrica onde o ISO seria um órgão neutro liberando o acesso aos agentes de geração e consumo.
Alguns países mantiveram a propriedade e operação sistêmica na mesma companhia, como a própria Inglaterra que foi a pioneira no processo de reestruturação. No entanto, no ano passado este país mudou esta estrutura criando o NESO (National Energy System Operator) e a antiga NGC (National Grid Company) que desempenhava as duas funções acabou ficando apenas com a propriedade dos ativos.
O Brasil, desde a Lei 9648 de 1998, já havia instituído o ONS que faz a operação sistêmica da rede de transmissão além de definir os despachos das centrais predominantes na época, as hidráulicas e as térmicas. Com a entrada significativa da geração distribuída, baterias, carros elétricos, na distribuição, esta rede começa a ter características similares aos sistemas de transmissão pois até então só existiam cargas.
As distribuidoras eram as grandes coletoras de energia na transmissão e a distribuía para os consumidores finais. Com esta função, sistemas radiais representados pelas redes primárias e secundárias tornavam o sistema mais simples na medição, proteção e controle pois o fluxo era unidirecional.
A maioria das distribuidoras e cooperativas de distribuição eram donas das suas redes e operavam o sistema para entregar a energia. Com a entrada de injeção de potência nos vários pontos da rede, as distribuidoras começam a vivenciar grandes desafios com fluxos variando significativamente e em sentidos opostos.

É evidente que as despesas para a instalação de sistemas SCADA, medição, telecomandos etc., entrariam na base de remuneração das distribuidoras sendo pagos por todos os consumidores. Alguns pontos mais preocupantes estão relacionados não só com a operação sistêmica da rede pelo DSO (Distribution System Operator), mas com a inclusão da definição dos despachos dos REDs (Recursos Energéticos Distribuídos) o que difere da orientação de outros países.
A premência da criação do DSO seria de buscar a controlabilidade para desligar as GDs e compartilhar com o “curtailment” sem esperar que os consumidores decidam sobre a sua geração no processo de enfrentamento do excesso de geração solar ao meio dia. Em países mais avançados, o mercado atacadista e varejista tem sinalizado melhor os preços para servir de referência para a tomada de decisão do despacho dos agentes.
No caso do Brasil, o problema já ocorre na transmissão onde o ONS acaba fazendo o despacho das centrais hidráulicas e térmicas pois o sinal de preço através do PLD só é utilizado na liquidação no ambiente comercial sem pouca aderência com a realidade física.

Um outro ponto preocupante é que o DSO pertencente à distribuidora pode dificultar uma maior autonomia dos agentes de GD que irão pertencer à classe dos REDs. A neutralidade do mercado pode ser burlada principalmente quando lhe é dado o controle total sobre o despacho destes recursos.
Muitas vezes, as distribuidoras podem exercer poder de mercado quando existem outras empresas que atuam em GD, por exemplo, controladas pelo mesmo grupo empresarial. A criação de um DSO desvinculado com a distribuidora e, portanto, mais neutro se torna primordial.
A comunicação entre os agregadores e/ou comercializadores varejistas que representam clientes de baixa e média tensão junto ao ONS deve ser vislumbrada inclusive para serviços ancilares como, por exemplo, a resposta da demanda. A inclusão da interlocução direta com o TSO que foi abandonada no trabalho da PSR-Dimon é outra preocupação.
Na Alemanha, onde tem mais de 620 distribuidoras e cooperativas, há uma ligação direta com os quatro TSOs existentes, ou seja, há uma participação efetiva dos agregadores (VPPs, agregadores de carga, etc.) nas soluções do sistema. O provimento de serviços de rede através dos agregadores de REDs pode ser obtido via bids num mercado de preços dinâmicos estabelecidos no Day Ahead e Intra-day.
O papel do agregador deve incorporar funções como o provimento de serviços ancilares ao DSO e TSO. No entanto, é importante frisar que o modelo atual do setor elétrico brasileiro com sinais de preço da energia oriundos do PLD que representa uma simulação da otimização energética não consegue produzir os sinais corretos do valor da energia para a distribuição.
Se a valoração horária e locacional da energia é deficiente, o que dizer dos serviços ancilares. A sinalização de preços adequada representa o melhor canal de comunicação que proporciona uma melhor tomada de decisão entre os entes distribuídos. A precificação de novos produtos e serviços torna a dinâmica do setor menos dependente de decisões centralizadas melhorando a resposta dos REDs.
Nos EUA, os mercados da California, Texas e PJM apesar de ter uma única “bidding zone” em cada um, existem preços nodais que são calculados a cada hora (no ERCOT chegam-se a preços a cada 5 min) através de um programa de fluxo de potência que incorpora as restrições de transmissão.
Esta dinâmica permite internalizar no preço da energia o problema da capacidade da geração e da rede minimizando a necessidade de criar novos produtos como ocorre no mercado dos países da Inglaterra, Alemanha e Austrália.
É necessário revisitar o modelo brasileiro e propor mudanças como melhoria nos sinais de preço de energia como também no provimento de “serviços ancilares” onde os agregadores poderão atuar oferecendo o controle sobre os REDs.
Como a transposição de um modelo externo ao Brasil deve obedecer aos requisitos regionais e as características de cada país, um modelo adaptativo com um período de transição deve ser urgentemente proposto visto que não é possível manter a característica centralizadora existente quando há um incremento significativo dos recursos distribuídos.
É impossível controlar de um único centro de operação a operação de uma bateria de uma residência. Hoje, por exemplo, o ONS já dispõe do serviço de resposta da demanda que está tendo pouca aderência pelos agentes justamente devido ao custo de oportunidade que ao comparar com os preços da energia não oferece rentabilidade satisfatória.
Neste caso, não existe correspondência entre o custo de provimento de capacidade na rede de transmissão com o que a resposta da demanda sugerida no sistema de distribuição poderia prover.
A figura do agregador de carga e dos VPPs já é bastante conhecida em países onde os sinais de preço de energia são dinâmicos ou normalmente conhecidos como “real time pricing”.
Estes preços são melhores que os “time-of-use” que foram propostos na década de setenta. Como na Inglaterra, Alemanha, Austrália, Espanha, EUA, o mercado varejista já existe há mais de 20 anos, muitas empresas foram criadas para exercer a função de agregadores de carga buscando uma maior eficiência do uso da energia nas classes residencial, comercial e pequenas indústrias.
Como exemplo bastante citado na mídia está o da OCTOPUS que hoje tem 9 milhões de clientes no Texas, Inglaterra e Austrália. Esta empresa atua no “behind the meter” otimizando o uso dos equipamentos do consumidor para, através do sinal de preço horário, diminuir a conta de energia.
Um avanço desses agregadores é incorporar o controle das baterias e dos carregadores bidirecionais de carros elétricos, passando a ser denominados de agregadores de REDs.
Um outro ponto polêmico, e essencial, é a mudança na estrutura tarifária utilizada no segmento de distribuição. Esta mudança já está anunciada há mais de duas décadas com a reestruturação do setor elétrico brasileiro e recentemente foi alvo de discordância no congresso quando o governo na MP 1.300/25 incorporou o comando para que a ANEEL incorporasse tarifas multipartes na baixa tensão.
Estamos ainda vivendo uma estrutura idealizada na década de setenta e com a reforma do setor ocorrida na década de noventa promovendo a desverticalização do setor os conceitos de desenho tarifário mudaram e infelizmente continuamos a usar esta estrutura para a construção da TUSD.
A entrada da geração distribuída acabou por tornar ainda mais distante o sinal econômico da tarifa atual visto que a injeção de energia nos vários postos tarifários acaba distorcendo os efeitos econômicos de eficiência no uso da rede.
Na baixa tensão, o problema é ainda maior pois apesar de ter sido instituída a tarifa branca, ela foi pouco adotada perpetuando a tarifa volumétrica.
Entende-se a premência de buscar uma solução face ao aumento da GD nos sistemas de distribuição, mas buscar mecanismos de controle centralizados através do DSO não parece correto e perpetua um modelo que não vem funcionando.
A própria existência do “curtailment” nas usinas conectadas ao sistema de transmissão já é um indício de que este modelo altamente centralizado não conseguiu e não consegue lidar com as novas tecnologias de geração.

A necessidade de uma maior atuação do consumidor junto com os agregadores deve ser incentivada visto que as soluções distribuídas tendem a ser mais robustas e menos custosas, ou seja, resolver o problema na origem buscando atuação direta junto aos consumidores é mais eficaz.
O incentivo à agregação e criação de condomínios de REDs para conversar com o DSO e TSO é mais interessante inclusive com propostas de ajuda às redes elétricas. Desta forma, modelos “bottom-up” produzem melhor efeito nas redes promovendo maior resiliência.
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