Com colaboração de Ericka Araújo
A cobrança do ICMS sobre os combustíveis, conta de luz, serviços de telecomunicações e de transporte público tem sido pauta recorrente no Legislativo brasileiro.
Nesta segunda-feira (13), mais um capítulo foi encerrado com a aprovação, no Senado Federal, do PLP 18/2022, proposta que fixa teto de 17% do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte público – considerados bens essenciais e indispensáveis.
O texto foi aprovado com folga no Senado, com 65 votos favoráveis e 12 contra. Agora, o mesmo volta à Câmara dos Deputados e, se aprovado sem alterações significativas, vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro.
Votação no Senado
Os senadores governistas argumentaram que a mudança vai diminuir os preços dos combustíveis para o consumidor final e ajudará no controle da inflação, beneficiando a economia como um todo.
“O PLP é um passo importantíssimo para derrubar a inflação, além de segurar os preços nas contas de luz. Ou seja, é uma vitória dos brasileiros, dos consumidores. Vamos ter que nos habituarmos agora com alíquotas menores”, enfatizou o relator Fernando Bezerra (MDB/PE).
Já os críticos do PLP afirmaram que não haverá redução significativa de preços nas bombas, mas áreas como saúde e educação podem ser afetadas.
“O projeto não ataca o principal causador do aumento dos combustíveis, que é a atual política de preços da Petrobras, vinculada ao preço internacional do barril de petróleo e o valor do dólar”, afirmou a senadora Zenaide Maia (Pros/RN).
“Os acionistas da Petrobras são sagrados, o povo que morra de fome, as crianças e jovens que fiquem sem escola. É isso que está sendo proposto com esse projeto”, ressaltou.
Perda de arrecadação nos estados
De acordo com a matéria, os estados que tiverem perda de arrecadação no exercício de 2022 acima de 5% do que arrecadaram em 2021, o Governo Federal terá que arcar com o excedente. Esse valor do excedente vai ser abatido das dívidas do estado atingido com a União. A compensação será válida até 31 de dezembro deste ano.
Já para estados sem dívidas com a União, a compensação será feita em 2023 com recursos da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais). Tais estados ainda terão prioridade na contratação de empréstimos em 2022.
Ademais, será permitida a compensação por meio de ajustes com empréstimos já feitos com outros credores, com o aval da União. Essa compensação será válida até 31 de dezembro de 2022. Segue, abaixo, as alíquotas de ICMS praticadas pelos estados para consumidores residenciais:
ICMS e a conta de luz
Para Adalberto Maluf, diretor de Marketing e Sustentabilidade da BYD Brasil e presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), toda redução de impostos, de alguma maneira, é benéfica para a sociedade, mas fez ponderações significativas. “Contudo, neste caso específico, estamos abrindo mão de quase R$100 bilhões de receitas dos estados e municípios, dinheiro carimbado que seria investido em educação e saúde”, pontua.
“Então, para o médio prazo traz mais desafios, na medida que os estados terão menos recursos para fazer investimentos, bem como uma redução passageira do preço dos combustíveis e da energia, pois vivemos um momento inflacionário global muito grande com a guerra entre a Rússia e Ucrânia, que vem trazendo pressões sobre os combustíveis fósseis”, comenta.
Na visão dele, o preço como um todo deve continuar crescendo. “O custo da energia, no caso, tende a crescer menos do que o dos combustíveis fósseis”, relata.
Rentabilidade dos projetos de GD solar
Questionado sobre o impacto no mercado de energia solar, Maluf acredita que o PLP não impactará muito a rentabilidade dos projetos de GD (geração distribuída) fotovoltaica, “porque ao mesmo tempo temos uma trajetória de queda do preço dos componentes para o segundo semestre, na medida em que a China inaugura grandes novas fábricas de painéis que deve estabilizar o preço”.
Tarcisio Dario, diretor de operações da Horus, também pressupõe que o mercado de GD não será afetado a médio e longo prazo por essa medida, que na sua visão é populista, trata-se de um subsídio direto do governo. “Talvez possa inibir os investimentos em renováveis no curto prazo”.
Segundo Márcio Takata, diretor da Greener, a proposta é positiva para o consumidor, já que pode contribuir com a redução das tarifas de energia no país. “Consequentemente, à medida que se tem uma redução na tarifa, isso reflete tempo de retorno de investimento que será alongado, afetando tanto projetos fotovoltaicos com alta e baixa simultaneidade”.
Ricardo Marques, CEO da MSOLS Energia Solar, acredita que o ICMS impacta no payback, mas enxerga que 99% das pessoas que trabalham comercialmente com energia solar não consideram, por exemplo o custo de O&M (Operação e Manutenção) que pode impactar mais no payback do que a própria questão ICMS.
“Existem muitas outras coisas que impactam que não estão sendo levadas em consideração pela maioria do mercado. Por exemplo, a degradação, a inflação energética, se é junto a carga e se não é junto carga”, exemplificou.
Impacto do ICMS depende do estado
O especialista em setor elétrico Bernardo Maragon, sócio da Exata Energia, destaca que o impacto dessa redução do ICMS vai depender do estado. “Por exemplo, no Rio de Janeiro, que tem uma alíquota alta de 32%, se cai para 17%, perde-se quase 50% do imposto. Já no Mato Grosso, que tem uma alíquota de 17%, não vai ter nenhuma alteração”, analisa.
Neste sentido, ele enfatizou a necessidade de estudos de viabilidades, que devem ser realizados individualmente para cada caso. “Imagine que o empreendedor está oferecendo ao cliente uma redução de 20% do custo de energia, por exemplo”.
“Com a redução do ICMS, a base de calculo é reduzida, tornando a receita da usina menor, o que representa uma menor rentabilidade para o projeto. Assim, o empreendedor vai ter que recalcular o retorno em função do desconto que vai entregar para o cliente final”, explica.
Energia solar permanece atrativa
De acordo com Mário Viana, gerente comercial da Sou Energy, a tecnologia fotovoltaica continuará sendo muito interessante, independentemente do ICMS envolvido na operação ou cobrado por uma distribuidora em cima da TE e da TUSD.
“O custo com energia elétrica no Brasil é muito alto. O que acontece é que em alguns casos você tem uma redução mínima na qualidade do payback dessa operação, mas isso não inviabiliza o aporte em solar”, enfatiza.
“Vejo muitos que não são investidores, que não investem em ações, em fundos e de repente estão falando payback. O aporte só pode ser considerado bom ou ruim quando comparado com algo”, frisa.
“Quando comparo a taxa interna de retorno pelo aporte em solar, mesmo com o custo de ICMS com qualquer outro investimento de baixo risco, como em renda fixa, a adoção da fonte fotovoltaica é muito mais interessante e vantajoso, pois dá segurança jurídica, economia e garante mais possibilidades para aumento da produção, por exemplo”, finaliza.
Benefícios colaterais: redução da inflação
Felipe Santos, gerente de produtos LATAM da Canadian Solar, avalia que o PLP 18/2022 pode ser uma boa notícia para o financiamento de energia solar, pois a taxa de juros tende a não subir tanto, e talvez no médio prazo comece a cair. Além disso, destaca que pode afetar o setor solar, por exemplo, do ponto de vista do custo de frete. “Pode, de repente, dar uma segurada nos preços dos kits para os distribuidores e na inflação para eles”.
“Então, tanto os preços dos componentes podem ficar mais baratos em reais, por conta do transporte, por conta de repasse de inflação via dissídio. Ou seja, como o poder de compra dá uma segurada, acaba segurando um pouco essa inflação e aí as pessoas têm fôlego para respirar e voltar a pensar em energia solar”, comenta.
‘PL não é benéfico do ponto de vista sustentável’
Para o economista Izaias de Carvalho, professor da PUC-Campinas, esse projeto de lei de redução do ICMS sobre os combustíveis parece ser uma decisão muito mais emergencial para lidar com o problema do momento que é a inflação, do que um projeto que esteja assim, mais estruturado com uma visão de longo prazo que tem como objetivo fazer uma mudança estrutural na matriz energética do país.
“Eu não vejo, esta medida com bons olhos do ponto de vista da energia sustentável, do ponto de vista da transição energética. O que nós deveríamos estar fazendo neste momento é diferente”, avalia.
“Deveríamos estar dando subsídio para energia limpa, como solar, eólica, o biocombustível, mas o que nós estamos vendo neste momento é subsídio para a energia, o combustível fóssil”, discorre Carvalho.
Na visão dele, neste contexto de inflação, de desemprego, de recessão, reduzir o imposto sobre o combustível pode aliviar um pouco a situação. “Porém, não acho que tenha grandes efeitos assim do ponto de vista de estimular, por exemplo, de criar mais incentivo para a solar”.
“Eu acho que a energia, a gasolina custando mais caro sim, pode ser um efeito importante para estimular mais o uso da fonte fotovoltaica. Você dando um subsídio, e deixando a gasolina mais barato, é como se estivesse, entre aspas, incentivando as pessoas a continuar usar este combustível enquanto o mundo todo já está fazendo transição, e nós ainda estamos aqui dando subsídio para um combustível sujo”, finaliza o economista.