O novo texto do PL 5829, que visa a criação do marco legal da GD (geração distribuída), sofrerá mudanças. Entre elas, está a realização do encontro de contas, que será dividido em duas etapas.
Na primeira, haverá um período de seis meses para que a CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) estabeleça as diretrizes do encontro de contas.
Na segunda, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) ficará incumbida de realizar um estudo da valoração da GD no Brasil. Para isso, a entidade terá um prazo de 18 meses após a data de publicação do documento no DOU (Diário Oficial da União).
Leia mais: PL 5829 divide opiniões entre integradores
Em meio a este período, muitas dúvidas estão surgindo sobre se o armazenamento de energia pode ser uma alternativa para garantir um negócio entre integradores e clientes finais.
‘Depende de cada caso’
Na visão do doutor em engenharia elétrica José Marangon, especialista em geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia, não se pode afirmar que o investimento em armazenamento será vantajoso durante o período em que a ANEEL ficará incumbida de fazer o estudo de valoração da GD.
“Pode ser uma oportunidade depois da quantificação que a Agência fará, visto que poderá afetar a rentabilidade dos módulos – que hoje tem a seu favor a bateria virtual dada pela compensação da energia. Se a ANEEL optar para a Alternativa 5, a bateria teria um payback mais rápido do que for só o fio B”, explicou.
Fator de simultaneidade
No entanto, quando se refere ao fator de simultaneidade, Marangon é enfático ao afirmar que o mesmo fomenta o armazenamento. “Principalmente quando falamos dos sistemas residenciais, onde a simultaneidade entre o pico de carga e a geração solar é muito baixa. O consumo está deslocado em relação ao momento de geração. Isso, de certa forma, impulsiona o armazenamento nestes tipos de projetos – que é utilizado em prol da rede e é renumerado para isso”.
“O armazenamento pode ser usado em vários pontos da rede elétrica proporcionando mais flexibilidade. E na questão da GD, tem um papel relevante. E aí depende muito da configuração do alimentador, dos tipos de carga que alimenta, etc. Por exemplo, se tenho um alimentador residencial, as baterias podem ser bastante oportunas”, esclareceu.
“Você pode até calcular os benefícios que a placa ou conjunto de placas fotovoltaicas trazem para rede. Se a tarifa considerar estes ganhos, estes podem ser repassados ao detentor da geração”, comentou.
Marangon pontuou ainda que o armazenamento entra como um acessório importante para dar valor aos painéis solares principalmente em situações em que a tarifa não é oportuna no momento da geração. “Esta possibilidade tende a aumentar com o maior nível de penetração da GD”.
Já com relação à carga comercial, ele comentou que, como a ponta nesses sistemas fica, normalmente, às 14h ou 15h, o módulo fotovoltaico já dá uma sustentação. “Portanto, traz um benefício para a ponta e a ANEEL vai ter que valorar isso”.
“Mas a questão é a seguinte: se você aumenta o número de placas solares, o que acontece com a curva de carga? Ela começa a ficar no formato de um pato*. Assim, o armazenamento vem para ajudar e terá um ganho importante”, finalizou Marangon.
Mais análises
Para Rogério Mattos, diretor da Ideatek, representante oficial da Tesvolt no Brasil, o armazenamento em lítio integrado aos sistemas fotovoltaicos permitirá que o excedente de energia produzida durante o dia seja armazenado e utilizado após o pôr do sol sem o transporte pela rede pública, evitando qualquer “taxação” extra à GD.
“Sistemas integrados com operação em modo grid-zero diurno/noturno tem se tornado realidade em muitos países e uma das melhores alternativas para o mercado brasileiro durante esse período ‘escuro’ de transição”, apontou.
De acordo com Luiz Felipe Melo, diretor da distribuidora Minha Casa Solar, o novo texto substitutivo do PL 5829 cita o armazenamento, o que só reforça a percepção de que um grande mercado está surgindo.
“O que poucos profissionais do setor fotovoltaico sabem é que as baterias de lítio criaram um novo mercado no segmento off-grid, ainda pouco explorado. Esse novo segmento demanda integradores profissionalizados e possui o payback indiscutivelmente atrativo”, disse.
“O setor é composto por residências de alto padrão em locais remotos, mas principalmente por empresas que vão do agronegócio, passando pelas telecomunicações, até óleo e gás. Para ilustrar, recentemente, a Minha Casa Solar forneceu um gerador fotovoltaico off-grid de 57 kW com baterias de lítio para uso em uma grande ferrovia. E olha que foi só um projeto-piloto da ferrovia com a nova tecnologia de armazenamento”, exemplificou Melo.
Segundo o executivo, essa situação se repetiu várias vezes em 2021 e o motivo é simples: as baterias de lítio conseguem fornecer alta disponibilidade de energia, aliada com durabilidade superior a 10 anos e preços em queda.
“Apenas para comparar, a maior parte das tradicionais baterias chumbo ácidas tem durabilidade de 2 a 3 anos. Mas a ‘cereja do bolo’ é que o preço das baterias de lítio caiu dramaticamente nos últimos anos. Esse fenômeno lembra muito o movimento de queda dos preços dos painéis solares de 10 anos atrás e que foi um dos fatores que tornou exponencial o crescimento do setor fotovoltaico no Brasil”, concluiu.
Leia mais: Preço da bateria de lítio deve cair 68% até 2050
*Curva de pato é um gráfico que mostra a diferença na demanda de eletricidade na rede e a quantidade de energia solar disponível ao longo do dia. Foi criado pelo California Independent System Operator para demonstrar a carga elétrica na grade ISO em um dia médio de primavera, quando está ensolarado, mas as temperaturas são baixas, o que significa que a demanda não é tão alta quanto no auge do verão, quando as pessoas estão usando AC, ou no inverno, quando é necessário aquecer as casas.