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Mercado Livre de Energia é uma ameaça para os negócios de GD Solar?

Assunto tem sido amplamente debatido por profissionais do setor fotovoltaico, especialmente integradores
Mercado Livre de Energia é uma ameaça para os negócios da GD Solar?
Foto: Freepik

Com colaboração de Henrique Hein e Wagner Freire

O setor de energia solar iniciou 2024 com uma série de novidades, sendo uma das principais a possibilidade de todos os consumidores do Grupo A (Alta Tensão) migrarem do ambiente cativo para o Mercado Livre de Energia – medida vista por analistas do setor elétrico como um passo significativo para a liberalização do setor energético.

Tal mudança conta com o potencial de atrair 72 mil empresas de médio e pequeno porte, como indústrias, redes de serviço e varejo, segundo levantamento realizado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).

Até dezembro de 2023, somente consumidores com demanda de no mínimo 500 kW podiam participar do Mercado Livre. A partir de agora, a regra muda para todos os clientes de alta e média tensão, desde que representados por um comercializador varejista.

Devido a esta abertura, muitas dúvidas sobre uma possível ameaça aos negócios de energia solar distribuída foram e ainda continuam sendo levantadas, principalmente por integradores. Entre elas, se o Mercado Livre de Energia é uma ameaça para a geração própria com energia solar?

Um primeiro ponto que merece destaque é que a Lei do Mercado Livre de Energia existe há mais de duas décadas (Lei nº 9.074 de 1995), e que começou a funcionar em 1998.

E até o ano passado (2023), com as regras até então, e apesar das mais de duas décadas de existência, das cerca de 97 mil UCs (unidades consumidoras) elegíveis a estarem no Mercado Livre de Energia, aproximadamente 37 mil optaram por essa modalidade. Ou seja, mais da metade, cerca de 62% decidiram não fazer a migração.

Os dados foram apurados pela reportagem do Canal Solar junto à Abraceel (Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica).

LIVE: Abertura do Mercado Livre em 2024 é uma ameaça para os negócios da GD Solar?

Apesar da abertura do Mercado Livre ser uma oportunidade agora em 2024 para uma quantidade maior de empresas (as que consomem energia no grupo A), anteriormente várias já tinham essa possibilidade e não fizeram, o que mostra que mudar para essa modalidade não é algo trivial.

Na avaliação de Thiago Bao Ribeiro, advogado especialista em GD e CEO do escritório Bao Ribeiro Advogados, essa dificuldade acontece porque a migração para o Mercado Livre de Energia não é algo simples, devido aos processos que a integram.

Ele aponta que uma das principais barreiras enfrentadas pelas empresas é a falta de compreensão sobre o funcionamento deste mercado. O advogado ainda pontua que muitas empresas ainda não compreendem totalmente os processos associados a essa mudança.

Como resultado, Ribeiro explica que estas empresas acabam tendo mais cautela antes de tomar essa decisão. “A migração para o Mercado Livre de Energia no Brasil não é uma simples troca de chaves. Requer planejamento, conhecimento e, acima de tudo, uma compreensão clara das nuances do setor elétrico. Para as empresas que estão considerando essa mudança, é essencial buscar consultoria especializada e se preparar adequadamente para essa transição”, comentou ele.

O advogado também destacou que muita gente que diz que a GD (geração distribuída) acabará por causa do Mercado Livre de Energia não está enxergando as barreiras que os consumidores deverão encontrar ao tentar migrar para este novo modelo de negócios.

Considerando o cenário antes das novas regras e o de 2024, o advogado elenca os principais pontos de atenção. Veja abaixo:

  • Adaptações e tempo: a migração não acontece instantaneamente. Ela demanda adaptações, leva tempo e precisa de intermediação para a adequação e gestão do consumo;
  • Familiaridade com o setor: o novo consumidor não está familiarizado com o setor elétrico, o que pode gerar dúvidas e inseguranças na hora de fazer a migração;
  • Viabilidade econômica: das 165 mil unidades consumidoras aptas à migração em 2024, cerca de 93 mil já se beneficiam da micro e minigeração distribuída, o que reduz a viabilidade econômica da mudança para esses consumidores;
  • Segmento voltado para consumidores intensivos: o segmento de mercado livre chegará primeiro a consumidores mais intensivos em energia, o que pode deixar de fora consumidores com menor demanda;
  • Complexidade do mercado: o desafio de explicar para os novos entrantes as oportunidades, as regras de mercado e a estrutura de vendas no Brasil;
  • Localização dos clientes: a dificuldade de encontrar onde estão os potenciais clientes, especialmente quando comparado a grupos que têm distribuidoras e que possuem uma troca de informação clara entre a distribuidora e a comercializadora do grupo;
  • Barreiras de portabilidade: ainda existem barreiras a serem vencidas para fazer a portabilidade dos clientes para o mercado livre. Isso significa que há uma curva de aprendizado para os novos entrantes, que precisam se familiarizar com um ambiente de mercado diferente do tradicional.

Qual solução é a melhor para o consumidor?

Fazendo uma comparação com o mercado de GD (geração distribuída), o Mercado Livre de Energia, apesar de existir há tanto tempo, ainda é um modelo novo e diferente do que o consumidor está acostumado.

Isso ocorre porque a contratação de energia no ambiente do Mercado Livre de Energia é uma “compra de papéis”, ou seja, é firmado um contrato de compra de energia, algo que pode ser encarado como pouco palpável, e que pode trazer uma certa abstração aos olhos do consumidor. Já ao passo que a  compra de um sistema fotovoltaico, que é fisicamente visto pelo consumidor, pode trazer um sentimento maior de segurança.

Além de Bao Ribeiro, o Canal Solar também conversou com especialistas que atuam tanto no segmento do ACL como de GD. Na avaliação deles, os empreendedores e integradores do setor fotovoltaico podem ficar despreocupados: a abertura do mercado livre de energia não acabará com o negócio de geração distribuída solar.

Pelo contrário, abrem-se novas oportunidades no setor, inclusive, com ambas as soluções convergindo para o mesmo propósito: entregar energia de qualidade e com menor custo para o consumidor final.

O consumidor pode optar pelas duas modalidades. Por exemplo, uma rede de supermercados pode ser um consumidor livre na unidade consumidora de sua sede, e ter outras unidades consumidoras em baixa tensão (escritórios) com GD solar.   Ou ainda, um consumidor do Mercado Livre pode ser um Autoprodutor de Energia (APE) com a instalação de um sistema solar fotovoltaico.

Bernardo Marangon, sócio administrador da Exata Energia, disse que os integradores terão que entender as regras do mercado livre para aproveitar as oportunidades.

“Para os clientes de média tensão que poderão migrar em 2024, entendo que o mercado livre deve entregar algo mais interessante do que a geração distribuída. Mas isso não significa que esse cliente, estando no Mercado Livre, não poderia investir na geração solar junto à carga, no modelo de autoprodução, que é uma coisa que está se tornando muito comum no mercado”, disse Marangon.

Na visão do consultor e ex-diretor da ANEEL, Edvaldo Santana, a abertura não deve ser uma ameaça à geração própria de energia. “Se para os consumidores do grupo A o ACL pode ser melhor, é porque a GD, que também é livre, pode ter custos maiores. Mas, tenho dúvida se a maior abertura do mercado será ruim para a GD. A GD tem riscos bem menores para o consumidor, além de ser mais fácil de entender”, pontuou.

Ainda segundo Santana, o proprietário de GD não tem relação de compra e venda com geradores ou comercializadores, simplificando o modelo de gestão de energia, o que reduz riscos contratuais. “Depois de conectado à rede, é vida que segue”, disse.

“O ritmo de migração será muito rápido, para GD e/ou para o ACL, pois a tarifa regulada não para de subir. Foi dada largada para a segunda “perna” da corrida ao ouro”, completou Santana.

Gustavo Scrignoli, especialista em regulação e regras de comercialização na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), vê abertura de mercado com bons olhos, justamente porque permite que o consumidor tenha uma energia mais competitiva, ao passo que também possibilita ao gerador mais um ambiente de mercado para gerar negócios. Para Scrignoli, a lógica da GD é a mesma do mercado livre: promover economia de energia para o consumidor.

“No caso desta abertura, abrir para todo mundo que está conectado em Alta e Média Tensão, representa aproximadamente 11% a mais de carga do setor elétrico que poderá adquirir energia no mercado livre”, disse o especialista da CCEE durante participação no II Canal Solar Conecta.

Autoprodução no ACL com energia solar

O autoprodutor de energia elétrica (APE) nada mais é do que o consumidor livre que opta por investir na geração da sua própria energia. Isso pode ser feito por meio da aquisição ou da construção de usinas solares.

Com isso, o autoprodutor pode utilizar a energia gerada por ele para suprir a própria demanda, e também a de outros consumidores por meio da venda de seu excedente no mercado. Para tanto, deve estar registrado na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) como um Autoprodutor de Energia Elétrica (APE).

Como isso só é possível para consumidores que estejam no Mercado Livre, a abertura deste ambiente de contração para mais brasileiros em 2024 abre uma janela de oportunidades para energia solar.

Nesse sentido, as oportunidades da energia solar no mercado livre são muitas. Uma das formas é a combinação de um sistema solar fotovoltaico com a migração para o mercado livre. Neste caso, o integrador precisa fazer uma parceria com uma comercializadora para poder oferecer os dois serviços.

Leia também: Autoprodução por locação de ativos será o foco de modelagens jurídicas no Mercado Livre

É possível que o cliente atenda, por exemplo, 30% da carga com a energia solar e compre o restante da energia no mercado livre.

Caso o cliente esteja disposto a investir, ele também pode optar pela autoprodução de energia solar no mercado livre.

Neste caso, a usina é dimensionada para atender a 100% do consumo e, em alguns momentos, exportar energia para a rede. Essa injeção pode gerar uma receita extra para o investidor. O principal benefício de ser Autoprodutor é ter uma boa redução nos custos dos encargos do setor elétrico.

Segundo Marangon, o consumidor do grupo A que tiver GD solar poderá migrar para o mercado livre a partir de 2024, basta procurar um comercializador varejista. Neste caso, cabe uma avaliação se vale migrar com os perfis de gerador e consumidor, ou só com o de consumidor.

“O consumidor tem que ter um cuidado maior para avaliar se vale a pena ou não injetar energia na rede”, disse.

Uma outra opção para o consumidor livre é ter um sistema de energia solar sem injetar seus excedentes na rede pública. Neste caso, o projeto precisa considerar o fator de simultaneidade uma vez que a energia gerada e não consumida instantaneamente (energia excedente) não seja injetada na rede. Essa solução é chamada de grid zero, e pode ainda ter baterias eletroquímicas agregadas para que o excedente não seja desperdiçado.


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Ericka Araújo
Head de jornalismo do Canal Solar. Apresentadora do Papo Solar. Desde 2020, acompanha o mercado fotovoltaico. Possui experiência em produção de podcast, programas de entrevistas e elaboração de matérias jornalísticas. Em 2019, recebeu o Prêmio Jornalista Tropical 2019 pela SBMT e o Prêmio FEAC de Jornalismo.

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