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A legalidade da troca de titularidade de pareceres de acesso

Artigo técnico escrito por Marina Meyer Falcão, Mauro Maia Lellis e Clarice Horst Dutra Coutinho

Autor: 20 de agosto de 2020abril 29th, 2021Artigos técnicos
7 minutos de leitura
A legalidade da troca de titularidade de pareceres de acesso

A legalidade da troca de titularidade de pareceres de acesso

Tem ocorrido, com frequência, a negativa de concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica para realizar a troca da titularidade dos pareceres de acesso das conexões aos sistemas de distribuição antes da finalização dos processos de conexão.

As concessionárias alegam, nesses casos, que deverá ser aberta uma nova solicitação de acesso, o que pode ensejar o enquadramento no novo modelo de custos, conforme proposta de alteração da REN 482 (Resolução Normativa 482//2012), caso em que aplicar-se-á a alternativa 5, que representa a redução do período proposto para a manutenção dos critérios de compensação até o ano de 2030, impactando sobremaneira a economia dos empreendimentos.

O fundamento das concessionárias decorre da orientação, já superada, emitida por meio do ofício nº. 0194/2019 da SRD (Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição) da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), por meio do qual restou determinado que fossem interrompidos os processos de conexão de micro e minigeração distribuída em caso de troca de titularidade ocorrida previamente à conclusão da conexão junto à distribuidora local.

Ainda de acordo com o ofício, a prioridade no atendimento é concedida por meio da ordem de entrada das solicitações de acesso, sendo que eventual substituição do titular antes da efetivação da conexão significa que o processo não foi finalizado, devendo ser iniciado novo processo de acesso.

Contudo, esse reinício não representa apenas o atraso da conexão, com custos mais altos em decorrência da provável aplicação da nova norma, mas também uma eventual impossibilidade de conexão, caso ocorra a conexão na mesma rede por outro interessado – na prática equivale dizer que o pedido foi recusado.

Ante os argumentos apresentados por acessantes a agência reguladora reexaminou a matéria, conforme entendimento exarado, a título de exemplo, por meio do ofício nº. 0364/2019- SRD/ANEEL, de 09/12/2019, no qual se manifestou favorável à transferência da titularidade de usinas de minigeração, conforme decisão da SRD, que informou não vislumbrar óbice à efetivação da transferência na forma solicitada.

Na oportunidade, a SRD fundamentou sua decisão da seguinte forma:

(…) 2. Inicialmente, destaca-se que o conteúdo do Ofício no 194/2019-SRD/ANEEL restringe-se somente ao caso concreto nele tratado, não podendo ser genericamente utilizado em complemento à regulamentação vigente, ainda que em casos de presumida insuficiência de clareza normativa. 

3. Sobre o caso em tela, trata-se de pedido para transferência de titularidade de minigerador que atuará na modalidade de Geração Compartilhada, para o consórcio que operará a geração após a sua conexão. Dessa forma, não se verifica óbice para efetivar a transferência na forma solicitada no documento em referência. 

4. Por fim, é importante lembrar que as regras aplicáveis a micro e minigeração distribuída, incluindo a questão tratada no caso em tela, estão em debate com a sociedade por meio da Consulta Pública no 25/2019. 

Denota-se que o posicionamento supracitado fora adotado, ainda, em diversos ofícios supervenientes ao de número 0364/2019-SRD/ANEEL, como se verifica, a título de exemplo, no recente ofício nº. 0228/2020-SRD/ANEEL, de 03/06/2020, por meio do qual a agência não verificou dificuldade na transferência de titularidade de minigerador para o agente que operará a geração após a sua conexão, com a observação de que o conteúdo dos respectivos ofícios é restrito a cada caso concreto.

Relativamente à perda de prioridade de atendimento no caso de troca de titularidade, não há previsão regulatória no item 2.4.1 da seção 3.7 do PRODIST, que dispõe sobre a prioridade de atendimento de acordo com a ordem cronológica de protocolo, acerca da perda de prioridade no atendimento em caso de mudança de titularidade, salientando que essa agência reguladora deve zelar pela estabilidade regulatória, evitando inclusive deliberações por ofícios, sem a devida previsão em dispositivos legais ou regulatórios.

Cumpre destacar, os princípios que devem nortear as ações no setor elétrico, registrados por ocasião da consulta pública no 32, de 2017, que trata da revisão do modelo setorial. Tais princípios foram elencados na portaria do Ministério de Minas e Energia no 86/GM, de 13/03/2018, e são baseados na eficiência, na equidade e na sustentabilidade das ações governamentais, entre os quais se destacam: (i) respeito aos direitos de propriedade, respeito a contratos e intervenção mínima; (ii) previsibilidade e conformidade dos atos praticados e; (iii) meritocracia, economicidade, inovação e eficiência (produtiva e alocativa, do curto ao longo prazo) e responsabilidade socioambiental.

Faz-se imperiosa, a observância de tais princípios relativamente ao exercício de uma cessão de posição contratual, consubstanciada nos supracitados instrumentos jurídicos (parecer de acesso / CUSD / CCER), documentos integrantes dos processos de viabilização para adesão ao sistema de compensação de energia no âmbito da geração distribuída, conforme salientado.

No caso, verifica-se a cessão da posição contratual, amparada pela doutrina e pela jurisprudência, principalmente com base na legislação portuguesa, que prevê expressamente o instituto.

A base doutrinária e jurisprudencial também se vale da interpretação de dois outros institutos que tratam da transmissão de obrigações: a cessão de crédito e a assunção de dívida, que representam, em última análise, a cessão da posição contratual, abrangendo simultaneamente direitos e deveres.

O que deve ser observado, conforme corroborado pela jurisprudência, é a obrigatoriedade de anuência do cedido na cessão de posição contratual, verbis:

TJ-MA Apelação Cível AC 00123808720098100001 MA 0121302019 (TJ-MA) – Data de publicação 12/07/2019 CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL. ANUÊNCIA DO CEDIDO. VALIDADE DO NEGÓCIO. 1. Pela teoria da asserção, considera-se preenchida a condição de ação relativa à legitimidade passiva sempre que o autor formular pretensão contra o réu. 2. Estando a causa em condições de imediato julgamento, deve o Tribunal passar desde logo ao julgamento da lide… 3. Existindo no instrumento de cessão de posição contratual a expressa anuência do cedido, não há espaço para o reconhecimento da nulidade e tampouco ineficácia do negócio jurídico. 4. Como a cessão de posição contratual transmite todos os direitos e obrigações futuros, eventual prejuízo causado pelo cessionário não pode ser imputado ao cedente. 5. Apelo conhecido e parcialmente provido. Unanimidade. (TJ-MA Apelação Cível AC 00123808720098100001 MA 0121302019 (TJ-MA) – Data de publicação 12/07/2019) 

Depreende-se assim, aplicável à espécie, a norma atinente ao Direito Civil, subsidiariamente às relações de Direito Administrativo que regem a matéria. Nessa toada, também deve-se atentar que medidas discricionárias relativas à recusa da troca de titularidade implicam a afronta a princípios constitucionais que regem as relações entre a administração pública e os administrados, o que contraria o Estado Democrático de Direito.


Mauro Maia Lellis Advogado e Sócio-Fundador da LTSC Sociedade de Advogados. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA (Universidade Del Museo Social Argentino). Mestre em Engenharia de Energia pela UNIFEI, com especialização em Regulação de Energia e Gás pela USP/UNIFEI/UNICAMP, em Direito Regulatório pelo CEDIN/IAED e em Regulação pela FGV. Atuou como Advogado e Gerente na área de Direito Regulatório, Tributário e Comercial na CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais).

Clarice Horst Dutra Coutinho Advogada e Sócia-Fundadora da LTSC Sociedade de Advogados. Pós-graduada em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos/MG. MBA em Gestão do Setor Elétrico pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). Graduada em Direito pela Newton Paiva. Membro da Comissão de Direito da Energia da OAB/MG.

 

Marina Meyer Falcão

Marina Meyer Falcão

Presidente da Comissão de Direito de Energia da OAB /MG. Professora da PUC em Pós Graduação de Energia Solar. Secretária de Assuntos Regulatórios e Diretora Jurídica no INEL. Advogada especialista em Direito de Energia. Diretora Jurídica da Energy Global Solution. Co-Autora de três livros em Direito de Energia. Membro da Câmara de Energia, Petróleo e Gás da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Ex-superintendente de Políticas Energéticas do Estado de Minas Gerais.

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