O Canal Solar conversou com Adalberto Maluf, diretor de Marketing, Sustentabilidade e Novos Negócios da BYD, indústria que atua no setor de energias limpas e mobilidade elétrica.
Maluf recebeu a reportagem do Canal Solar na sede da BYD em Campinas-SP e nos mostrou sua visão sobre o cenário da energia solar no Brasil. Sem esconder sua indignação com alguns fatos recentes do setor solar, Maluf aponta as distorções encontradas no processo de revisão da RN482.
Enérgico defensor da sustentabilidade e da energia limpa, Maluf tem representado a BYD, fabricante de módulos solares, veículos elétricos e baterias, em muitos eventos e fóruns no Brasil e no exterior. A BYD foi eleita em 2019 uma das 100 empresas mais influentes do mercado de energia no Brasil.
Quem é Adalberto Maluf
Adalberto Felício Maluf Filho é bacharel em Relações Internacionais e Mestre em Economia Política Internacional pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP).
Trabalhou com temas e projetos relacionados à mitigação das mudanças climáticas e políticas públicas, com foco em energia, sustentabilidade e mobilidade urbana.
Adalberto foi Assessor na Secretaria de Meio Ambiente da cidade de São Paulo entre 2006 e 2007 e foi diretor da Clinton Climate Initiative em parceria com a da Rede de Cidades C40 (Large Cities Climate Leadership Group) em São Paulo de 2007 a 2014.
Como está a indústria de módulos fotovoltaicos no país?
O ano de 2020 promete ser muito bom para a indústria solar, mas ainda existem incertezas no horizonte do setor. Entre 2015 e 2017, muitos investimentos foram viabilizados no Brasil baseados em um tripé que o governo prometeu à investidores nacionais e estrangeiros que era: a realização de leilões, a criação de uma política industrial para quem produzisse no Brasil suspendendo impostos sobre as matérias primas (pois os produtos importados têm isenções), e por último, uma política de financiamento preferencial para o produto nacional.
Em 2016, o governo abriu os primeiros leilões, mas em 2017 cancelou os seguintes. Esses cancelamentos deram prejuízos à sociedade, pois tivemos que ligar termoelétricas mais caras e poluentes do que fonte a solar nos leilões de reserva previstos.
Segundo estudos contratados pelas associações do setor, o cancelamento gerou custo extras de mais de R$ 3 bilhões de reais ao sistema.
Já em relação à política industrial, pouco se avançou nestes últimos anos. Ainda hoje os fabricantes nacionais pagam impostos sobre os insumos II, IPI, PIS, Cofins e ICMS enquanto o importado tem isenção total de IPI e ICMS, e PIS/Cofins quando tem REIDI.
Agora, felizmente, o congresso aprovou um projeto de lei da nova lei de informática e do PADIS (Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de semicondutores) no final de 2019, o que sinaliza uma nova janela de oportunidade para finalmente resolvermos essas distorções. Estamos otimistas com a redução dos custos para fabricação nacional em 2020.
Outro tema que sempre funcionou no País foi o cumprimento das regras do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), uma vez que financiamentos especiais, como os fundos constitucionais, normalmente seguiam a exigência de conteúdo local.
No Plano de Nacionalização Progressiva do BNDES, alumínio e módulos fotovoltaicos sempre foram e ainda são itens obrigatórios.
Mas distorções nas condições de financiamento ainda permitem financiar alguns tipos de projetos, mesmo sem o uso dos módulos fotovoltaicos nacionais, prejudicando os fabricantes locais em detrimento do importado. Precisamos discutir esses casos e fazer uma unificação de regras entre os bancos públicos.
Em 2019, tivemos uma nova distorção ao setor. Em maio de 2019, o Ministério da Economia, mesmo com pareceres negativos das áreas técnicas do MDIC, aprovou um ex-tarifário a um tipo de módulo fotovoltaico (bifacial) mesmo com produção local de um bem similar, o que era proibido pela portaria em vigor à época.
Isso quebrou novamente a credibilidade dos leilões da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que as épocas tinham 12% de impostos ao módulo importado com regra do jogo.
Mais uma distorção que o próprio ministério já percebeu o equívoco, mas ainda não revogou a portaria. Essa medida gerou uma renúncia fiscal de mais de R$ 75 milhões (valor estimado para a isenção de 450 MWp pedidos por um ganhador dos leilões).
E com isso, quebrou-se parte do terceiro pilar de respeito às leis de conteúdo locais, onde somente quem produzir localmente teria acesso ao financiamento preferencial.
Pessoalmente, sou favorável ao uso de fundos constitucionais para financiarem projetos solares, mas somente para pessoas físicas, pequenas e médias empresas, já que eles levam sim desenvolvimento regional, mas usar esses recursos para financiar grandes players internacionais me parece uma distorção.
Hoje vivemos um contrassenso, de um lado o Brasil precisa, e pede investimentos estrangeiros para gerar riquezas e empregos, mas depois que as empresas investem, esse ou aquele gestor público não cumpre as diretrizes do próprio governo.
Esse contexto gera insegurança jurídica e afugenta investidores de continuarem a investir no país. Somos favoráveis a reduzir barreiras e promoção de uma economia mais liberal conectada ao mundo, reduzindo distorções, ineficiências e subsídios, mas o setor industrial brasileiro ainda sofre de grandes injustiças ao pagar mais impostos do que os importados. Temos que reverter esse subsídio às avessas o quanto antes.
Mesmo porquê, a indústria é ainda um dos maiores arrecadadores do INSS. E se acabar com a indústria, quem vai bancar o déficit no INSS?
Quem vai gerar esses empregos de qualidade aqui no Brasil? Todos os países desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha, França Reino Unido e China, todos têm uma política industrial forte. Não tem como o Brasil crescer baseado somente em um modelo agroexportador.
Não podemos jogar nas costas do agronegócio o peso de levar o Brasil sozinho. Temos que criar um novo modelo de desenvolvimento com a indústria forte, pujante, que alimenta o setor de serviços, industrializa nossas riquezas minerais e agrícolas, e gera empregos.
O Brasil poderia ser uma grande potência, com parque industrial forte, com geração de empregos de qualidade e se consolidar como líder regional na América do Sul.
Como ficam as projeções de crescimento e geração de empregos da indústria neste cenário de incertezas?
Mesmo com todos esses desafios, algumas fábricas de módulos fotovoltaicos, como a nossa (BYD), não desistiram do país e investiram novamente para mudar sua produção para abastecer o mercado de GD (geração distribuída), bem como abrir outras áreas de atuação como nossa nova fábrica de baterias de lítio e a entrada no mercado de trens, ônibus e demais veículos elétricos (VLT).
Em 2019, operamos a maior parte do ano com um turno estendido na fábrica solar, mas com as perspectivas de crescimento do setor, decidimos voltar a ter um segundo turno operando logo no início de 2020 para ganhar escala.
Com a entrada deste segundo turno, acreditamos que conseguiremos reduzir ainda mais nossos custos para fazer as fabricas locais serem ainda mais competitivas.
Em 2017, as fábricas locais representaram quase 50% do mercado, mas em 2019, caímos para cerca de 20% do mercado total. Acreditamos que podemos reverter essa tendência já em 2020. Nossa meta em 2020 é chegar a 30 a 35% do mercado.
Atualmente nossa maior preocupação é a possibilidade de mudança nas regras da geração distribuída, a REN 482, que seria um tiro de misericórdia nas fábricas em operação no Brasil.
Lembrado que a própria ANEEL já havia cancelado os leilões de geração centralizada de energia solar fotovoltaica, forçando as fábricas a migrarem sua produção para módulos para a GD.
E agora, sinaliza em acabar com o mercado de GD para preservar ineficiências do setor e deverá matar as poucas fábricas que sobraram que tem mais de 80% do mercado em GD seguindo regras do BNDES (PRONAF, FINAME e fundos constitucionais).
Para se ter uma ideia, a cada 1000 MW que deixamos de produzir aqui para comprar importados, o governo perde cerca de R$ 200 milhões em impostos, piora a balança comercial e abre mão de 15 mil empregos diretos. Sem falar nos demais benefícios sociais, econômicos e ambientais.
É bom para quem alterar a 482?
O maior beneficiado nessa alteração da 482 são as forças de ineficiência, é o lobby de algumas distribuidoras de energia elétrica do atraso, que querem monopólios e metodologias que as protegem e repassam perdas e custos extras do sistema para todos os consumidores.
Faz sentido o Brasil ter a segunda tarifa de energia mais cara do mundo com a nossa matriz limpa e abundante em fontes hídricas? É claro que não. Só faz sentido porque a ANEEL se preocupa mais em defender os investimentos de geradoras e distribuidoras, do que em proteger o consumidor.
Tem muita coisa para ser mudada. Eu até concordo que não seja função da ANEEL pensar numa política pública mais integrada sobre o tema, mas as regras do setor elétrico tampouco deveriam ser pautadas somente na preservação dos investimentos feitos, mesmo que ineficientes, das distribuidoras de eletricidade.
Quando a ANEEL resolve apresentar uma conta de “possíveis subsídios ocultos da GD”, mas ao mesmo tempo esquece dos benefícios da GD de desligar as térmicas, poupar água nos reservatórios das hidrelétricas, postergar investimentos em transmissão e distribuição na mesma conta, ela escolhe um lado claramente.
Eu também sou contra subsídios cruzados, mas por que eles querem confundir a opinião pública sobre esses subsídios cruzados ao invés de debater tecnicamente os benefícios e os prejuízos da geração distribuída de energia? Espero que o MP, o TCU e o congresso estudem isso com muita atenção.
É um bom momento para se discutir alterações da RN 482?
Na minha opinião não. Ao propor uma mudança drástica da resolução normativa 482, que propõe taxar em mais de 62% a geração distribuída, a ANEEL corre o risco de retirar a possibilidade de milhões de pessoas terem acesso à energia elétrica de qualidade. Hoje temos milhões de pessoas que não têm acesso a uma rede confiável.
Com o crescimento da economia no curto prazo, talvez falte energia no Brasil já em 2021 e 2022, sendo que a GD poderia suprir essa demanda, mas a ANEEL parece fechar os olhos para isso. No Brasil atual, o agronegócio não consegue se expandir por falta de energia de qualidade.
A GD permite que a agricultura, comunidades indígenas e quilombolas, os pequenos e médios empresários tenham acesso à energia limpa de qualidade a um custo menor.
Eu estive no Pará recentemente inaugurando um sistema solar financiado por ONGs internacionais. O Cacique da Aldeia disse que aquele novo sistema solar mudaria tudo. As crianças na aldeia eram obrigadas a comer comida enlatada porque não era possível refrigerar o alimento.
Acesso à energia é também melhoria na alimentação, na educação e qualidade de vida dos que mais precisam, isso não pode ser negligenciado.
A proposta de mudança da resolução 482 fala em potenciais custos futuros com a saída de consumidores da rede, mas não dimensiona os benefícios da GD para a própria rede e o sistema elétrico. A ANEEL precisa discutir a GD de uma maneira justa e colocar os benefícios reais também.
A ANEEL deveria focar nos mais de R$ 20 bilhões de subsídios cruzados na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) onde GD não representa nada. Quero ver a ANEEL ir nos grandes setores da economia que são subsidiados, ao invés dos pequenos que geram sua própria energia.
A agência não vem criticando com os altos subsídios ao carvão, às térmicas a diesel, a setores específicos como baixa renda, irrigação e grades consumidores. Mas agora que o MP, TCU e congresso entraram na briga, eles terão que discutir os benefícios da GD.
Quais os benefícios que a GD traz?
Existem muitos benefícios elétricos e energéticos da GD. Se eu gerar minha própria energia, o excedente será consumido pelo meu vizinho diretamente, sem perdas da distribuição, e poupando água nos reservatórios das hidrelétricas.
Ele consome a minha energia e paga tarifa cheia para a distribuidora. Para a distribuidora é muito melhor, pois evita trazer energia de longe (17% de perdas) ou com a eventual compra de energia das térmicas (que cobre o consumo nos picos).
Um estudo da universidade da Califórnia mostrou que no Brasil, somente em novembro de 2019, a geração distribuída tinha evitado a compra de R$ 66 milhões em energia mais cara pelas distribuidoras, que seriam repartidas ao custo de todos.
Isso seriam quase R$ 800 milhões de economia por ano somente no custo marginal da energia, 10 vezes a mais do que a ANEEL alega ter de subsídios na rede com a GD.
Nos picos de consumo à tarde, a GD abastece os consumidores da distribuidora sem a necessidade de comprar energia mais cara das térmicas. Existe uma grande simultaneidade na GD solar com consumo atual, mas a ANEEL distorce esses dados.
Com a GD gerando de dia (e postergando consumo para a noite), temos como consequência o barateamento do custo de operação do sistema elétrico nacional. Além disso, a GD adia investimentos em transmissão e distribuição e isso tem um impacto na redução do custo da energia para toda a população.
O próprio poder público tem na geração distribuída uma ferramenta importante para estabilizar o seu custo de energia, abrindo portas para ser mais eficiente, mas as distribuidoras não querem que isso ocorra.
Veja o caso da Califórnia, quando o Instituto de pesquisa das distribuidoras argumentava que a GD não traria benefícios para o sistema deles, e que a GD seria o pobre subsidiando o rico. E estes mesmos argumentos falaciosos agora são usados no Brasil.
A Universidade de Berkeley estudou o tema, concluindo que somente com a postergação de 20 projetos novos de investimento em transmissão, e a revisão de outros 21 projetos, a GD teria diminuído em 3 GW o pico do consumo na Califórnia, gerando uma economia anual de US $ 2,6 bilhões para os consumidores. Então a distribuidora perdeu o argumento, e o consumidor californiano ganhou.
Por que a ANEEL não faz um estudo desse no Brasil? Por que só citam os custos potenciais com a saída de consumidores do mercado cativo e nada se falam dos benefícios? O ministério quer reduzir subsídios e impor uma política liberal, e isso eu concordo.
Alguns compraram rapidamente os argumentos distorcidos das distribuidoras sem consultar ninguém, e isso é muito prejudicial ao país. Entretanto, atualmente muitas vozes dentro do ministério já perceberam como aquela nota técnica estava equivocada, e eles hoje defendem um debate mais amplo com a sociedade.
Porque a ANEEL lançou uma campanha de desinformação nas mídias sociais acusando a GD de subsídio no mesmo dia em que abriria consultas para audiência pública sobre o tema? Eles já escolheram seu lado, e parte do ministério comprou esses falsos argumentos.
Você se refere ao Ministério da Economia que fez duras críticas ao modelo atual de compensação de créditos de energia?
Sim. Nessa nota técnica do Ministério da Economia (“Visão da SECAP sobre o setor de energia: O caso do micro e minigeração Distribuída”) percebe-se que a intenção dos assessores ao fazer o relatório era atender às demandas do ministro Guedes, que prega a redução de subsídios e distorções.
Eu também concordo com o ministro, mas ao comprar os argumentos distorcidos trazidas pelas distribuidoras, e reproduzidos como se fossem oriundos de um estudo técnico feito pelo próprio ministério.
Também concordo com a retirada de subsídios cruzados, mas eles só citaram os tais subsídios “futuros” da geração distribuída, na visão equivocada deles de cerca de 100 milhões de reais, mas esqueceram dos mais de 20 bilhões de subsídios a outros setores como o carvão e o diesel, setores específicos e as próprias distribuidoras. E porquê?
Acho que eles compraram os argumentos das distribuidoras sem discutir com todos os setores envolvidos. Veja, por exemplo, o argumento deles de que um sistema solar geraria energia a um custo de R$118,57/ MWh (aqui eles usam os dados de uma grande usina centralizada) enquanto os geradores distribuídos teriam uma remuneração de R$ 750 MWh, que seria ao custo média da energia no país.
Portanto, na tese deles, existiria esse “subsídio” implícito porque eu estaria gerando a R$ 118,57, deixando de pagar impostos e encargos, e recebendo a R$ 750/MWh. Mas isso sim é uma distorção incrível.
Querem enganar a opinião pública comparando um custo da geração centralizada (R$ 118,57/MWh no leilão A-4 de 2019) como se fosse o custo para a geração distribuída (que está mais próxima de R$ 400 a 500/MWh), entretanto, no sistema atual de compensação, o gerador distribuído somente fica com créditos, portanto ele não vende energia ao preço da rede para ninguém como argumenta a nota técnica (R$ 750/MWh como média de preços para consumidor B1 no Brasil).
É uma distorção nos números que eu não consigo entender. Se os técnicos do governo conhecessem o setor, saberiam que os números das distribuidoras foram equivocados. Na prática, quem gera excedentes, está ajudando a rede ao trazer energia nova e mais barata ao meu vizinho.
Então por que o Ministério da Economia usou dados tão distorcidos? Se todo o mundo do setor sabe que aquele número não é representativo, por que a secretária (SECAP) utilizou esses dados?
Em sua nota técnica eles argumentam que a energia solar não gera empregos, mas a IRENA (agência internacional de energia) diz que a energia solar fotovoltaica é a fonte de energia que mais gera empregos por fonte de energia, liderando o mundo atualmente. Quem está certo?
Muito se fala que nesse estudo são tratados da mesma forma os grandes grupos de investidores e uma pessoa que quer colocar um sistema em um pequeno comércio para reduzir custos, por exemplo. Como você enxerga essa questão de comparar grandes grupos de investidores com pequenos?
Não faz sentido comparar grandes grupos econômicos que investem em geração para comercialização de energia, com o consumidor que gera para o seu próprio consumo. Vivemos na era do Fake News, mas é triste ver ministérios ou uma agência pública usando dados distorcidos.
Na semana passada, por exemplo, o presidente da ANEEL argumentou que teríamos cerca de R$ 3 bilhões de subsídios na geração de fontes incentivadas, e disse que isso era da energia solar.
Não é correto, a grande maioria dos subsídios são feitos aos grandes consumidores do mercado livre (grandes empresas) e na geração centralizada incentivada, onde a energia eólica representa a grande maioria.
O próprio estudo da SECAP (ME) cita que não é justo que um produtor de GD venda energia e se beneficie desses incentivos, mas a própria resolução 482 atual não permite a venda, ela somente faz a compensação. Então por que usam esses dados?
Para mim tentam distrair ou desinformar a opinião pública afirmando coisas que não acontecem na prática. Trituram os números para distorcer a realidade dos fatos. Parecem estar bem atentos aos números apresentados pelos grandes grupos em detrimento do direito difuso de todos.
Para mim é um contrassenso. O mundo inteiro vem incentivando a geração distribuída, dando liberdade e empoderamento ao consumidor, porque é bom para a economia e a sociedade como um todo. A gente, infelizmente, pode caminhar para o que ocorreu na Espanha, que é um caso de fracasso da geração distribuída do mundo.
Eles criaram uma legislação importante de remuneração da GD. O mercado cresceu, depois entrou um governo que definiu acabar abruptamente com o programa sem respeitar regras.
O mercado colapsou. Naturalmente, várias ações judiciais foram movidas, e até hoje o estado da Espanha paga a conta dessa medida equivocada, e não só por não ter cumprido o direito adquirido, mas por não ter preservado a segurança jurídica do setor, afugentando novos investimentos, gerando desemprego e prejuízos. A gente não quer que isso aconteça no Brasil também.
O Brasil deveria seguir o exemplo da Alemanha, Reino Unido, Japão, Estados Unidos, Austrália, China, França, e muitos outros países do mundo desenvolvido que investem pesado em GD, seja solar, biomassa ou PCH.
Cabe à ANEEL decidir, mas pensando na credibilidade do Brasil que poderia ser prejudicada, como já vimos em governos anteriores que cometeram erros que custaram bilhões à sociedade.
Em outubro de 2019, no auge do debate no congresso sobre a GD, um consultor legislativo do Senado fez um boletim legislativo (n° 82) para argumentar que o estudo da SECAP e os dados da ABRADEE (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica) estavam corretos, e repetindo as mesmas distorções, concluiu que a revisão da REN 482 era “aderente aos modernos conceitos da sustentabilidade” e a “justiça social”.
Acabar com o direito de todos de gerar sua energia para preservar ineficiências e monopólios era justificado para promover a sustentabilidade e a justiça social? Então porque esse mesmo consultor retirou de seu CV online no Linkedin que foi conselheiros de grandes distribuidoras? Será que essa informação faria seus argumentos perderem “credibilidade”?
Na sua opinião falta um estudo mais conclusivo?
Com certeza o governo como um todo e a ANEEL devem, sim, discutir todos os subsídios que existem no setor. Eu acho que devem ser abertos os números e deve-se mostrar quem recebe subsídio na CDE, quando e como podemos reduzir todos.
Vamos ver que o carvão recebe mais subsídio do que a GD que se utiliza de fontes renováveis, que o diesel recebe muito mais subsídio, que as perdas do sistema pela ineficiência geram mais subsídios, enquanto a GD reduz investimentos nessas fontes sujas de energia, nas perdas, e que o saldo final, conforme muitos estudos internacionais, é favorável à GD. Mas por que eles não querem discutir? Cabe a ANEEL responder.
Vamos abrir os números sim, mostrar os custos energéticos para o sistema e também os benefícios elétricos, sociais e de desenvolvimento que a GD traz. Quando tivermos um estudo sistêmico que mostre os dois lados, o setor estará disposto a discutir quanto pagar pelo uso do fio que está de fato sendo utilizado.
Muito se fala que a ANEEL não tem considerado os benefícios sociais como, por exemplo, a geração de empregos. Qual é a justificativa?
Eles já argumentaram que não é função da ANEEL prever esses benefícios, o que é uma demonstração de como aceitam que estão sendo parciais, favoráveis a um lado somente.
A ANEEL achou correto tentar calcular custos fictícios futuros para a rede ao ter usuários cativos saindo dos monopólios das distribuidoras, mas esqueceu dos benefícios elétricos e energéticos desse mesmo processo.
Se não querem falar dos benefícios elétricos e energéticos que são fáceis de se calcular, imagina só falar dos benefícios sociais, econômicos e de desenvolvimento. Até entendo que eles não queiram entrar em todas as questões tributárias, sobre geração de empregos, na geração de renda, nos impostos indiretos.
São assuntos de política pública mais amplos. Mas os benefícios elétricos e energéticos da GD para o sistema elétrico nacional eles não podem ignorar. Isso é uma distorção e uma quebra do interesse público.
E quanto aos benefícios ambientais da GD?
Há estudos que mostram que um aumento de 5% de GD na matriz elétrica geraria uma redução de R$ 138 bilhões de custos em saúde pública, simplesmente porque você desliga geradores a diesel e termelétricas.
Outros dados são a redução de 232 milhões de hectares em uso de terras no Brasil, que seriam usados para grandes hidrelétricas projetadas para o futuro, sem contar nos desafios ambientais dessas hidrelétricas (maioria estaria na região amazônica).
Morar em Fortaleza, por exemplo, pode te fazer perder 4 anos de expectativa de vida se estiver próximo a termoelétrica. O Nordeste está com todos os reservatórios baixos, não tem como gerar energia com as hidrelétricas, e a GD pode cumprir esse papel de complementariedade. GD solar, eólica e hidrelétricas são a combinação perfeita das renováveis. Garantem 24hs de geração firme.
O maior consumo no Nordeste é no horário de pico das 12h às 18h, que é exatamente quando GD está gerando. E mesmo quando as chuvas voltarem ao Nordeste, se é que vão voltar com o aumento da temperatura do planeta, a hidrelétrica que abastece Fortaleza perde quase 17% da energia gerada ao percorrer os 700 kms de linha de transmissão entre a geração e o consumo.
Pensando nisso, o governo do Ceará abriu uma PPP (parceria público-privada) para contratar 45 MW em GD solar para suprir seu sistema de bombeamento de água e de saneamento.
Então, ao se mudar a regra da GD não há impacto somente ao setor privado, também o setor público é prejudicado, que é o caso do Ceará, que fez essa licitação para estabilizar o custo com a energia elétrica, podendo gerar energia limpa, substituindo a energia gerada pelas termoelétricas.
Você fez parte da comitiva do presidente Jair Bolsonaro em visita à China no mês passado, chegando inclusive a conversar diretamente com ele sobre o assunto. Qual a sua percepção com relação à posição do presidente a respeito da 482?
Na minha conversa com o presidente Bolsonaro, quando citei algumas das distorções que estão sendo apresentadas nessa revisão da REN 482, o presidente foi solidário e disse que não concordava com isso, que realmente não faz sentido querer taxar o sol assim.
Ele disse ser contra essa medida, e que não entendia porque a ANEEL fazia isso. Na sequência, em entrevistas à imprensa, ele confirmou que achava errado a ANEEL ter mais poder que os próprios ministros, e que precisamos criar uma política pública integrada para o setor, e não depender somente da visão da ANEEL sobre o tema.
Reformas importantes acontecendo, economia dando sinais de crescimento, o consumo de energia deve aumentar nos próximos anos. É estratégico para o país desincentivar pessoas e empresas privadas de investir em sistemas de geração de energia?
Com certeza não. O Brasil vai crescer em 2020, 2021 e 2022, e temos um sério risco de faltar energia nos próximos anos, sendo que a GD poderá ajudar o país a ter energia, a continuarmos a crescer sem a necessidade de grandes investimentos em transmissão e distribuição, que aumentam a tarifa de todos na sequência.
Se a GD crescer, a tarifa de todos não aumentaria no futuro, mas se a economia crescer e tivermos que continuar a usa mais térmicas, fazer projetos caros de transmissão e distribuição, e essa conta seria dividida para todos os cidadãos.
Hoje o setor de geração distribuída já investiu R$ 7 bilhões e já gerou mais de 100 mil empregos. É um setor que vai crescer muito e deve gerar 670 mil empregos até 2030.
Esse investimento e essa geração de renda são muito democráticos, pois valem tanto para a pessoa que está em casa, para um pequeno comércio, para prestadores de serviço e indústrias.
Em contrapartida, temos vários atores da sociedade que são beneficiados ao se garantir o monopólio e o investimento dos grandes grupos, indo contra esse crescimento natural da GD solar, da biomassa ou das PCHs.
No fundo, a proposta de alteração da resolução 482 prejudicará a todos consumidores de energia em prol da preservação de um monopólio da ineficiência. Vivemos hoje um grande dilema.
Queremos ser o paraíso dos grandes investidores internacionais garantindo ineficiências e monopólios? Ou queremos dar liberdade a todos de gerarem sua própria energia, e ter essa economia futura para investir em educação, saúde ou lazer? O governo deve decidir logo? O Brasil acima de tudo, ou as forças da ineficiência acima de todos?