Ano de 2023 marca início de uma nova era na transição de baixo carbono

Chefe de análise global da BloombergNEF aponta ainda que as restrições da cadeia de suprimentos estão diminuindo
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Transição de baixo carbono só vai acelerar e expandir, diz analista da BNEF. Foto: BNEF/Reprodução

A perspectiva para a transição de baixo carbono continua extremamente promissora para este ano. É o que afirmou Albert Cheung, chefe de análise global da BNEF (BloombergNEF).

“Globalmente, esperamos que as adições de capacidade de energia limpa aumentem pelo menos 18% em 2023, ignorando os problemas da cadeia de suprimentos e os atrasos na interconexão para atingir outro recorde de mais de 450 GW”, destacou.

Na visão dele, a energia limpa é mais competitiva em termos de custos do que nunca, pois os preços dos combustíveis fósseis permanecem elevados e os custos renováveis ​​estão agora retomando seu declínio de longo prazo, “com a média global nivelada dos custos da eólica onshore caindo 6,3% do 1S ao 2S de 2022, eólica offshore caindo 10,2% e fotovoltaico de eixo fixo caindo 1,7%”.

Segundo o executivo, as restrições da cadeia de suprimentos estão diminuindo e os preços dos principais insumos, como polissilício, níquel e cobalto, caíram. As vendas de veículos elétricos continuam aumentando e devem atingir 13 milhões em 2023, contra cerca de 10 milhões em 2022.

Além disso, apontou que o hidrogênio verde será competitivo em termos de custo mais cedo do que o esperado, graças aos preços elevados dos combustíveis fósseis.

“Os compromissos de sustentabilidade de empresas e instituições financeiras permanecem em alta, e nossas conversas indicam que eles vieram para ficar, apesar de algumas controvérsias de alto nível”, relatou Cheung.

Na visão dele, a definição de novas metas baseadas na ciência, em particular, atingiu um novo recorde em 2022, e muitos outros governos estão tomando medidas para promover a divulgação corporativa dos riscos climáticos.

Outros destaques

De acordo com o especialista, a formulação de políticas de energia limpa também “está viva e bem. A IRA (Lei de Redução da Inflação dos EUA), o desenvolvimento individual de maior importância na transição global de energia no ano passado, direcionará investimentos maciços em tecnologias de energia limpa nos próximos anos e ajudará a aumentar a escala em tecnologias nascentes como hidrogênio e captura de carbono”.

“A UE chegou a um acordo sobre o Fit for 55, RePowerEU e o mecanismo de ajuste de fronteira de carbono, preparando o cenário para uma descarbonização mais rápida em todo o bloco. Em outros lugares, os australianos continuaram a votar por uma ação climática mais rápida e a Indonésia e o Vietnã estão atraindo financiamento internacional com seus planos de descarbonização acelerada”, exemplificou.

Portanto, o analista ressaltou que se 2023 marca o início de uma nova era na transição de baixo carbono, não será uma era caracterizada por qualquer tipo de desaceleração. “Muito pelo contrário: a transição só vai acelerar e expandir”.

“Mas esta aceleração terá lugar num cenário profundamente alterado, caracterizado por quatro novas dinâmicas: países em competição; segurança energética a um prêmio; uma transição mais transacional e a entrega imperativa. Vamos descompactar cada uma dessas dinâmicas”, disse.

Países em competição

Para Albert Cheung, à medida que a oportunidade líquida zero se torna mais clara (o New Energy Outlook coloca a oportunidade de investimento em US$ 194 trilhões até 2050), os países estão procurando, com razão, maneiras de capturar valor na transição de energia limpa, desde a extração e refino de matérias-primas até o desenvolvimento de tecnologia, fabricação e implantação.

“Os EUA, a UE e a China estão agora em uma competição muito mais explícita por empregos, valor econômico, liderança tecnológica e domínio da cadeia de suprimentos em energia limpa e outras tecnologias, tanto por razões econômicas quanto de segurança”, explicou.

“Outros países também estão buscando sua fatia do bolo da economia limpa, principalmente a Índia. O foco nos empregos domésticos está levando a tendências protecionistas, e cada vez mais as luvas cairão quando se trata de política comercial relacionada a tecnologias energéticas e commodities”, comentou o pesquisador.

Segundo ele, os países têm tentado diferentes abordagens: desde restringir as exportações de matérias-primas para promover o investimento doméstico em refino e manufatura (Indonésia), até barreiras à importação e programas de licitação para alocar subsídios para a fabricação de energia solar (Índia).

“Mas a Lei de Redução da Inflação é provavelmente o maior exemplo. Os subsídios oferecidos, incluindo alguns que são explicitamente para tecnologias fabricadas nos Estados Unidos e em países com ‘acordos de livre comércio’, irão distorcer o campo de jogo, possivelmente atraindo investimentos de outros mercados e perturbando os parceiros comerciais”, afirmou.

“A UE já expressou seu aborrecimento, mesmo enquanto trabalhava para aumentar as perspectivas de seu próprio setor de manufatura de energia limpa; e os EUA estão olhando para permitir que os veículos elétricos importados tenham acesso a créditos fiscais após preocupações levantadas por parceiros comerciais como a Coreia do Sul”, apontou.

Já a Noruega e a Austrália manifestaram objeções aos créditos fiscais de hidrogênio do IRA, que poderiam distorcer qualquer futuro mercado internacional de hidrogênio. “De sua parte, o mecanismo de ajuste de fronteira de carbono da UE, destinado a prevenir o vazamento de carbono, enfrenta críticas semelhantes e gerará políticas de imitação em outros mercados”.

A BNEF publicou um estudo no passado sobre a importância do livre comércio na redução das barreiras à adoção de tecnologias limpas, “e algumas das políticas implementadas neste período se mostrarão contraproducentes ou aumentarão os custos”.

“Por exemplo, nossos analistas especializados em solar estimam que o custo de criação de uma cadeia de suprimentos de fabricação de energia fotovoltaica na Europa ou nos EUA, do polissilício aos módulos, seria de cerca de US$ 560 milhões por GW de capacidade de produção anual, em comparação com apenas US$ 145 milhões na China”, disse.

“Mas um mundo em que os países competem para capturar o valor da transição energética ainda pode se mover mais rapidamente em direção ao zero líquido, apesar das ineficiências implícitas”, enfatizou.

Segurança como prêmio

Para o Cheung, a volatilidade nos mercados globais de energia permanecerá em 2023, e os formuladores de políticas governamentais, principalmente (mas não apenas) na Europa, passarão grande parte de 2023 tentando manter os custos de energia baixos e as luzes acesas, tanto para os cidadãos quanto para as empresas.

Nesta próxima era da transição energética, é a segurança energética, não a sustentabilidade, que terá valor. “No antigo ‘trilema da energia’, a acessibilidade e a segurança da energia vinham como um pacote – os combustíveis fósseis eram vistos como confiáveis ​​e acessíveis – e era a sustentabilidade que vinha em primeiro lugar. Agora, vivemos em um mundo onde a energia limpa é a opção acessível e a segurança energética vem com o preço mais alto”.

“A boa notícia é que a implantação de energia limpa também oferece suporte à segurança energética e, portanto, a busca por maior segurança energética acabará levando a uma transição mais rápida”, ressaltou.

No entanto, avaliou que para o setor privado isso representa um quadro muito mais complexo. “O aumento da competição entre os países, conforme descrito acima, representa um risco político significativo e uma oportunidade de fazer lobby para obter maior apoio de governos receptivos”.

“Enquanto isso, os diferenciais nos preços de energia entre as regiões também levarão a decisões estratégicas complicadas, principalmente para empresas em setores de uso intensivo de energia”, pontuou.

Transições transacionais

Na visão do chefe de análise global da BloombergNEF, a era de ganhos fáceis na ambição climática internacional, quando os países faziam fila para aumentar suas metas climáticas, pode ter acabado por enquanto, já que grande parte do mundo desenvolvido tem metas ambiciosas de redução de emissões em vigor.

“No entanto, ainda há muito mais ambição a ser desbloqueada, principalmente nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento. Em nosso New Energy Outlook, China, Índia e Indonésia superam facilmente suas metas climáticas para 2030, mesmo que persigam apenas a trajetória de menor custo mapeada em nosso Cenário de Transição Econômica. Em outras palavras, esses países devem conseguir aumentar sua ambição climática sem incorrer em custos adicionais”, destacou.

“As economias em desenvolvimento há muito deixaram claro que a quantidade certa de financiamento internacional desencadeará uma ação maior, com grande ênfase em atingir a meta de financiamento climático de US$ 100 bilhões por ano. Isso ainda precisa ser alcançado, o mais rápido possível”, pontuou.

Entrega imperativa

Acima de tudo, o executivo comentou que a nova era de transição energética deve e será focada na entrega rápida. “Há um ano, concluímos que o investimento total na transição energética global atingiu US$ 0,75 trilhão em 2021 e que precisava aumentar para cerca de US$ 4 trilhões por ano nesta década”.

“O total de 2022 terá sido um grande aumento em relação a 2021 (nossos números de investimento serão divulgados em breve), mas ainda não estará nem perto do nível necessário”, lamentou.

“Sabemos que a transição vai acelerar. Sabemos que o capital está lá (embora mais caro do que costumava ser), e os formuladores de políticas estão desviando sua atenção da visão e das metas para a execução e entrega. Os sinais são bons para 2023 e além”, enfatizou.

“A implementação do IRA e da Lei de Infraestrutura já estão começando a impulsionar o investimento nos EUA. O Canadá está introduzindo seus próprios créditos fiscais para tecnologias de energia limpa e os funcionários públicos indonésios estão ocupados com a implementação do JETP”, explicou.

“Além disso, o Conselho Europeu acordou regras para acelerar o licenciamento de energias renováveis, um gargalo crítico. As metas de veículos de emissão zero agora cobrem 40% do mercado automotivo mundial”, destacou.

O que é necessário agora, segundo o especialista, é um esforço incansável para remover as barreiras à transição e a implementação de políticas pragmáticas que possam cumprir as metas que foram estabelecidas.

“Uma maior competição entre os países poderia de fato apoiar isso: é um sinal de que os países veem as oportunidades na transição energética com mais clareza do que nunca e estão se preparando para pegar seu pedaço do bolo. Tem sido dito que algo semelhante a uma mobilização em tempo de guerra seria necessário para enfrentar com sucesso a mudança climática. Isso pode ser apenas o que estamos começando a testemunhar”, concluiu.

Imagem de Mateus Badra
Mateus Badra
Jornalista graduado pela PUC-Campinas. Atuou como produtor, repórter e apresentador na TV Bandeirantes e no Metro Jornal. Acompanha o setor elétrico brasileiro desde 2020.

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