A guerra entre Rússia e Ucrânia completou um ano na última sexta-feira (24). Diversas vidas foram perdidas e milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas para viver em outros países.
Para muitos, o 24 de fevereiro de 2022 é uma data que ficará para sempre na memória. Além do impacto na vida dos ucranianos, o conflito também atingiu outros países, principalmente no que se refere aos mercados globais de energia.
O aumento dos preços e a interrupção da cadeia de suprimentos levaram a uma crise de acessibilidade de combustível e alimentaram a inflação que está afetando a economia global.
Diante deste cenário, Simon Flowers, presidente e analista chefe da Wood Mackenzie, discorreu sobre como a guerra mudou os mercados de energia. De acordo com ele, nenhum país pode permitir-se novamente depender da eletricidade importada de um único fornecedor.
“No futuro, a segurança energética será baseada na diversidade de combustíveis e fontes e na primazia dos recursos domésticos”, enfatizou o executivo.
Um tiro de reforço para a transição energética
Na visão de Flowers, a autossuficiência, a um preço razoável, definirá a segurança energética no futuro – energia de baixo carbono produzida internamente, usando tecnologia de propriedade nacional e suportada por cadeias de abastecimento domésticas.
“Muitos países estão longe disso hoje, e a dependência da China para metais de transição críticos e hardware é uma preocupação generalizada. Mas a maioria dos países já planejou fazer a jornada a longo prazo à medida que avançam em direção ao zero líquido. A guerra apenas fez isso acontecer mais rápido”, relatou.
Para ele, os Estados Unidos começaram da melhor forma, introduzindo incentivos fiscais revolucionários na Lei de Redução da Inflação de 2022. “Um exemplo – desde então, aumentamos nossas previsões para a instalação de capacidade eólica, solar e de armazenamento de energia nos EUA entre 50% e 100 %”.
“Prevemos ainda uma aceleração semelhante de investimento em outras tecnologias de baixo carbono, incluindo CCUS (captura e armazenamento de carbono), hidrogênio, tecnologias nucleares de próxima geração e produtos químicos avançados para baterias”, disse.
A União Europeia também agiu no mês passado para reforçar os incentivos para garantir fluxos de capital para a Europa para ajudar a atingir suas próprias metas de baixo carbono. “Então, talvez emissões de CO2 temporariamente mais altas antes de reduções muito mais rápidas”.
Limitações dos mercados de energia
Outro ponto enfatizado pelo analista é que as condições extremas revelaram as limitações dos mercados de energia baseados em preços marginais da Europa.
“Uma combinação de custos crescentes de combustível de entrada e fornecimento de energia estendido levou a preços de atacado muito altos em todo o continente. Alguns geradores obtiveram margens enormes quando as contas dos consumidores atingiram o teto”, explicou.
Segundo Simon Flowers, os governos foram forçados a subsidiar as contas temporariamente para lidar com uma crise de acessibilidade, e os reguladores intervieram com o objetivo de reformar os mercados atacadistas nos níveis regional e nacional.
“O desafio é lançar mão de um meio de fixação de preço que seja ‘justo’ e ainda incentive a indústria a investir em nova capacidade de geração e tecnologias de apoio. Os mercados de energia em todo o mundo seguirão com interesse. A expansão da infra-estrutura da rede, transfronteiriça e doméstica, também é imperativa”, pontuou.
Europa pode viver sem gás russo
Ainda de acordo com Flowers, o mercado global se adaptou com uma rapidez notável. Os preços altos diminuíram a demanda na Europa e na Ásia e puxaram a oferta disponível para o mercado europeu. “Há uma confiança crescente de que a Europa pode se atrapalhar nos próximos três anos, embora com preços relativamente altos e voláteis”.
“Novos volumes de fornecimento, principalmente EUA e Qatari LNG, chegam a partir de 2025, ajudando os preços a voltarem ao ‘normal’. A longo prazo, o crescimento do GNL (gás natural liquefeito) ainda está centrado na Ásia”, comentou.
A guerra, porém, para ele, mudou fundamentalmente o mercado para sempre – agora é um mercado mais global, flexível e fungível, mas provavelmente mais volátil, já que a Europa compete com a Ásia pelas mesmas cargas de GNL.
“A Europa poderia comprar gás russo novamente no futuro? Talvez, mas ainda vai demorar, exigir mudança de regime e, mesmo assim, a nosso ver não mais que 15% de suas necessidades”, frisou o presidente da Wood Mackenzie.
Quem tem se saído bem?
Conforme Flowers, estão, por exemplo, os investidores em tecnologias de baixo carbono e cadeias de suprimentos associadas, bem como os países produtores de gás, particularmente aqueles conectados por gasodutos na Europa, e produtores de petróleo e gás, particularmente empresas integradas com capacidade comercial, juntamente com refinarias dos EUA.
Quem se saiu mal?
Na visão dele, consumidores de gás e eletricidade em muitas partes do mundo, e importadores de gás, incluindo alguns na Europa que exigiram resgates do governo. “Por último, mas não menos importante, a Rússia”.
“O país perdeu 130 bilhões de metros cúbicos de exportações anuais de gás para a Europa, no valor de mais de US$ 30 bilhões por ano em receitas pré-guerra, e provavelmente nunca será substituída por opções alternativas de exportação. Também perdeu sua credibilidade como parceiro comercial confiável”, concluiu o executivo.