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Fator de forma como indicador de qualidade dos módulos FV

Saiba mais sobre o fator de forma e como ele avalia a qualidade das células geradoras de energia

Autor: 2 de abril de 2020novembro 8th, 2020Artigos técnicos
15 minutos de leitura
Fator de forma como indicador de qualidade dos módulos FV

Você já ouviu falar sobre o FF (fator de forma) dos módulos fotovoltaicos? Provavelmente nunca. Essa é uma informação nunca mostrada nas folha de dados dos fabricantes.

Sabe por quê? Porque o fator de forma não tem utilidade na avaliação das características de um módulo fotovoltaico comercial.

O fator de forma como o índice de qualidade não serve para absolutamente nada. Minha declaração parece um pouco forte, mas vamos analisar algumas informações a seguir.

O fator de forma é um índice de qualidade das células fotovoltaicas. Esse parâmetro, que mede quanto uma célula se aproxima da idealidade, é muito usado por pesquisadores na área de semicondutores.

Uma célula com fator de forma pequeno é quase sempre uma célula ruim. Os fabricantes almejam sempre produzir células com fator de forma elevado, o que neste caso é um índice de qualidade.

O FF de uma célula fotovoltaica é afetado principalmente por parâmetros como as resistências série e paralela (shunt) dos dispositivos fotovoltaicos, que por sua vez são influenciados por diversos fatores como taxa de recombinação de portadores (algo que estudamos na física dos semicondutores), resistências de contato ôhmico e outras coisas.

Quando falamos de módulos fotovoltaicos comerciais o FF perde sua utilidade, pois existem outras figuras de mérito mais importantes. Obviamente, um módulo construído com células que possuem fator de forma muito pequeno será um módulo ruim.

Em outras palavras, é difícil produzir um módulo fotovoltaico de alta potência e elevada eficiência com células que possuem baixo fator de forma. Por outro lado, quando analisamos um módulo fotovoltaico que sabidamente possui boas características elétricas, como potência de pico e eficiência, o fator de forma deixa de ser um número importante.

Afinal, o que é o fator de forma?

Na figura abaixo encontramos a curva I-V de um módulo fotovoltaico. Já escrevi sobre a curva I-V no artigo Entendendo as curvas I-V e P-V dos módulos fotovoltaicos.

O módulo fotovoltaico possui uma corrente máxima chamada de corrente de curto-circuito (ISCshort circuit) e uma tensão máxima conhecida como tensão de circuito aberto (VOCopen circuit).

Isso significa que se você curto-circuitar os terminais de um módulo fotovoltaico, vai circular pelos cabos uma corrente igual a ISC. A corrente ISC, que é a corrente máxima que um módulo pode fornecer, depende da intensidade da luz incidente.

Nos catálogos a corrente ISC é especificada com uma irradiância (potência da luz solar por área) de 1000 W/m2. A tensão de circuito aberto é especificada com o mesmo valor de irradiância, mas a principal variável que afeta a tensão do módulo é a temperatura. Nos catálogos a tensão VOC é especificada na temperatura de 25 oC.

Seria maravilhoso se um módulo pudesse fornecer nos seus terminais uma potência igual ao produto ISC x VOC. Mas, isso é simplesmente impossível pela própria natureza das células fotovoltaicas.

A característica elétrica de saída das células fotovoltaicas (e consequentemente do módulo fotovoltaico) sempre vai ter o formato que vemos na figura. A curva sempre vai ter uma característica reta aproximadamente horizontal no início, um joelho de curvatura e depois uma característica reta aproximadamente vertical.

O fator de forma mede o quão distante a curva I-V está de um formato retangular. Se a curva fosse retangular, teríamos uma potência de saída PMAX= VOC x ISC.

Na vida real, a curva I-V não é um retângulo, então a potência máxima de saída do módulo é igual a PMP = VMP x IMP, sendo VMP e IMP a tensão e a corrente no ponto de máxima potência, cujos valores são especificados nos catálogos dos fabricantes.

O fator de forma é definido como a razão entre PMP e PMAX, como vemos na figura abaixo. Como PMAX sempre vai ser maior do que PMP, o fator de forma sempre será um número menor do que 1.

Figura 1: Curva I-V do módulo fotovoltaico e definição do fator de forma

Figura 1: Curva I-V do módulo fotovoltaico e definição do fator de forma

Na Figura 2 observamos curvas I-V com diferentes fatores de forma. É possível notar que o fator de forma está bastante relacionado com a inclinação das partes retas (horizontal e vertical) da curva I-V.

Figura 2: Curvas I-V com diferentes fatores de forma

Figura 2: Curvas I-V com diferentes fatores de forma

Quanto mais horizonal e mais vertical forem essas partes, maior será o fator de forma. As inclinações das retas estão diretamente relacionadas com as resistências elétricas internas do módulo, que incluem resistências das próprias células e dos demais componentes do módulo (cabos, conectores, ribbons, soldas etc).

Parâmetros importantes  na escolha dos módulos FV

Os parâmetros que o consumidor deve observar nas folhas de dados são:

  • potência de pico;
  • eficiência e;
  • coeficientes térmicos.

Não vamos nos aprofundar nisso agora. Recomendo a leitura do artigo Efeito da temperatura nos módulos mono e policristalinos, onde falo sobre os coeficientes térmicos dos módulos fotovoltaicos.

Em resumo, explico abaixo como cada parâmetro afeta a qualidade do produto final que o consumidor vai adquirir.

Potência de pico (Wp)

É a máxima potência do módulo. Corresponde à potência nominal especificada no catálogo em STC (condições padrão de teste: 1000 W/m2 e 25 oC). Exemplos: 290 Wp, 300 Wp, 430 Wp, 450 Wp, 500 Wp.

Obviamente, um módulo de maior potência vai gerar mais energia do que outro de potência inferior. Esse é um critério bem fácil de ser entendido;

Eficiência (%)

É o percentual da energia da luz solar que o módulo consegue converter em energia elétrica. A eficiência especificada no catálogo é válida para as condições STC.

Na prática, os módulos operam com eficiências reduzidas devido a vários fatores, sobretudo as perdas térmicas. Considerando apenas a condição STC, o módulo com maior eficiência é sempre melhor, mas nem sempre. Como assim?

Vamos comparar um módulo A (com potência de 400W e eficiência de 18,5%) e um módulo B (com potência de 390W e eficiência de 19%). Esses valores são apenas exemplos para efeito didático. Qual seria o melhor módulo, A ou B? Para você pensar.

Coeficientes de temperatura

Existem três coeficientes que normalmente são especificados nas folhas de dados dos módulos fotovoltaicos – coeficiente de corrente de curto-circuito, coeficiente de tensão de circuito aberto e coeficiente de potência.

Esses três coeficientes mostram como essas variáveis (corrente, tensão e potência) são influenciadas pela temperatura de operação das células fotovoltaicas.

O coeficiente mais imporante é o de potência, que revela a redução da potência do módulo (e consequentemente da geração de energia) com o aumento da temperatura. Módulos com coeficientes de potência reduzidos são melhores. Um elevado coeficiente de potência/temperatura revela um módulo que vai sofrer ao operar em condições climáticas agressivas.

Vamos fazer novamente uma comparação: módulo A (com potência de 400W e coeficiente de potência/temperatura = -0,35 %/oC) ou módulo B (também de 400 W e coeficiente de potência/temperatura = -0,4 %/oC). Entre A e B, qual seria a melhor opção para a máxima geração de energia em uma usina solar?

Veja que estamos comparando potências iguais e coeficientes de temperatura diferentes. A eficiência não deveria entrar nesta comparação? Não, pois os dois módulos são da mesma potência.

O que importa no produto é sua potência de pico. E se tiver algum outro parâmetro que devemos analisar depois da potência, seria justamente o coeficiente térmico – quanto menor, melhor.

Fator de forma (%)

O fator de forma pode ser um número puro ou pode ser expresso em percentual, assim como a eficiência do módulo. Diante de tantas variáveis para analisar (potência, eficiência e três coeficientes térmicos), o FF é a coisa menos relevante que pode existir no conjunto de características de um módulo fotovoltaico.

Vamos fazer uma última comparação: módulo A (com potência de 400W, eficiência de 19% e FF = 0,78) e módulo B (com potência de 400 W, eficiência de 18,5% e FF = 0,80). Qual seria a melhor escolha?

Não deve ser difícil imaginar que o fator de forma não faz a menor diferença nessa escolha. O fator de forma não é um assunto com o qual o usuário do módulo fotovoltaico deve se preocupar.

Análise científica da influência do fator de forma

Em busca de uma comprovação mais sólida para minhas análises, busquei na literatura científica informações a respeito do fator de forma dos módulos fotovoltaicos.

As publicações sobre esse assunto são raríssimas. Pouco se fala sobre os módulos e não existem muitos dados, talvez porque o mercado nunca se preocupou com isso antes.

Existem muitos trabalhos científicos e muitas discussões sobre o fator de forma das células fotovoltaicas, mas pouco ou nada se fala sobre os módulos fotovoltaicos comercialmente disponíveis.

No trabalho “A single procedure for helping PV designers to select silicon PV modules and evaluate the loss resistances“, dos autores Carrejo, Amador e Arnaltes, publicado na revista Renewable Energy da Elsevier em 2007, encontramos uma análise comparativa de diversos módulos fotovoltaicos, com diferentes características e fatores de forma. Neste artigo encontramos, entre outras coisas, as seguintes conclusões:

  • Em diversas análises experimentais realizadas o autores descobriram que o fator de forma (FF) dos módulos altera-se conforme as condições operacionais (irradiância, temperatura). Isso já era esperado. A observação interessante que os autores realizaram é que módulos com maior FF em condições STC (standard test condition – 1000 W/m2, 25 oC) nem sempre continuam tendo o maior FF em outras condições. Palavras dos próprios autores sobre o fator de forma: “Analysing other similar cases, same results were obtained, and this leads to think that the values of this parameter perhaps should not be used as an ‘‘a priori’’ indication of the module quality.”;
  • Na conclusão da pesquisa os autores afirmam: “Fill factor by its own should not be considered as an indicator of PV module quality as examples studied here have shown. For comparing PV modules and for providing information in relation to its loss resistances, p.u. values of VMP and IMP must also be considered.” Traduzindo: O fator de forma (FF) não deve ser considerado um indicador de qualidade do módulo fotovoltaico.

O fator de forma nos módulos comerciais

Para o usuário final de um módulo fotovoltaico comercial o fator de forma não revela informações importantes. Esse número nunca é mostrado nas folhas de dados dos fabricantes, mas pode ser calculado com a a expressão mostrada na Figura 1.

Os fabricantes estão empenhados em fornecer ao mercado módulos fotovoltaicos de alta potência e alta eficiência, qualquer que seja o fator de forma.

Os módulos fotovoltaicos comerciais possuem fatores de forma entre 0,75 e 0,8 tipicamente. Existem módulos de alta potência com fator de forma reduzido, enquanto módulos mais antigos, de baixa potência, têm fator de forma ligeriamente maior.

Se você puder escolher dois módulos fotovoltaicos para o seu projeto, qual escolheria? Um módulo de alta potência com fator de forma igual a 0,7 ou um módulo de baixa potência com fator de forma igual a 0,8? A pergunta fica como exercício para pensar.

Existem no mercado infinitos modelos de módulos fotovoltaicos, com infinitas combinações de tipos e formatos de células, número de bus bars e formatos de metalização, entre outras coisas, que afetam o fator de forma do produto final.

Antes de olhar para o fator de forma de qualquer módulo fotovoltaico como um possível índice de qualidade, deve-se olhar para outros parâmetros mais relevantes como a potência de pico, a eficiência e os coeficientes térmicos.

O fator de forma é a última coisa que deveria ser olhada na avaliação de um módulo. A importância dessa informação é tão reduzida que os fabricantes nem se dignam a mostrar isso em seus catálogos.

Vamos observar nas tabelas abaixo alguns dados de módulos fotovoltaicos disponíveis no mercado mundial, inclusive no Brasil.

Tentei pegar módulos de mesma potência para podemos fazer análises mais interessantes, para evitar comparar “bananas com laranjas”.

A primeira tabela mostra as características dos módulos em STC (standard test condition – 1000 W/m2, 25 oC na célula) e a segunda mostra as características em NOCT (nominal operating cell temperature – 800 W/m2, 20 oC ambiente).

Tabela 1: Características de módulos fotovoltaicos comerciais nas condições STC

canal solar tabela modulos FV fator de forma STCNa Tabela 1 vamos observar, por exemplo, que os módulos de 440 W dos fabricantes JA, Risen e GCL possuem a mesma potência e a mesma eficiência.

O módulo JA apresenta fator de forma de 77%, enquanto Risen e GCL, respectivamente, apresentam fatores de forma de 78,5% e 81,7%. Entre esses módulos, qual você escolheria com base no critério do fator de forma? E o que isso representaria, em termos práticos, para o desempenho da usina solar?

Agora observe, olhando ainda para os mesmos módulos, os coeficientes de potência/temperatura: -0,35 %/oC (JA), -0,37 %/oC (Risen) e -0,38 %/oC (GCL).

O módulo com maior fator de forma, estranhamente e contrariamente ao senso comum, é o que possui o pior coeficiente térmico.

Na prática, se analisarmos rigorosamente esse fato, o módulo GCL é o que vai produzir menos energia entre os três. Por outro lado, o módulo JA, que tem o menor fator de forma, apresenta o melhor coeficiente térmico entre os três.

Por último, ainda olhando para a Tabela 1, vamos observar os dados do módulo Jinko de 450W. É o modulo mais potente entre todos mostrados na tablea. E estranhamente é o módulo que apresenta o menor fator de forma entre todos (77,2%).

Também vale destacar que esse módulo possui o coeficiente de potência/temperatura mais baixo da tabela, comparável ao do JA de 440W.

Isso só confirma o que já estamos querendo dizer desde o início deste artigo: o fator de forma (FF) não é um indicador de qualidade dos módulos fotovoltaicos. Calcular o fator de forma de módulos comerciais e fazer comparações em cima desse número significa apenas uma coisa: nada.

 Tabela 2: Características de módulos fotovoltaicos comerciais nas condições NOCTcanal solar tabela modulos FV fator de forma NOCT

Agora vamos observar os dados da Tabela 2, que correspondem às características dos módulos em NOCT, que são condições de operação mais próximas da realidade, enquanto os parâmetros STC são apenas condições laboratoriais. Temos revelações importantes nesta tabela.

Comparando os módulos JA de 440W (primeira linha) e Jinko de 450W (última linha), vemos que o módulo da JA apresenta desempenho parecido.

O primeiro fornece 334 W em NOCT (contra 445 W em STC), enquanto o segundo fornece 335 W em NOCT (contra 450 W em STC). Ambos têm aproximadamente o mesmo fator de forma em STC (77,7% e 77,2%), mas em NOCT os fatores de forma são 77,7% e 75,3%.

Observamos aqui, talvez, um indício de que o fator de forma possa sinalizar alguma diferença entre os módulos, porém antes de analisar o fator de forma (em STC) nós analisamos: potência em STC, potência em NOCT, eficiência em STC, fator de forma em STC, coeficientes térmicos e por último, bem por último, podemos ousar olhar para o fator de forma.

E estamos falando do fator de forma em NOCT (que simplesmente ninguém informa ou calcula) e não do fator de forma em STC – que ninguém também informa ou calcula, mas seria a primeira coisa que olharíamos se estivéssemos interessados no fator de forma.

Conclusão

Podemos dizer que o fator de forma não é um dado relevante dos módulos fotovoltaicos. Na comparação de desempenho entre módulos comerciais o FF é o último parâmetro que poderíamos utilizar.

Na minha opinião, corroborada pela análise dos dados das Tabelas 1 e 2 e também pelas conclusõs do artigo “A single procedure for helping PV designers to select silicon PV modules and evaluate the loss resistances“, dos autores Carrejo, Amador e Arnaltes, publicou na revista Energias Renováveis ​​de Elsevier em 2007, o fator de forma não deve ser usado como indicador de qualidade dos módulos fotovoltaicos. módulos fotovoltaicos comerciais: potência de pico, eficiência e coeficientes de temperatura.


Marcelo Villalva

Marcelo Villalva

Especialista em sistemas fotovoltaicos. Docente e pesquisador da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da UNICAMP. Coordenador do LESF - Laboratório de Energia e Sistemas Fotovoltaicos da UNICAMP. Autor do livro "Energia Solar Fotovoltaica - Conceitos e Aplicações".

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