Integrar energia solar a projetos arquitetônicos históricos é uma tarefa que transcende a esfera técnica. Trata-se de um diálogo entre passado e futuro, onde a herança cultural encontra soluções sustentáveis para os desafios energéticos da contemporaneidade.
Apesar do entusiasmo em adotar tecnologias limpas, esse processo é repleto de desafios únicos que demandam abordagem sensível e interdisciplinar.
Neste artigo, exploramos os principais desafios dessa integração, considerando aspectos como regulamentação, viabilidade estrutural, qualidade estética e eficiência energética.
Restrições patrimoniais e regulatórias
Quando edifícios históricos são protegidos por normas de preservação, qualquer intervenção deve ser cuidadosamente planejada para respeitar sua estética e estrutura original. Muitos desses imóveis não permitem modificações visíveis, tornando a instalação de módulos fotovoltaicos uma tarefa complexa.
Por outro lado, é importante lembrar que manutenções também são parte essencial da preservação. Incorporar tecnologias solares de forma planejada pode, inclusive, ajudar a financiar a conservação desses edifícios a longo prazo, desde que o projeto respeite as regulamentações locais e valorize o caráter histórico.
Um exemplo desta restrição aconteceu com o Estádio do Mineirão, em Belo Horizonte. Quando fizemos o estudo de viabilidade técnica pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em 2008, uma das premissas era que o sistema fotovoltaico não fosse visível aos pedestres, para que a estética arquitetônica não fosse impactada.
O desafio era as vigas invertidas de até 2 metros de altura, que causavam grandes sombras sobre as lajes. A fim de encontrar um equilíbrio estético e energético, diversos cenários foram simulados para otimização deste sistema.
Viabilidade estrutural
Construções históricas frequentemente utilizam materiais e técnicas que não foram projetados para suportar cargas adicionais. Antes de qualquer implementação, é indispensável uma análise estrutural para garantir que a instalação dos módulos fotovoltaicos não comprometa a integridade da edificação. Neste cenário, a substituição de telhas convencionais por telhas fotovoltaicas é a solução que menos impactará no acréscimo de carga.
Desafios estéticos
A harmonia visual é uma das grandes preocupações quando se fala em arquitetura solar aplicada a edifícios históricos. Módulos convencionais retangulares de grandes dimensões, geralmente pretos ou azuis, frequentemente criam um contraste indesejado com a estética original da construção. Para contornar essa questão, existem dois caminhos:
- Utilização de módulos que ficam mimetizados na arquitetura, repetindo cores, formatos e padrões, ou seja, módulos customizados para atender a estética da edificação em que serão instalados. Exemplos: telhas solares com cores similares às telhas convencionais e módulos fotovoltaicos coloridos com acabamentos foscos, brilhantes ou até texturizados.
- Uso de módulos fotovoltaicos semitransparentes ou translúcidos, criando anexos entre edifícios existentes ou novas coberturas envidraçadas. Quando bem planejadas, tais composições se harmonizam com a arquitetura histórica através do contraste do moderno com o antigo com leveza e elegância. Um exemplo bem interessante é a cobertura fotovoltaica inaugurada em dezembro de 2024 na entrada dos Museus do Vaticano. A solução agregou valor estético à arquitetura histórica do local e ainda contribuiu significativamente para a eficiência energética do complexo.
Outro desafio estético ocorre no momento de ampliar ou renovar edificações históricas. Em geral, as adições a edifícios históricos são implementadas para expandir a área útil e o programa do edifício, conectar múltiplas construções ou substituir partes que foram demolidas.
Essas interferências podem se integrar harmoniosamente ao envelope original do edifício ou criar contrastes marcantes, com volumes e materiais inovadores, dependendo das políticas de preservação do patrimônio e conservação de energia aplicáveis à região.
Além disso, há casos em que essas intervenções arquitetônicas não apenas atendem às necessidades do programa do edifício, mas também garantem conforto ambiental, resultando em menor consumo energético ou até mesmo em balanço energético positivo.
Um exemplo de acréscimo bem-sucedido a uma edificação tombada é o Edifício da Comissão Europeia em Bruxelas. Projetada nos anos 80 para atender 12 países, viu-se insuficiente para atender a demanda crescente de reuniões e eventos quando atingiu 27 membros.
A partir de um concurso arquitetônico, a solução escolhida incluía uma cobertura suspensa de módulos fotovoltaicos semitransparentes, unindo a edificação tombada a uma edificação contemporânea. O resultado trouxe unidade e sustentabilidade, sem comprometimento da fachada original.
Eficiência energética e limitações de posicionamento dos módulos fotovoltaicos
Sabemos que a posição e inclinação ideais dos módulos fotovoltaicos são fatores determinantes para a eficiência do sistema. No entanto, na arquitetura, e em especial, em edifícios históricos, essa premissa perde sua relevância, pois outros compromissos precisam ser atendidos. Ainda assim, mesmo em posições não consideradas ideais, o sistemas fotovoltaicos ainda podem gerar energia com eficiência.
Nesse cenário, a realização de simulações de sombreamento e estudos de insolação é fundamental para identificar os pontos mais eficientes para a captação de energia solar. Além disso, o uso de microinversores e otimizadores de potência pode contribuir para um melhor desempenho, mesmo em condições desafiadoras.
Custos de implantação
A revitalização de edifícios históricos frequentemente envolve materiais específicos e técnicas tradicionais, o que já implica em custos elevados. Acrescentar tecnologias modernas, como sistemas fotovoltaicos, pode aumentar o orçamento, devido à necessidade de soluções personalizadas para manter a harmonia entre passado e presente.
No entanto, é possível que o investimento inicial mais alto seja compensado pela economia a longo prazo proporcionada pela geração de energia renovável. A chave está em apresentar estudos de viabilidade e modelos financeiros que mostrem aos proprietários e órgãos de preservação os benefícios de se aliar à sustentabilidade.
Desconhecimento da tecnologia fotovoltaica
Em muitos casos, a falta de conhecimento sobre as tecnologias fotovoltaicas por parte dos gestores de patrimônio é uma barreira. A resistência a soluções modernas, muitas vezes vista como uma tentativa de manter a autenticidade, pode impedir avanços sustentáveis que, com o devido cuidado, poderiam beneficiar os edifícios.
Iniciativas de educação e capacitação de profissionais da área são essenciais. Mostrar exemplos bem-sucedidos de integração e apresentar soluções adaptadas à realidade local pode ajudar a desconstruir preconceitos e promover maior aceitação das tecnologias.
Conclusão
A integração da energia solar em edifícios históricos é um desafio que exige mais do que conhecimento técnico; demanda um olhar atento à identidade arquitetônica e à importância cultural dessas construções. Superar as barreiras estéticas, estruturais e regulatórias requer colaboração entre arquitetos, engenheiros, gestores de patrimônio e desenvolvedores de tecnologias.
Com planejamento cuidadoso e soluções inovadoras, é possível transformar esses edifícios em referências de eficiência energética, sem comprometer sua história e valor patrimonial. O avanço das tecnologias e a adoção de abordagens mais adaptáveis permitem que inovação e preservação caminhem juntas, garantindo que a arquitetura do passado contribua para um futuro mais sustentável.
As opiniões e informações expressas são de exclusiva responsabilidade do autor e não obrigatoriamente representam a posição oficial do Canal Solar.
Respostas de 2
Oi Wagner! De fato, o valor é 1,42 MWp. Obrigada pela observação!
1,42 KWp? Algo não bate.