Em 2022, a equipe do Laboratório Fotovoltaica/UFSC colocou em operação uma usina de energia solar com o objetivo de avaliar o desempenho de módulos bifaciais nas condições climáticas brasileiras e investigar os ganhos energéticos proporcionados por diferentes tipos de solo.
O projeto utilizou painéis solares de última geração, com potência individual superior a 600 Wp. Contudo, um ano após o início da operação, os pesquisadores começaram a se deparar com uma série de falhas no vidro dos equipamentos.
Foram identificadas trincas que comprometiam a segurança e o desempenho do sistema de energia solar, com falhas de isolamento em dias chuvosos e o surgimento de pontos quentes. Os módulos da usina chegaram a ser substituídos, mas o problema das trincas reapareceu.
Assim como na USFC, outro caso similar também foi identificado na usina de energia solar piloto da USP (Universidade de São Paulo). Construída no final de 2023, a planta chegou a apresentar mais de um quarto de seus módulos com algum tipo de quebra no vidro.
Em entrevista ao Canal Solar, Roberto Zilles, professor titular do Instituto de Energia e Ambiente da USP, falou sobre diversos aspectos observados acerca do tema.
Entre eles: as consequências do fenômeno conhecido como “fake power”, fatores que contribuem para a degradação acelerada dos módulos fotovoltaicos e como os testes de laboratório ajudam a identificar o nível de eficiência dos painéis de energia solar.
Confira abaixo a entrevista completa:
Canal Solar: Professor, o que caracteriza o fenômeno conhecido como “fake power” em módulos fotovoltaicos e quais são as causas mais comuns desse problema?
Roberto Zilles: O denominado “fake power”, comercialização de módulos com potência inferior à declarada, pode ocorrer por duas razões: desonestidade ou desconhecimento. Este fenômeno, comercialização de produtos com características inferiores a declarada, não é exclusividade dos módulos fotovoltaicos.
A comercialização de módulos fotovoltaicos com potência inferior à declarada têm maior probabilidade de ocorrer em mercados nos quais não há um controle de Acompanhamento da Produção e Comercialização, como é o caso do Brasil.
Entre as principais causas está a concorrência acirrada, e de certa forma predatória, que pode estar afetando mais intensamente o mercado de micro e minigeração distribuída.
Em sua opinião, quais são os principais fatores que contribuem para a degradação acelerada dos módulos fotovoltaicos? A qualidade dos materiais e o local de fabricação desempenham papéis significativos?
Atualmente pode-se inferir que o principal fator associado com a degradação acentuada esteja relacionado com o corte agressivo nos custos e preços.
Situação que pode ter conduzido, em algumas unidades de fabricação, a interrupção de inspeções de qualidade para garantir células mais baratas.
Adiciona-se também o possível relaxamento no controle de qualidade dos demais componentes de um módulo fotovoltaico, por exemplo, EVA, polímeros e vidro.
Como os testes de laboratório ajudam a identificar o nível de degradação dos módulos de energia solar? Existe alguma metodologia que o senhor considera mais eficaz para avaliar a durabilidade?
A identificação da degradação pode ser detectada através de realização de ensaios de determinação de potência nas condições padrão, MQT 06, após a estabilização inicial MQT 19.1, da IEC 61215/2021.
Contudo, para isso é necessário ter estabelecido antecipadamente um protocolo de medida de alguns módulos fotovoltaicos.
Além dos módulos que serão instalados, é recomendável manter dois de testemunha que não serão instalados. Com este registro inicial pode-se realizar acompanhamento anual, ou em intervalo inferior em caso de suspeita de baixo desempenho.
Em geral os fabricantes garantem uma degradação inferior a 2% no primeiro ano, valor que está abaixo da incerteza dos melhores laboratórios de avaliação de conformidade atualmente em atividade no país e fora do país.
Portanto, degradações observadas de até 2% não encontram sustentação técnica para início de uma disputa com o fabricante/fornecedor.
No entanto, o protocolo sugerido oferece as primeiras informações para iniciar a cobrança de garantia devido a degradação acima de 2%, observando a curva de degradação garantida pelo fabricante.
Dependendo do contrato e da quantidade de módulos afetados, o fabricante poderá exigir a avaliação de uma amostragem de acordo com a NBR 5746 – Planos de amostragem e procedimentos na inspeção por atributos.
Importante destacar que as medições somente terão valor técnico/jurídico em uma disputa, quando realizadas por laboratório acreditado por organismo signatário do International Laboratory Accreditation Cooperation, ILAC. No nosso país o INMETRO é o signatário.
A questão das microtrincas em módulos é amplamente discutida. Poderia nos explicar como essas trincas se formam e quais são os impactos diretos na eficiência dos módulos a longo prazo?
As trincas, observadas no vidro posterior de alguns módulos vidro-vidro bifaciais, é objeto de discussão e análise em centros de pesquisa no exterior e no país. Com destaque as pesquisas conduzidas pelo Laboratório Fotovoltaica/UFSC.
Este grupo de pesquisa fez o primeiro registro de trincas em 2022 e desde então há uma pesquisadora deste grupo, Marília Braga, dedicando atenção a este fenômeno.
Nos módulos vidro-vidro pode ocorrer um efeito de pinçamento da laminação nas extremidades das placas do vidro superior e inferior, que faz o sanduíche das camadas se tornar mais fino na borda do módulo, forçando as camadas frontal e traseira uma em direção à outra, criando uma tensão local muito alta na borda do módulo.
Essa tensão pode levar à formação de trincas que se propagam e levam às fraturas de fácil observação. Trinca visível na parte posterior do módulo.Este efeito está sendo registrado em módulos vidro-vidro de 2mm, vidro de 2 mm não podem ser submetidos ao método de tempera térmica.
Placas de vidro de 2mm não suportam as elevadas temperaturas e o resfriamento do método de tempera térmica. As placas finas de vidro são submetidas a uma “tempera química”, que ocorre a temperatura mais baixa por troca de íons.
Nesse processo, o aumento da resistência do vidro não o leva à mesma robustez dos vidros tratados por tempera térmica. A ocorrência de trincas no vidro, assim que surgem, não impactam o desempenho elétrico do módulo.
No entanto, representa uma preocupação adicional importante devido à possibilidade de entrada de umidade nas células.
Situação que pode acelerar a degradação e ocasionar o desligamento da unidade de conversão cc/ca (inversor) por detecção de falha de isolamento. Portanto, pode comprometer a segurança e a produção de energia da unidade de geração fotovoltaica.
Em relação ao transporte e à instalação dos módulos, quais cuidados são necessários para minimizar danos e manter o desempenho esperado?
Os módulos devem ser transportados na posição vertical, ou seja, não empilhados na posição horizontal. Com o aumento das dimensões dos módulos também deve-se tomar mais cuidado nos procedimentos de fixação e deslocamento dos módulos no sítio de instalação. Estes cuidados podem reduzir a formação de microfissuras.
O senhor mencionou que um módulo bem protegido deve manter 80% de sua capacidade após 25 anos. Quais indicadores de qualidade podem garantir essa durabilidade no momento da compra?
Além dos cuidados associados com o transporte e instalação, que podem ser os responsáveis por surgimento de microfissuras, deve-se buscar módulos de fabricantes/fornecedores que tenham rigorosos controles de qualidade de entrada de matérias-primas e inspeções de parâmetros de elétricos durante a classificação das células.
Como os problemas de inversores ou falhas de instalação podem ser confundidos com defeitos nos módulos? Quais medidas poderiam ser implementadas para uma análise precisa da origem do problema?
Trata-se de um problema recorrente, isto é, como distribuir as responsabilidades? Felizmente temos a NBR 16274/ 2014 – Sistemas fotovoltaicos conectados à rede -. Requisitos mínimos para documentação, ensaios de comissionamento.
Esta norma, atualmente em revisão, oferece as instruções para realização de ensaios de comissionamento e avaliação de desempenho. Sua execução é a ferramenta com a qual podemos identificar e distribuir responsabilidades.
Na sua visão, como o mercado pode se proteger de fabricantes que oferecem módulos de qualidade inferior? Há regulamentações ou normas que poderiam ser reforçadas?
A proteção para termos produtos de qualidade pode ser incrementada através de um Acompanhamento da Produção e da Comercialização.
Recentemente, vimos casos de degradação acima de 40% em módulos com apenas quatro anos de operação. Quais ações imediatas o senhor recomendaria para lidar com problemas desse tipo no campo?
Como primeira ação deve-se requerer a reposição dos módulos e o ressarcimento do lucro cessante.
Por fim, qual é o papel da inovação tecnológica e dos investimentos em P&D na melhoria da qualidade dos módulos fotovoltaicos? Existem tecnologias emergentes que podem ajudar a mitigar esses problemas?
Os investimentos em P&D são muito importantes para o desenvolvimento científico e tecnológico das células fotovoltaicas.
No passado recente os recordes de eficiência e desenvolvimento de células partiam de laboratórios de pesquisa de universidades ou institutos de pesquisa.
Atualmente, partem das próprias empresas que produzem as células fotovoltaicas. Em 2016 iniciou-se a mudança das células solares BSF (Back Superface Field) para PERC tipo-p, e em 2022 se observou o crescimento da tecnologia TOPCon tipo-n.
Estima-se que a tecnologia TOPCon tipo-n, junto com as células solares de heterojunção, alcance 60% de mercado em 2032.
Independentemente da tecnologia que dominará o mercado nos próximos anos a degradação poderá ser atenuada com a adoção de módulos vidro-vidro ”soldados” a laser, herméticos e sem polímeros (tecnologia em desenvolvimento no NREL).
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